Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível Recurso nº XXXXX-24.2019.8.05.0001 Processo nº XXXXX-24.2019.8.05.0001 Recorrente (s): SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE Recorrido (s): ANDRE ALMEIDA DE ANDRADE EMENTA RECURSO INOMINADO. PLANO DE SAÚDE. PRELIMINARES REJEITADAS. REAJUSTE ANUAL E POR VCMH. AÇÃO REVISIONAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE SAÚDE COLETIVO. NÃO MERECE ACOLHIMENTO A PRELIMINAR DE IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA, VISTO QUE OS PEDIDOS FORMULADOS PELA PARTE AUTORA NÃO SÃO IMEDIATAMENTE QUANTIFICÁVEIS. RECONHECIMENTO DA ABUSIVIDADE DOS AUMENTOS IMPOSTOS PELA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE. AUSENTES MUDANÇAS FÁTICAS NAS BASES OBJETIVAS DO CONTRATO QUE JUSTIFIQUE EXPRESSIVA ALTERAÇÃO CONTRIBUTIVA, EVENTUAIS PROBLEMAS DE GESTÃO OU ERRO NA REALIZAÇÃO DOS CÁLCULOS ATUARIAIS POR OCASIÃO DA CONTRATAÇÃO NÃO PODEM SER TRANSFERIDOS AO SEGURADO. EQUIPARAÇÃO DOS REAJUSTES QUESTIONADOS AOS PERCENTUAIS FIXADOS PELA ANS. DANOS MORAIS INOCORRENTES EM AÇÕES REVISIONAIS. SENTENÇA QUE ORDENOU A REVISÃO DAS MENSALIDADES, ORDENANDO, AINDA, A DEVOLUÇÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS. MANUTENÇÃO INTEGRAL DO JULGADO. RECUSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099 /95[1]. Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que o Recorrente SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE pretende a reforma da sentença lançada nos autos que JULGOU PROCEDENTE em parte os pedidos formulados na exordial, para: a) DECLARAR a abusividade do aumento decorrente dos reajustes anuais aplicados ao contrato no período de 2018 e 2019, devendo a contraprestação mensal (prêmio) limitar-se aos aumentos possíveis ao reajuste anual do contrato, com percentual fixado pela ANS; b) Condenar a Ré a promover o reembolso dos valores eventualmente pagos a maior (devidamente comprovados) pela parte autora, durante o trâmite do processo, na forma simples, corrigido monetariamente pelo INPC e acrescido dos juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação, respeitando o limite de 40 salários mínimos, ex vi do art. 39 da Lei nº. 9.099 /95; d) Determinar que a acionada proceda ao recálculo do prêmio segundo os parâmetros descritos acima, apresentando a correspondente planilha de cálculos, no prazo de 15 dias, sob pena de lhe ser aplicada multa diária no valor de R$ 100,00 (-), a fim de que seja apurado o valor a maior pago pela parte autora no período descrito na exordial. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma. VOTO Não merece acolhimento a preliminar de impugnação ao valor da causa, visto que os pedidos formulados pela parte autora não são imediatamente quantificáveis. Vale registro que, não obstante a ré impugne o valor da causa e informe que deve ser aplicado a norma exposta no enunciado nº 39 do FONAJE, não informa o patamar do valor da causa que entende ser idôneo, simplesmente impugnando o valor da causa indicado pela parte autora. No mérito, a parte autora declara ser destinatária final dos serviços de Plano de Seguro de Saúde prestados pela empresa ré; denuncia que sofreu reajustes abusivos, ou seja, se insurge CONTRA OS REAJUSTES ANUAIS DE 2018 a 2019. Pugnou, destarte, pela declaração de nulidade dos aumentos impostos pela acionada, restituição de toda quantia paga a maior e condenação da acionada em danos morais (estes não concedidos pelo magistrado de piso). A parte acionada RECORRE alegando que o reajuste anual é constituído pela variação do custo médico hospitalar (reajuste financeiro) e pela sinistralidade (reajuste técnico), apuradas anualmente e devidamente demonstradas nos autos. Que não há como acolher a pretensão de aplicação dos índices impostos pela ANS aos contratos individuais, uma vez que os elementos devem ser analisados para o cálculo do risco em um plano individual ou familiar são absolutamente distintos daqueles de um plano coletivo, especialmente pela dificuldade de verificação e previsão. Que o reajuste de VCMH ¿ Variação dos Custos Médico Hospitalares visa o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de seguro saúde prevendo a variação do valor do prêmio em função dos aumentos, dentro de um certo período, dos