APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. OPERAÇÕES DE COMÉRCIO INTERESTADUAL. DIFERENÇA DE ALÍQUOTA DO ICMS (DIFAL). EC 87 /2015. TEMA 1.093 DO STF. MODULAÇÃO DE EFEITOS. LEI DISTRITAL 5.546/2015. VALIDADE. LEI COMPLEMENTAR 190 /2022. VIGÊNCIA E PRODUÇÃO DE EFEITOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. O objeto da impetração não se dirige a disposições normativas de cunho abstrato, mas a atos de exação fiscal destinados à cobrança de diferencial de alíquota de ICMS. Sociedade impetrante que exerce atividade de comércio eletrônico, estando sujeita ao recolhimento do diferencial de alíquota para operações interestaduais. Por isso, tem interesse e legitimidade para impetrar mandado de segurança preventivo a fim de não ser compelida a prestação que reputa inconstitucional e de não sofrer sanções pelo não cumprimento. Comprovação de ter arcado com o ônus financeiro do pagamento do tributo não é critério de aferição da legitimidade para a causa, nem constitui pressuposto para o ajuizamento do mandado de segurança, devendo ser aferida quando da formulação do pedido em sede administrativa ou de liquidação de sentença, exigindo-se, na atual fase, demonstração de possibilidade de sujeição ao recolhimento. Ademais, no presente caso, não há pedido de repetição ou de compensação do indébito. 2. Mandado de segurança que discute a constitucionalidade da exigência do DIFAL/ICMS nas operações de venda de mercadorias a consumidores não contribuintes do imposto no exercício de 2022 sob alegação de não haver prévia edição de lei complementar e por desobediência ao princípio da anterioridade tributária. 3. Cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional 87 /2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais. Precedente vinculante do Supremo Tribunal Federal ( ADI XXXXX/DF e RE XXXXX/DF ? Tema XXXXX/STF). 4. Conforme previsto no art. 150, III, ?b? da Constituição Federal , é vedada a cobrança de tributos ?no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou?. Esse dispositivo consagra o princípio da anterioridade de exercício. Por sua vez, a alínea ?c? do mesmo dispositivo veda a cobrança de tributos ?antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou?, sem prejuízo da exigência de anterioridade da lei ao exercício financeiro da cobrança. Trata-se do princípio da anterioridade nonagesimal. O princípio da anterioridade, sob ambas as perspectivas, tem aplicabilidade apenas nas hipóteses de efetiva criação ou de aumento de tributos. 5. Embora assentado pelo STF que a EC 87 /2015 estabeleceu uma nova relação jurídica tributária, esta se deu sob o aspecto das regras que estabelecem critérios de repartição da carga tributária entre os estados e o Distrito Federal. Afinal, desde a origem, a repartição do diferencial de alíquota ? inicialmente apenas quando o destinatário fosse contribuinte do imposto ? não traduz critério finalístico material de ICMS, seja de criação de novo tributo, seja de estabelecimento de carga tributária, mas, sim, regra de distribuição de receitas entre os entes federados. Conforme se extrai do julgamento pelo STF da ADI XXXXX/DF e do RE XXXXX/DF (Tema XXXXX/STF), o condicionamento da repartição do diferencial de alíquota à regulamentação em lei complementar não o extinguiu do ordenamento, tendo sido, inclusive, modulados os efeitos da declaração para sanar a irregularidade formal sem descontinuidade do arranjo fiscal estabelecido pela EC 87 /2015, já praticado pelas Fazendas Estaduais, de modo que, sob esse aspecto, inadmissível a invocação do argumento de surpresa ao contribuinte quanto à referida exação. Orientação reforçada pelo reconhecimento do STF de que a legislação tributária aprovada após a emenda constitucional que estabeleceu o novo regime de repartição da receita tributária, mas antes da regulamentação geral, ? como é o caso da Lei Distrital 5.546/2015, que regulamenta o DIFAL de ICMS no âmbito do DF ? permanece válida, e, ultrapassado o período de modulação, produziria efeitos a partir da vigência da nova lei complementar e no que fossem com ela compatível. Nesse passo, não há espaço para invocação do princípio da anterioridade geral, conforme, inclusive, reconhecido pelo STF em recentes decisões proferidas na ADI 7066 , ADI 7070 , ADI 7075 e ADI 7078 : "A LC 190 /2022 não modificou a hipótese de incidência, tampouco da base de cálculo, mas apenas a destinação do produto da arrecadação, por meio de técnica fiscal que atribuiu a capacidade tributária ativa a outro ente político ? o que, de fato, dependeu de regulamentação por lei complementar ? mas cuja eficácia pode ocorrer no mesmo exercício, pois não corresponde a instituição nem majoração de tributo. () O Congresso Nacional orientou-se por um critério de neutralidade fiscal em relação ao contribuinte; para este, não é visada, a princípio, qualquer repercussão econômica relacionada à obrigação principal da relação tributária, apenas obrigações acessórias decorrentes da observância de procedimentos junto às repartições fazendárias dos Estados de destino, em acréscimo ao recolhimento junto à Fazenda do Estado de origem (por uma alíquota menor). E tais obrigações, por não se situarem no âmbito da obrigação principal devida pelo contribuinte, não se sujeitam ao princípio da anterioridade, na linha do que afirmado pela Corte em relação a obrigações acessórias tais como prazo, condições e procedimentos para pagamento". () O Princípio da anterioridade previsto no art. 150 , III , ?b?, da CF , protege o contribuinte contra intromissões e avanços do Fisco sobre o patrimônio privado, o que não ocorre no caso em debate, pois trata-se um tributo já existente (diferencial de alíquota de ICMS), sobre fato gerador antes já tributado (operações interestaduais destinadas a consumidor não contribuinte), por alíquota (final) inalterada, a ser pago pelo mesmo contribuinte, sem aumento do produto final arrecadado". 6. Assim é que a Lei Complementar 190 /2022 entrou em vigor imediatamente após a sua publicação (05/01/2022), devendo obediência, quanto à produção de efeitos, apenas ao período estabelecido, já que, quanto a esse aspecto, houve expressa conformação legislativa. A cláusula que confere lapso para início da produção de efeitos da nova lei complementar que veicula critérios de repartição do diferencial de alíquota, assim compreendida, não consubstancia hipótese de isenção tributária e, portanto, deve ser mantida, preservando, por um lado, a definição legislativa e, por outro, a regra de adequação temporal que consagra o primado constitucional da segurança jurídica. 7. Recurso voluntário conhecido e parcialmente provido. Remessa necessária admitida e parcialmente provida.