DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÕES. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS E TUTELA DE URGÊNCIA. PEDIDO DE LIGAÇÃO NOVA DE ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO CDC NO CASO. ARTS. 6 , X , E 22 , DO CDC . ART. 7º , I , DA LEI Nº 8.987 /1995. SENTENÇA DETERMINANDO A LIGAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEMORA INJUSTIFICADA PARA A REALIZAÇÃO DO SERVIÇO SOLICITADO. DESCUMPRIMENTO DOS PRAZOS PREVISTOS NA RESOLUÇÃO NORMATIVA NºS 414/2010 E 1000/2021, DA ANEEL E AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS QUE JUSTIFIQUEM LAPSO TEMPORAL SUPERIOR ÀQUELE JÁ AGUARDADO PELO CONSUMIDOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ART. 14 , CAPUT DO CDC . DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. VALOR ARBITRADO NO JUÍZO DE ORIGEM DE FORMA ADEQUADA. RAZOABILIDADE DO PRAZO FIXADO PARA CUMPRIMENTO DA DECISÃO DE 1º GRAU. NATUREZA ESSENCIAL DO SERVIÇO PRESTADO. FIXAÇÃO DE TETO PARA APLICAÇÃO DAS ASTREINTES. APELAÇÕES CONHECIDAS E IMPROVIDAS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA EX OFFICIO NO TOCANTE À FIXAÇÃO DE TETO PARA AS ASTREINTES. 1 ¿ As apelações interpostas tanto pela ENEL ¿ Companhia Energética do Ceará, como pelo consumidor, objetivam a reforma da sentença proferida pelo Magistrado de 1º grau, na qual foi determinada a ligação de energia elétrica a ser cumprida no prazo recursal, sob pena de incidir multa diária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais). Estipulou também indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais. 2 ¿ Em suas razões, visando à reforma da sentença, a concessionária argumentou em síntese: a) a complexidade da obra para o regular atendimento do serviço solicitado; b) a inexistência de ato ilícito e, por consequência, do dever de reparação em danos morais; c) subsidiariamente a redução do valor da indenização arbitrada; d) a impossibilidade de cumprimento da sentença no prazo assinalado, bem como a necessidade de se reduzir o montante da multa em caso de descumprimento da ordem judicial. Por sua vez, o consumidor apenas arguiu ser correta a majoração dos danos morais para o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) 3 - Desde logo, é relevante salientar que, embora tenha sido informado, em 07 de novembro de 2022, que o serviço de ligação de energia já foi fornecido, inexiste vedação à análise do mérito recursal, pois ainda remanesce o interesse recursal de ambas as partes. 4 - A relação firmada entre as partes, em que pese revelar a prestação de um serviço de natureza pública, mediante concessão por pessoa jurídica de direito privado, é regida pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor . Nesse diapasão, conforme se depreende dos arts. 6º , X e 22 , do CDC e do art. 7º , I , da lei nº 8.987 /1995, é direito do consumidor que lhe sejam prestados serviços públicos adequados, eficazes, eficientes e seguros. 5 - A partir da atenta consulta aos autos, verifica-se que o usuário, ainda em 18/02/2022, formulou seu pedido para que a Companhia Energética do Ceará ¿ ENEL realizasse a ligação de energia elétrica para seu imóvel residencial. Do referido pedido até a sentença de mérito, houve o decurso do prazo superior a 6 (seis) meses, cujo cumprimento somente veio a se efetivar em meados de novembro do mesmo ano. Com efeito, embora a concessionária tenha defendido que o atendimento do serviço demandaria um procedimento complexo, não comprovou minimamente alguma dificuldade ou quaisquer outros impedimentos, a ponto de legitimar a demora desarrazoada na realização do serviço e no consequente fornecimento da energia elétrica solicitado pelo cidadão. 6 - Nada obstante, a Resolução Normativa nº 414/10, da Agência Nacional de Energia Elétrica, a que fez referência o julgador da instância inaugural, determinava que, em havendo necessidade de reforma, ampliação ou construção de rede de distribuição, a concessionária tem um prazo de 30 (trinta) dias, contados do pedido de ligação, para elaborar um projeto com orçamento e informar ao consumidor o prazo da conclusão da obra, que será entre 60 (sessenta) a 120 (cento e vinte) dias. 7 - No ano de 2021, sobreveio novo ato normativo que passou a dispor sobre essa mesma matéria. Trata-se da Resolução Normativa nº 1.000/2021, a qual também estabeleceu prazos para o atendimento do serviço solicitado. 