custos havidos com honorários médicos, diárias, taxas, ampliação de coberturas, incorporação de novas tecnologias e medicamentos de tratamento, além de incremento nas despesas de administração e de comercialização, e além de lícito, constitui uma imposição da própria natureza do contrato de seguro, cujos prêmios são atuarialmente readequados em razão da volatilidade dos custos inerentes à operação securitária. Pugnando pela improcedência da ação. Pois bem. No tocante à alegação de ser contrato coletivo, o que induziria suposta liberdade na estipulação dos índices de correção, tenho que, embora regidos por lei específica (Lei nº 9.656 /98) e sigam orientações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), os contratos privados de assistência à saúde, individuais ou coletivos, não estão imunes aos princípios e normas contidos do CDC , porque integram a categoria dos contratos de consumo. Neste sentido é o entendimento do STJ, que, através da súmula nº 469 , não deixa dúvida sobre a aplicação do CDC aos contratos de saúde. É preciso destacar que não existe um parâmetro prévio para o reajuste do contrato coletivo de plano de saúde. O plano de saúde coletivo é objeto de livre negociação das partes, não se submetendo um parâmetro específico de reajuste, como ocorre com os planos de saúde individuais. 2- Nos planos de saúde individuais, o índice de reajuste é fixado e autorizado pela ANS. Nos planos de saúde coletivo, o índice de reajuste é objeto de negociação entre as partes, inexistindo índice pré-fixado. De tal modo, como o índice não é pré-fixado para o plano coletivo de saúde, o reajuste pode ser negociado, ressalvando-se apenas que não esse valor não pode constituir vantagem abusiva ou manifestamente excessiva ao fornecedor. Assim, esse índice pode vir a ser revisto pelo Poder Judiciário, sob argumento de abusividade, conforme a prova atuarial produzida nos autos. Com relação ao reajuste por Variação Dos Custos Médicos Hospitalares, para que esses reajustes sejam aplicados, deve a operadora demonstrar o efetivo aumento da sinistralidade, a elevação dos custos e a ameaça ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, sob pena de violação ao princípio da boa-fé objetiva. É indiscutível, em virtude do ora delineado, que o repasse da variação dos custos médicos e hospitalares ao consumidor o coloca em desvantagem exagerada. Cuida-se de preservar a igualdade das partes em um contrato, que não pode ser alterado unilateralmente por uma delas, invocando dados inacessíveis à outra. Com efeito, incide ao caso os art. 39 , incisos V e X , art. 51 , inciso IV e art. 51 , § 1º , inciso II , todos do CDC , uma vez que os reajustes devem ser razoáveis de modo a não acarretar ônus excessivo para uma das partes e benefício para a outra. Mostra-se abusivo o reajuste em decorrência do índice de sinistralidade, pois permite a majoração apenas em benefício da operadora do plano de saúde, deixando de considerar a possibilidade de o contrato tornar-se extremamente oneroso ao beneficiário. Afronta à boa-fé contratual, prevista no art. 422 , do Código Civil , o que impõe a declaração de nulidade da referida cláusula. Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51 , X , § 1º , II e III , do CDC , segundo o qual é nula a cláusula que permita ao fornecedor, direta ou indiretamente, variar o preço unilateralmente. No caso em apreço, a seguradora não juntou aos autos qualquer elemento de prova que conferisse força ao argumento de que houve desiquilíbrio econômico financeiro no âmbito do contrato. Não há qualquer estudo ou planilha que demonstre o considerável crescimento dos gastos a aumentar a sinistralidade e, por conseguinte, provocar desiquilíbrio contratual, de modo que a alteração da avença de maneira unilateral, por parte da seguradora, se mostrou abusiva. Ressalte-se que tal conclusão se fundamenta nos artigos 421 e 422 do Código Civil , bem como no artigo 16 , inciso XI , da Lei 9656 /98. Cabível, por conseguinte, a limitação dos reajustes aos índices autorizados pela Agência Nacional de Saúde aos planos de saúde individuais ou familiares Destaca-se, ainda, com relação aos reajustes anuais, que não houve a indicação por parte da demandada sobre os critérios utilizados