PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CONSELHO RECURSAL V TURMA RECURSAL CÍVEL SESSÃO: 07/10/2020 PROCESSO: XXXXX-22.2020.8.19. 0076 RECORRENTES: VIA VAREJO S/A e ZURICH MINAS BRASIL SEGUROS S/A RECORRIDA: EDNA FERREIRA ROZADINHO PINTO RELATORA: MARCIA CORREIA HOLLANDA VOTO Trata-se de recursos inominados interpostos pelas rés, objetivando a reforma da sentença que as condenou, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos materiais no valor total de R$ 4.268,00 e por danos morais no valor de R$ 3.500,00. A autora adquiriu uma geladeira, com garantia estendida de 02 anos, em 16/11/2019 no valor de R$ 3.699,00. O produto apresentou defeito após 1 semana da data da compra. O fato foi prontamente noticiado pela consumidora à comerciante, que recusou a substituição do bem sob a alegação de ausência de responsabilidade civil em caso de vício do produto. Regularmente citada, a recorrente Via Varejo suscitou ilegitimidade passiva e no mérito ratificou sua tese defensiva de responsabilidade exclusiva do fornecedor do produto, conforme o disposto no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (id. 206). Correta a rejeição da preliminar à luz da Teoria da Asserção, diante da afirmação autoral de participação das recorrentes na cadeia de consumo, sendo matéria de mérito a análise quanto a sua responsabilidade pelos fatos narrados. No mérito, a sentença deve ser mantida apenas no que refere à condenação da comerciante, Via varejo; afastando-se a responsabilidade da recorrente seguradora Zurich Minas Brasil quanto aos fatos ocorridos. Isso porque, conforme se observa do documento acostado no id. 30, a vigência do seguro relativo à garantia estendida contratada pela consumidora somente se iniciará a partir do dia 16/11/2020, não abrangendo período diverso do expressamente previsto no Termo aditivo, ainda que anteriores ao ali estipulado. Assim, porque o sinistro ocorreu em novembro de 2019, ou seja, fora do prazo da garantia estendida, deve ser afastada exclusivamente a condenação da ré Zurich Minas Brasil. Passo a analisar a responsabilidade da recorrente Via Varejo. Em que pese o Superior Tribunal de Justiça não seja o competente para conhecer e analisar eventuais recursos contra as decisões oriundas do Juizado Especial Cível, é a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil. Com efeito, no atual sistema de precedentes, a lei deixou de ser o único paradigma a ser observado pelos juristas, que devem seguir ainda, obrigatoriamente, as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, bem como a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados, conforme se depreende do disposto no artigo 927 do CPC . No que se refere à matéria discutida nos autos, o STJ no Informativo de Jurisprudência nº 619 reconheceu o dever de reparação do vício pelo próprio comerciante, no prazo de 30 dias. Confira-se as informações do seu inteiro teor: "A questão jurídica discutida consiste, dentre outros pontos, em definir a responsabilidade do comerciante no que tange à disponibilização e prestação de serviço de assistência técnica (art. 18 , caput e § 1º, do CDC ). Em princípio, verifica-se que a interpretação puramente topográfica do § 1º do art. 18 do CDC leva a crer que a responsabilidade solidária imputada no caput aos fornecedores, inclusive aos próprios comerciantes, compreende o dever de reparar o vício no prazo de trinta dias, sob pena de o consumidor poder exigir a substituição do produto, a restituição da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço. A Terceira Turma do STJ, no entanto, ao analisar situação análoga se manifestou no sentido de que," disponibilizado serviço de assistência técnica, de forma eficaz, efetiva e eficiente, na mesma localidade [município] do estabelecimento do comerciante, a intermediação do serviço apenas acarretaria delongas e acréscimo de custos, não justificando a imposição pretendida na ação coletiva "( REsp 1.411.136-RS , DJe 10/03/2015). No entanto, esse tema merece nova reflexão. Isso porque o dia a dia revela que o consumidor, não raramente, trava verdadeira batalha para, após bastante tempo, atender a sua legítima expectativa de obter o produto adequado ao uso, em sua quantidade e qualidade. Aliás, há doutrina a defender, nessas hipóteses, a responsabilidade civil pela perda injusta e intolerável do tempo útil. Assim, não é razoável que, à frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado - ou, ao menos, atenuado - se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo. Vale ressaltar que o comerciante, em regra, desenvolve uma relação direta com o fabricante ou com o representante deste; o consumidor, não. Por isso também, o dispêndio gerado para o comerciante tende a ser menor que para o consumidor, sendo ainda possível àquele exigir do fabricante o ressarcimento das respectivas despesas. Logo, à luz do princípio da boa-fé objetiva, se a inserção no mercado do produto com vício traz em si, inevitavelmente, um gasto adicional para a cadeia de consumo, esse gasto deve ser tido como ínsito ao risco da atividade, e não pode, em nenhuma hipótese, ser suportado pelo consumidor, sob pena de ofensa aos princípios que regem a política nacional das relações de consumo, em especial o da vulnerabilidade e o da garantia de adequação, a cargo do fornecedor, além de configurar violação do direito do consumidor de receber a efetiva reparação de danos patrimoniais sofridos por ele." Ou seja, ao considerar que o comerciante possui relação direta com o fabricante, passou a entender pelo dever de sua participação no processo de reparo, de forma ativa, a fim de reduzir a frustração do consumidor de adquirir um bem viciado, problema este que não deu causa. Embora o acórdão objeto do informativo - Resp XXXXX/RJ , Rel. Min. Nancy Andrigui - não esteja sob a égide do regime dos recursos repetitivos, e por isso não ostente caráter vinculante, possui natureza persuasiva a demonstrar solução razoável e socialmente adequada aos casos semelhantes àquele; motivo pelo qual passo a acolhê-lo. Deste modo, diante da incontroversa recusa de atendimento do comerciante ao seu cliente no pós venda, após ter auferido lucro com a alienação de produto imprestável ao uso, entendo tal conduta como contraditória à esperada pelo adquirente do produto e à exigida pelo princípio da boa fé objetiva - norteador das relações de consumo. Ademais, a ocorrência de vício nos produtos transacionados é inerente ao risco da atividade exercida pelo comerciante e por isso plausível que este ao menos interfira em prol do interesse do consumidor em receber regularmente o produto que pagou. Assim, porque verificada a falha na prestação do serviço da recorrente Via Varejo por violação dos deveres anexos, correta a sua condenação à reparação dos danos morais e materiais, nos exatos termos lançados na sentença. Ante o exposto, VOTO no sentido de conhecer dos recursos e DAR PROVIMENTO APENAS AO RECURSO DA 2ª RÉ, Zurich Minas Brasil Seguros S.A., para reformar a sentença e julgar improcedentes todos os pedidos a ela imputados; DESPROVENDO O RECURSO DA 1ª RÉ, Via Varejo, mantendo a sua condenação tal como lançada na sentença. Sem honorários para a 2ª ré. Condeno a 1ª ré em custas e honorários de 20% sobre o valor da condenação. É como voto. Rio de Janeiro, 07 de outubro de 2020. MARCIA CORREIA HOLLANDA JUÍZA RELATORA