8 - Nessa esteira, o certo é que a companhia energética ultrapassou aqueles prazos e também não indicou que as circunstâncias do caso caracterizariam hipótese a justificar um lapso temporal maior que o já aguardado pelo consumidor. De fato, cumpria à concessionária exibir provas que efetivamente demonstrassem a impossibilidade de prestar o serviço nos prazos previstos pela ANEEL, notadamente ante a inversão do ônus da prova, tal como deferido pelo juízo de origem. A mera alegação de óbices ao fornecimento do serviço, sem espeque probatório mínimo, não é bastante. 9 - A inércia da companhia demonstra manifesto descumprimento ao ato normativo da Agência Reguladora de Energia, destoando de qualquer razoabilidade e, por consequência, caracteriza sua culpa, pois violou direito do usuário, que se viu privado de usufruir serviço de notória relevância no cotidiano da sociedade civilizada. 10 - Disso resulta que a concessionária incorreu em evidente falha na prestação do serviço, a que foi designada, na forma estipulada pelo art. 14 , do CDC , e não manifestou qualquer interesse na produção de provas que pudessem elidir sua responsabilidade. 11 - Esta corte tem entendimento firme de que são devidos danos morais, em decorrência do atraso excessivo, quanto ao fornecimento de energia elétrica. Não se concebe, na vida cotidiana moderna, a supressão de tão relevante serviço, dai caracterizando-se a violação de direito da personalidade, a ensejar condenação via danos morais. Com efeito, o atraso de tais proporções foge de quaisquer critérios de tolerância, ultrapassando o mero dissabor. 12 - O valor arbitrado a título de danos morais, pelo juízo a quo, atendeu as exigências de razoabilidade e proporcionalidade, curvando-se ao entendimento já delimitado por este Tribunal de Justiça. Com efeito, o quantum de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), arbitrado a título de danos morais, não excedeu ao montante que esta Corte habitualmente tem aplicado para casos dessa natureza. 13 - Não é razoável ampliar o prazo para cumprimento da decisão, quando já decorreu grande lapso temporal, se considerada a data do pedido administrativo do consumidor. Com efeito, a Enel - Companhia Energética do Ceará sustentou que o prazo de 15 (quinze) dias, determinado pelo Juízo a quo para o cumprimento da sentença é insuficiente, motivo pelo qual requereu a sua extensão para no mínimo 120 (cento e vinte) dias. Contudo, ante a ausência de elementos concretos que comprovem a impossibilidade de atender a decisão judicial, o prazo de 15 (quinze) dias não destoa do entendimento desta Corte em casos semelhantes, dada a natureza essencial do serviço fornecido. Até porque, como informado pela própria empresa, em sua última petição, a ordem já foi atendida em tempo bem inferior ao pugnado em seu recurso. 14 ¿ Por fim, ainda nesse tópico, o julgador não fixou um teto para a aplicação da multa, em caso de descumprimento da ordem judicial. De acordo com a jurisprudência do STJ e na forma preceituado pelo art. 537 , caput, do CPC , não há óbice em proceder ex officio, sendo lícito este colegiado estabelecer, como patamar máximo, o montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Precedentes. 15 ¿ Recursos conhecidos e improvidos. Sentença parcialmente reformada, todavia, apenas para que sejam estipulados ex officio um teto para a aplicação das astreintes. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que litigam as partes acima nominadas, ACORDA A TURMA JULGADORA DA TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ, por UNANIMIDADE de votos, em conhecer dos recursos e negar-lhes provimento. Fortaleza, 1º de fevereiro de 2023. Des. José Lopes de Araújo Filho RELATOR