para determinar o reajuste da mensalidade do plano de saúde em valor tão expressivo, rompendo com o equilíbrio contratual, princípio elementar das relações de consumo, a teor do que estabelece o artigo 4º , inciso III , do CDC , inviabilizando a continuidade do contrato. A operadora de saúde não produziu qualquer prova no sentido de justificar os índices adotados para o reajuste do plano de saúde coletivo da apelante nos períodos impugnados, limitando-se a alegar a liberdade de reajustamento dos planos coletivos, os quais não estão vinculados aos índices fixados pela ANS aos planos individuais. De certo que não há referida vinculação, o que não significa, contudo, que os reajustes dos planos coletivos podem ser adotados sem qualquer critério de razoabilidade e sem demonstração de alteração de sinistro que o justifique. As situações de reajuste por sinistralidade deveriam ser excepcionais, visto que as operadoras realizam cálculos atuariais para estabelecer o valor do prêmio contratado, que inclusive já sofre reajuste pela Variação do Custo Médico Hospitalar (VCMH), o que funciona para manter atualizado esse cálculo atuarial ao longo do tempo. Entretanto, o que vem se observando nos planos coletivos é a aplicação todo ano de reajuste por sinistralidade e em elevados patamares. Isso demonstra que as operadoras estão colocando os valores dos prêmios em patamar abaixo do que o cálculo atuarial autorizaria como forma de atrair clientes e, em seguida, aplicar-lhes invariavelmente altos reajustes por sinistralidade, o que certamente viola a boa-fé contratual (art. 422 do Código Civil e arts. 4º , III , e 51 , IV , do Código de Defesa do Consumidor ) e o direito do consumidor à informação (art. 6º , III , do Código de Defesa do Consumidor ). O reajuste por sinistralidade já possui legalidade controversa, visto que limita a característica aleatória do contrato de plano de saúde, transferindo ônus que, em princípio seria da operadora, para o beneficiário. A jurisprudência optou por admiti-lo, mas o que se verifica atualmente é um uso abusivo dessa cláusula pelas operadoras, de modo que o Poder Judiciário necessita analisar de forma mais aprofundada os casos de reajuste por sinistralidade, destacadamente o percentual fixo que as operadoras estabelecem do valor do prêmio que lhes é direcionado. Não se pode admitir que, realizado o risco contratual de utilização do plano pelos segurados, a operadora queira ainda manter seus lucros em patamares altos. Uma coisa é reestabelecer o equilíbrio contratual em razão de utilização excepcional pelos segurados. Outra é estabelecer forma contratual em que os valores direcionados à operadora são preestabelecidos, sem informar aos consumidores de qual é esse percentual, que muitas vezes é, como na hipótese, abusivo e provocador de desvantagem exagerada do consumidor. Dessa forma, ausentes mudanças fáticas nas bases objetivas do contrato que justifique expressiva alteração contributiva, eventuais problemas de gestão ou erro na realização dos cálculos atuariais por ocasião da contratação não podem ser transferidos ao segurado. Não podem os beneficiários do plano de saúde serem responsabilizados por erros de cálculos atuariais das rés. Então, se os prejuízos acumulados foram ocasionados por má-gestão da demandada, não pode, sob essa justificativa, implementar tal aumento abusivo nas mensalidades do plano de saúde da parte autora. Seria ônus das rés de comprovar a origem do aumento: regra prevista no artigo 373 , II , do CPC . Existe a possibilidade de reajustes por sinistralidade e VCMH, pois têm o escopo de manter o sinalagma contratual. Há abusividade, porém, do índice de reajuste discutido no caso concreto, em virtude da absoluta ausência de prova do incremento da sinistralidade e do aumento dos custos médico-hospitalares. Inviável a exclusão pura e simples do aumento, pena de ferir o equilíbrio do contrato. Devida, portanto, a aplicação do índice previsto pela ANS para os planos individuais e familiares no período. Nas relações jurídicas de trato sucessivo, quando não estiver sendo negado o próprio fundo de direito, pode o contratante, durante a vigência do contrato, a qualquer tempo, requerer a revisão de cláusula contratual que considere abusiva ou