Deputado desiste de projeto de lei que criminalizaria letras de música ofensivas
Uma análise jurídica do tipo penal sugerido pelo Projeto de Lei, e uma comparação com a Sugestão Legislativa que tentou criminalizar o funk em 2017
Crédito da imagem: niu niu, via Unsplash. Uso autorizado
De autoria do Deputado Federal Charlles Evangelista, o Projeto de Lei nº 5194/2019, que faria acréscimos no Código Penal em relação ao crime de apologia de crime ou criminoso, foi retirado pelo próprio Deputado no dia 12.11.2019.
O Projeto de Lei iria acrescentar o seguinte parágrafo ao art. 287 do Código Penal:
§ 1º - Na mesma pena prevista no caput incorre aquele que através de qualquer estilo musical que contenham expressões pejorativas ou ofensivas, que estimulem:
a) O uso e o tráfico de drogas e armas;
b) A prática de pornografia, pedofilia ou estupro;
c) Ofensas à imagem da mulher;
d) O ódio à polícia.
Assim, a intenção era introduzir uma nova modalidade do crime de "fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime", o qual é punido com detenção de 3 a 6 meses ou multa.
Vale lembrar que, em 2017, houve uma Sugestão Legislativa que visava criminalizar o ritmo funk.
Na época, expressei minha opinião jurídica sobre esse assunto ao publicar o artigo Da inconstitucionalidade e impossibilidade fática da proibição do funk (clique aqui para ler).
A Sugestão foi rejeitada; mas, 2 anos depois, vemos que a criminalização de estilos musicais continua em pauta.
Inicialmente, a redação do parágrafo proposto pelo Projeto de Lei (PL) de autoria do Deputado Charlles Evangelista me parece estranha, pois não está claro se "cantar algo que contenha expressões pejorativas ou ofensivas" e "estimular .... (os temas arrolados nas alíneas)" seriam condições cumulativas, ou se se trata de um tipo penal misto.
Mesmo assim, a título de comparação, dessa redação já podemos tirar as seguintes conclusões:
a) Por um lado, o PL tem um caráter ainda mais interventivo que a Sugestão Legislativa de criminalizar o funk, pois o PL visava criminalizar condutas propagadas por meio de "qualquer estilo musical";
b) Por outro lado, o PL delimitou o âmbito do tipo penal a músicas "que contenham expressões pejorativas ou ofensivas"; e além disso, explicitou os temas sobre os quais o estímulo seria criminalizado.
Qualquer música que estimulasse atos tipificados como crime, e que não se encaixasse na redação do parágrafo sugerido pelo PL, recairia sobre o "caput" do art. 287 do Código Penal (mais uma razão pela qual o PL seria, do ponto de vista jurídico, desnecessário).
Por outro lado, pelo princípio da tipicidade, o estímulo a qualquer outro ato não tipificado como crime e que não recaísse nas hipóteses das alíneas do § 1º, não poderia ser considerado crime – pelo menos não para os fins do art. 287 do CP; lembrando, por exemplo, que existe a tipificação da conduta de induzir, instigar ou prestar auxílio a suicídio (art. 122 do CP).