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30 de Maio de 2024

Concursos públicos para cadastro de reserva - Geraldo Nogueira

Publicado por OAB - Rio de Janeiro
há 11 anos
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A banalização dos concursos públicos para cadastro de reserva tem se tornado uma prática corriqueira aplicada pela administração pública. É através dessa prática que o edital divulga o certame sem definir o número de vagas oferecidas, estabelecendo apenas que os candidatos aprovados poderão ser nomeados durante o prazo de validade do concurso.

Esse é um recurso que colide com o princípio do livre acesso aos cargos e empregos públicos, consagrado no inciso I, do art. 37, da Constituição Federal, mesmo assim tem encontrado espaço no setor público, trazendo prejuízo aos inscritos que nem mesmo sabem o número de vagas que será disputado. Essa forma de concurso pode prejudicar ainda mais a pessoa com deficiência, pois como não se sabe previamente o número de vagas por cargo, o gestor poderá agir com preconceito evitando a abertura de vaga para o cargo no qual tenha sido aprovada uma pessoa com deficiência.

O concurso sem a quantificação das vagas existentes, somado aos diferentes critérios de nomeação tem ameaçado a reserva de vagas, colocando em xeque a legislação pertinente.

A reserva de vagas em concurso público para candidatos com deficiência é um direito fundamental, previsto na Constituição Federal, art. 37, inciso VIII; vejamos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

Recentemente a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada com força de emenda constitucional, em seu art. 27, alíneas a, b e g, impôs aos Estados signatários a obrigação de incluir as pessoas com deficiência no mercado de trabalho, o que abrange também o setor público. Estas determinações constitucionais estão reguladas pela Lei Federal n.º 7.853/89 e Decreto nº 3.298/99.

Lei Federal n.º 7.853/89: "Art. - Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, (...).

Decreto Federal n.º 3.298/99:"Art. 37 - Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador". § 1º. O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.

§ 2º. Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente.

Para manter o princípio da igualdade de oportunidade entre os demais candidatos e a pessoa com deficiência, o Decreto citado determina: Art. 41. A pessoa portadora de deficiência, resguardadas as condições especiais previstas neste Decreto, participará de concurso em igualdade de condições com os demais candidatos no que concerne: I - ao conteúdo das provas; II - à avaliação e aos critérios de aprovação; III - ao horário e ao local de aplicação das provas; e IV - a nota mínima exigida para todos os demais candidatos.

A dificuldade enfrentada pelos candidatos com deficiência surge quando a administração pública não obedece ao critério da alternância ou da chamada nomeação alternada. Imagine um concurso público feito apenas para classificação em cadastro de reserva, ainda que assegurado o percentual legal, a administração pública proceda por último à nomeação dos candidatos com deficiência. Este fato pode tornar impossível a nomeação destes candidatos, pois o concurso poderá vencer antes mesmo que o processo de nomeação alcance as vagas reservadas.

O critério da alternância surge da necessidade de manter a eficácia do direito para a reserva de vagas e, dada a inexistência de regramento especifico, sua aplicação se ampara nos princípios da isonomia material e da proporcionalidade, construindo-se a partir da publicação do resultado do concurso em duas listas classificatórias (art. 42, do Dec. nº 3.298/99), onde uma é geral e outra especial. Na lista geral constarão por ordem de classificação, os nomes de todos os aprovados no concurso, incluindo as pessoas com deficiência. A lista especial conterá apenas os nomes das pessoas com deficiência, também por ordem de classificação. Desta forma, a pessoa com deficiência que estiver classificada, será nomeada para posse em vaga estabelecida no percentual delimitado pelo art. 37 do Decreto n.º 3.298/99, de forma alternada. Assim, nomeia-se primeiro um candidato da lista geral e, subseqüentemente, um da lista especial até o preenchimento das vagas reservadas.

Caso o candidato com deficiência esteja bem classificado na lista geral, ele deverá ser nomeado obedecendo-se, primeiramente, a esta classificação, objetivando assim, a promoção da igualdade de condições com os demais. Entendemos que o candidato com deficiência que for nomeado dentro da classificação geral, não deva concorrer às vagas reservadas, destinando estas, tão somente aos candidatos que não alcançarem pontuação suficiente para classificação nas vagas gerais. A isso chamamos procedimento de nomeação alternada qualificada. Por essa razão é que o candidato com deficiência deve figurar nas duas listas, conforme inteligência do § 1º do art. 37, do Dec. nº 3.298/99.

Por fim, devemos observar a inconstitucionalidade formal de lei municipal quando tratar da nomeação de candidatos com deficiência, pois conforme se depreende do art. 24, inciso XIV, da Constituição Federal, é de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre normas de integração de pessoas com deficiência. Vejam que o mandamento constitucional não dá aos Municípios esta competência. Não obstante, em caráter suplementar, os Municípios podem legislar sobre essa matéria, desde que isso seja estritamente necessário ao interesse local, nos termos do inciso I, do art. 30 da CF. Como a inclusão de pessoas com deficiência, através de nomeação em concurso público não é matéria de interesse local, a lei municipal que dispuser sobre o assunto será formalmente inconstitucional, principalmente se restringir ou ampliar as determinações contidas no texto de norma de âmbito nacional ou estadual.

O fato é que o preconceito e a discriminação encontram guarida na distorção das interpretações sobre o tema, de forma a burlar ou reduzir as chances de nomeação dos candidatos com deficiência, tornando muita das vezes, ineficaz a reserva legal. A nomeação alternada qualificada e o reconhecimento de que a pessoa com deficiência, que obtiver classificação suficiente para ocupar vaga não reservada, concorre estritamente a estas, reflete, no conjunto, critério que resguardará a efetividade da norma constitucional pertinente.

Geraldo Nogueira é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

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