ilegal, seja com base em nulidade absoluta ou relativa. Porém, sua pretensão condenatória de repetição do indébito terá que se sujeitar à prescrição das parcelas vencidas no período anterior à data da propositura da ação, conforme o prazo prescricional aplicável[2]. Uma vez que houve cobrança indevida por parte da operadora, é devida a restituição à consumidora dos valores cobrados a mais. Nesse ponto, a restituição é devida até mesmo das mensalidades já quitadas antes da sentença, uma vez que o fato de a autora não ter se insurgido antes contra a abusividade de valores não lhe retira o direito de reaver o que pagou indevidamente[3]. Assim sendo, ante ao exposto, voto no sentido de CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA DEMANDADA; mantendo a sentença impugnada em todos os seus termos. Custas já recolhidas, condena-se as recorrentes perdedoras ao pagamento de honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa. Salvador, Sala das Sessões, 09 de março de 2021. ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA Juíza Relatora ACÓRDÃO Realizado o julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a QUINTA TURMA, composta dos Juízes de Direito, MARIAH MEIRELLES DE FONSECA, ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA e ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA, decidiu, POR unanimidade de votos CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA DEMANDADA; mantendo a sentença impugnada em todos os seus termos. Custas já recolhidas, condena-se as recorrentes perdedoras ao pagamento de honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa. Salvador, Sala das Sessões, 09 de março de 2021. ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA Juíza Relatora ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA Juiz Presidente [1] Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão. [2] PLANO DE SAÚDE. CONTRATO COLETIVO. REAJUSTES POR AUMENTO DE SINISTRALIDADE E DO ÍNDICE DE VCMH. Sentença de improcedência. Apelo da autora. Reajuste por sinistralidade em plano coletivo. Possibilidade condicionada à comprovação do desequilíbrio contratual provocado por eventual aumento de sinistralidade ou do índice de VCMH. Ausência. Aplicação dos índices de reajuste da ANS para contratos particulares e familiares. Restituição das diferenças devida, observada a prescrição trienal. Ação procedente. Recurso provido. (TJ-SP - AC: XXXXX20198260011 SP XXXXX-45.2019.8.26.0011 , Relator: Mary Grün, Data de Julgamento: 30/07/2020, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/07/2020). [3] PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE POR SINISTRALIDADE E VCMH. PRESCRIÇÃO. DEZ ANOS. NULIDADE DAS CLÁUSULAS DE REAJUSTE POR SINISTRALIDADE. OCORRÊNCIA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO REAJUSTE. RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS. POSSIBILIDADE. Insurgência da ré contra sentença de procedência. 1. Prescrição. Ocorrência. Recurso Repetitivo REsp nº 1.360.969/RS . Durante a vigência do contrato, pode-se, a qualquer tempo, requerer a revisão de cláusula contratual que considere abusiva ou ilegal com a consequente revisão da mensalidade, seja com base em nulidade absoluta ou relativa. Pretensão à devolução de valores que se submete à prescrição trienal (art. 206 , § 3º , IV , do CC ). Pretensão da autora à devolução de valores limitada ao período de três anos anteriores à propositura da ação. 2. Mérito. Cláusula de previsão de reajuste com base na sinistralidade não é nula, dependendo, para sua efetivação, de comprovação da sinistralidade ocorrida a fim de justificar o reajuste aplicado. Apelante apresentou índices com base no percentual do VCMH que são diversos dos índices de reajuste aplicados à consumidora. Abusividade reconhecida. Reajuste anual da ANS deve ser aplicado ao caso. Devolução simples dos valores pagos indevidamente, observando-se o prazo de prescrição. Precedentes deste Tribunal. Correção desde o desembolso e juros de mora a partir da citação. Sentença reformada em parte. Recurso provido parcialmente. (TJ-SP - APL: XXXXX20168260011 SP XXXXX-26.2016.8.26.0011 , Relator: Carlos Alberto de Salles, Data de Julgamento: 08/04/2017, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/04/2017)