Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO QUARTA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 Ação: Cumprimento de sentença Recurso nº XXXXX-42.2019.8.05.0001 Processo nº XXXXX-42.2019.8.05.0001 Recorrente (s): CONDOMÍNIO VILLAGGIO PANAMBY Recorrido (s): MARCOS LIMA DE OLIVEIRA LEAL EMENTA RECURSO INOMINADO DA ACIONADA. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDOS. DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE MULTA CONDOMINIAL, CUMULADA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DAS RAZÕES FÁTICAS QUE MOTIVARAM APLICAÇÃO DA MULTA. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. APLICAÇÃO IMEDIATA DE MULTA SEM O PROCEDIMENTO ADEQUADO. INOBSERVÂNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DA PRÓPRIA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO. DANO MORAL VERIFICADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO. ACÓRDÃO INTEGRATIVO PROFERIDO NOS TERMOS DO ART. 46 DA LEI 9.099 /95. RELATÓRIO Trata-se de ação declaratória de nulidade de multa, cumulada com pedido de indenização extrapatrimonial. A parte autora ajuizou a presente ação com o intuito de desconstituir multa indevidamente aplicada pelo condomínio acionado. Em suas razões, afirma a não ocorrência do fato gerador da multa impugnada, bem como a inobservância do procedimento adequado para sua aplicação, nos termos do próprio regimento do condomínio. Além da desconstituição da multa que entende indevida/ilegal, pugna pelo arbitramento de indenização extrapatrimonial. A ré, em sua peça defensiva, sustenta regularidade de sua conduta, refutando a pretensão indenizatória formulada, embora não traga qualquer documentação que para sustentar suas razões. A sentença foi proferida nos seguintes termos: ¿Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO formulado na inicial, com fundamento nos dispositivos supra, e, consequentemente, declaro a nulidade formal da multa aplicada e CONDENO O ACIONADO A RESTITUIR AO ACIONANTE O VALOR DE R$5.013,88 (CINCO MIL E TREZE REAIS E OITENTA E OITO CENTAVOS), corrigidos a partir de 26/03/2019, data do efetivo desembolso, bem como a PAGAR A QUANTIA DE R$5.000,00 (cinco mil reais), A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, A SER CORRIGIDA DE ACORDO COM OS ENUNCIADOS DAS SÚMULAS 54 E 362 DO STJ. ¿. Irresignada, a acionada interpôs o presente recurso inominado (ev. 84), pugnando pela reforma integral da sentença de origem, para a total improcedência. É o que importa relatar, nos termos do art. 38 da lei 9.099 /95. VOTO Certificada a regularidade dos pressupostos processuais recursais, conheço o presente recurso inominado. Preparo devidamente recolhido, conforme ev. 84. Regularidade confirmada no ev. 89. Preliminarmente, não pode ser acolhido o pleito do condomínio recorrente para o deferimento da assistência judiciária gratuita. A lei nº 1.060 /50, que estabeleceu normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, dispõe que esse benefício será concedido mediante simples afirmação da parte de que não possui condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. De acordo com os precedentes do STJ, apesar de ser um ente despersonalizado, no que se refere à justiça gratuita, o condomínio sujeita-se ao mesmo regime das pessoas jurídicas. Desse modo, aplica-se, por analogia, o disposto na Súmula 481 /STJ: "Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais¿. Nesse sentido, em se tratando de pessoa jurídica, a jurisprudência pátria pacificou o entendimento de que não basta a simples declaração de pobreza, porque em favor dela não milita a presunção de veracidade do estado de hipossuficiência, prevalecendo a exigência constitucional de prova efetiva da pobreza declarada. Logo, ausente qualquer demonstração concreta que o condomínio recorrente encontra-se em estado de hipossuficiência, indefiro o benefício. Passo a analisar o mérito. Compulsando os autos, verifico que as razões recursais (ev. 84) estão estruturadas em três premissas: a) a violação ao art. 8º do regimento interno do condomínio, que proíbe a utilização da área comum para eventos ¿profissionais e mercantis¿; b) o art. 1.337 do Código Civil , que prevê a possibilidade de aplicação de sanção de multa pelo condomínio, quando constatado o comportamento antissocial do condômino ou possuidor; c) a ausência de proporcionalidade no arbitramento da indenização extrapatrimonial. Embora os atos normativos invocados na peça recursal realmente permitam, em tese, a aplicação de sanção de multa ao condômino antissocial, não há, nos autos, demonstração concreta, de ordem probatória, dos fatos que teriam motivado a aplicação da multa impugnada pela parte autora. Nesse contexto, analisando detidamente as provas produzidas nos autos, o que se verifica é a ausência de qualquer comprovação concreta de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, nos termos do art. 373 , II do Código de Processo Civil (contestação, ev. 27). O condomínio acionado poderia ter se utilizado de testemunhas, filmagens, ou qualquer outro meio de prova que tornasse ao menos verossímil a tese defensiva, todavia, não o fez. Ainda que estivesse devidamente comprovado o fato gerador de incidência da multa, o que não está, persiste outro problema, de ordem procedimental. O regimento interno do condomínio acionado (ev. 01, doc. 1.7), em seus arts. 30 a 32, prevê a existência do procedimento de defesa prévia à sanção, deliberação de ¾ dos condôminos, e até recurso administrativo à Assembleia Geral Extraordinária, que não foi observado no caso em exame, como já assinalado, impondo-se a declaração de nulidade da multa aplicada, em seu aspecto formal. Ainda que tal previsão não constasse no regimento interno, a aplicação de sanções aos condôminos sem a observância de um procedimento que permita o contraditório é ato que viola frontalmente as premissas mais atuais de um direito civil constitucional, como eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas, que resguarda o direito ao contraditório mesmo em situações contratuais estritamente particulares. Nesse sentido, a jurisprudência de tribunais pátrios: CIVIL. CONDOMÍNIO. NOTIFICAÇÃO DO CONDÔMINO. AUSÊNCIA DE RESPOSTA À DEFESA FORMULADA. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. APLICAÇÃO IMEDIATA DE MULTA SEM PRÉVIA ADVERTÊNCIA. ABUSIVIDADE CONFIGURADA, À MÍNGUA DE EXPRESSA REGULAMENTAÇÃO NA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO. RECURSO IMPROVIDO. I. Ação ajuizada pelo ora recorrido, em que pretende a anulação de multa condominial e compensação por danos morais. O condomínio, ora recorrente, sustenta, em síntese, que agiu no exercício regular do direito e em conformidade ao estabelecido em convenção condominial. Insurgência contra a sentença de parcial procedência. II. Incontroverso que os profissionais que trabalhavam na unidade residencial do requerente teriam descido com sacos de lixo (entulho decorrente da obra) antes do horário previsto no Regimento Interno, e os deixado em área comum do condomínio. O cerne da controvérsia, cinge-se à eventual conduta abusiva do condomínio, ao argumento de aplicação direta da multa sem prévia advertência, e consequente cobrança antes de analisado o recurso administrativo pela assembleia condominial, circunstância que poderia cercear o direito de defesa do condômino. III. No presente caso, consoante as provas produzidas, verifica-se que: (i) o requerente teria sido notificado, acerca da infração constante na cláusula 8ª, itens 7 e 9, da convenção condominial (Lançar papéis, pontas de cigarro, objetos, lixos, devendo transportá-los sempre acondicionados em pequenos volumes; Embaraçar de qualquer forma o uso das partes comuns), por fato ocorrido em 29.11.2019 (ID. XXXXX, pág. 4/5 e 9/10); (ii) consoante ata da assembleia geral extraordinária realizada em 29.2.2020, apesar de analisado dois recursos, com a respectiva anulação de multa aplicada a condôminos (item, 3 da ata), não teria sido analisada a defesa administrativa apresentada pelo requerente, circunstância que denotaria violação ao devido processo legal (eficácia horizontal dos direitos fundamentais), independentemente do ajuizamento da demanda; (iii) na mesma assembleia, conforme disposto no item 4 da ata, ficou claro que, em deliberações anteriores (não colacionadas), determinadas infrações terão multas aplicadas de forma imediata (...) e para as demais infrações a administração notificará 01 (uma) vez e, havendo recorrência do ato de infração, haverá a aplicação da multa (ID. XXXXX, pág.2). IV. Desse modo, não comprovada a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora ( CPC , Art. 373 , inciso II ), tem-se por escorreita a declaração de nulidade da multa condominial e, por consequência, a restituição do valor pago. V. No ponto, além da patente violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa (Precedente do TJDFT: 1ª Turma Recursal, Acórdão XXXXX, DJE: 9/10/2018), a recorrente não demonstrou que o tipo de infração constante na notificação extrajudicial recebida pelo requerente (violação aos itens 7 e 9 da cláusula 8ª da convenção condominial) importaria em aplicação imediata da multa (ausência de expressa regulamentação na Convenção do Condomínio). No mais, infere-se que o transporte de dois sacos de ?entulho?, apesar de fazer parte da obra, não caracterizaria infração, a ponto de violar regra sujeita à aplicação direta da penalidade (realização de obra fora do horário previsto), sobretudo porque não há indicativos de que o procedimento teria trazido qualquer prejuízo aos condôminos. VI. Recurso conhecido e improvido. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos (Lei 9.099 /95, Art. 46 ). Condenado o recorrente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação (Lei n. 9099 /95, Art. 55 ). (TJ-DF XXXXX20208070014 DF XXXXX-31.2020.8.07.0014 , Relator: FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Data de Julgamento: 30/09/2020, Terceira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 07/10/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA CONVENCIONAL. ATO ANTISSOCIAL (ART. 1.337 , PARÁGRAFO ÚNICO , DO CÓDIGO CIVIL ). FALTA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO CONDÔMINO PUNIDO. DIREITO DE DEFESA. NECESSIDADE. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. PENALIDADE ANULADA. 1. O art. 1.337 do Código Civil estabeleceu sancionamento para o condômino que reiteradamente venha a violar seus deveres para com o condomínio, além de instituir, em seu parágrafo único, punição extrema àquele que reitera comportamento antissocial, verbis: "O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia". 2. Por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal , como vértice axiológico de todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares, emprestando máximo efeito aos valores constitucionais. Precedentes do STF. 3. Também foi a conclusão tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo. 4. Na hipótese, a assembleia extraordinária, com quórum qualificado, apenou o recorrido pelo seu comportamento nocivo, sem, no entanto, notificá-lo para fins de apresentação de defesa. Ocorre que a gravidade da punição do condômino antissocial, sem nenhuma garantia de defesa, acaba por onerar consideravelmente o suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral, sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade. 5. Recurso especial a que se nega provimento. ( RECURSO ESPECIAL Nº 1.365.279 - SP (2011/XXXXX-8). RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO. Data de Divulgação: 29/09/2015) Uma vez que restou devidamente caracterizada a ilicitude da aplicação da multa sancionatória, vencido esse ponto, resta analisar a indenizabilidade do fato. A indenização extrapatrimonial está diretamente relacionada com a violação de direitos da personalidade, cuja lesão deve ser verificada à luz dos elementos do caso concreto. Para a configuração do dano moral há necessidade de haver violação de um direito da personalidade, e tal ilícito deve ser capaz de alterar o estado psíquico da pessoa, a acarretar um abalo emocional, uma variação psíquica não ordinária. O dano moral também é verificado quando há dor ou sofrimento moral, atingindo a honra do indivíduo. Vale lembrar que, para a fixação do quantum indenizatório o juiz deve obedecer aos princípios da equidade e moderação, considerando-se a capacidade econômica das partes, a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, natureza e repercussão da ofensa, o grau do dolo ou culpa do responsável, enfim, deve objetivar uma compensação do mal injusto experimentado pelo ofendido e punir o causador do dano, desestimulando-o à repetição do ato. Trata-se, portanto, do tríplice escopo da reparação, que obedece critérios pedagógicos, indenizatórios e punitivos. Concretamente, verifico que a parte autora procedeu de boa-fé, ao avisar previamente o condomínio sobre o evento que iria ser realizado na área comum. Ainda assim, conforme os documentos que acompanham a inicial, houve uma incessante tentativa de proibição indevida do evento, sem o devido respaldo concreto. Após a realização do evento festivo, a autora teve de realizar uma série de contatos administrativos pela não aplicação da penalidade, fatos esses devidamente comprovados e que respaldam a valoração do dano à luz da teoria do desvio produtivo. Assim, o ilícito resta configurado, inicialmente, pela violação ao procedimento administrativo na aplicação da multa por suposta irregularidade, como visto alhures, sendo o exercício abusivo do direito um ilícito civil (art. 187 do Código Civil ) e, segundo, porque não fora razoável a conduta da acionada, em insistir no cancelamento de um evento oneroso e já organizado, com antecedência de apenas dois dias da data de sua realização, ultrapassando, assim, o que se considera mero aborrecimento. Por tudo isso, verifico hipótese a ensejar o reconhecimento de ressarcimento pecuniário pelos danos morais alegadamente sofridos pela autora. Consideração as circunstâncias que nortearam a repercussão do dano, a capacidade econômica da demandada, bem como o caráter pedagógico e inibitório desta medida, entendo razoável e proporcional o arbitramento da indenização extrapatrimonial no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), fixada pelo juiz de piso. Pelas razões expostas, NEGO PROVIMENTO ao recurso da parte acionada, mantendo a íntegra da sentença de origem, conforme art. 46 da lei 9.099 /95. Custas e honorários pela parte recorrente, em 20% sobre o valor da condenação. É como voto. A C Ó R D Ã O Realizado o julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a QUARTA TURMA decidiu, à unanimidade de votos, NEGAR PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença de origem em todos os seus termos. Acórdão integrativo proferido nos termos do art. 46 da lei 9.099 /95. Custas e honorários em 20% sobre o valor da condenação. Salvador-BA, em 01 de julho de 2021. MARIA VIRGINIA ANDRADE DE FREITAS CRUZ Juíza Presidente MARY ANGÉLICA SANTOS COELHO Juíza Relatora