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30 de Abril de 2024

O direito de restituição das arras prevalece sobre o direito da retenção, quando o desfazimento contratual se dá por impossibilidade de arcar com as prestações pactuadas

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DECISÃO (Fonte: www.stj.jus.br)

Após desistir de imóvel, comprador tem direito à devolução de parcelas pagas corrigidas

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve, por unanimidade, a decisão que considerou abusiva cláusula de contrato de compra de imóvel comercializado pela empresa Franere - Comércio Construções Imobiliária Ltda. que previa a retenção de 30% dos valores pagos em caso de desistência do negócio. O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), ao desconstituir a cláusula contratual, determinou a devolução das parcelas pagas pela compradora corrigidas na forma do contrato.

Uma cliente da empresa imobiliária desistiu de um apartamento adquirido em 2002 e ajuizou ação para reaver os valores pagos por considerar abusiva a cláusula do contrato que previa a retenção de 30% do valor por parte da empresa vendedora. A cliente pediu a devolução das parcelas já pagas com o devido reajuste e consentiu com a retenção de 10% do valor pago a título de despesas administrativas. A compradora também pediu o pagamento de juros de 1% ao mês pela demora no ressarcimento. Em primeira instância, o pedido foi parcialmente atendido, o que foi mantido pelo TJMA.

Segundo considerou o tribunal maranhense, a cláusula do contrato que estabeleceu que a empresa poderia reter 30% do valor já pago era abusiva e deveria ser anulada. Também determinou o pagamento de 1% como juros de mora. Considerou-se que o princípio do pacto sunt servanda (o pacto deve ser cumprido), que rege os contratos, deveria ser flexibilizado em caso de abusos no acordo.

A empresa recorreu ao STJ, argumentado não haver ilegalidade na cláusula que prevê, em contrato de compra e venda de imóvel, a retenção de 30% dos valores recebidos. Alegou-se ainda que a empresa não teria dado causa à rescisão do contrato, sendo de responsabilidade exclusiva da cliente. Teriam sido violados os artigos 53 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o 418 do Código Civil (CC).

O artigo do CDC determina que não há perda total do valor das prestações nos contratos de compra e venda quando, por causa de inadimplemento, é pedido que o contrato seja terminado. Já o artigo do CC determina que o vendedor tem o direito de reter o sinal no caso do desfazimento do contrato, na hipótese de sua não execução. Também foi apontado pela empresa dissídio jurisprudencial (julgados com diferentes conclusões sobre o mesmo tema).

Ao decidir, o ministro relator Massami Uyeda afirmou que a jurisprudência do STJ garante ao comprador o direito de entrar com ação para ser restituído parcialmente das importâncias pagas no caso de deixar de cumprir o contrato, por impossibilidade de cumpri-lo. Observou o ministro que, no caso, o que foi pago pela cliente era o sinal e várias parcelas. No caso, o desfazimento contratual ocorreu pela impossibilidade da autora de arcar com as prestações pactuadas, hipótese em que o sinal deve ser devolvido sob pena de enriquecimento ilícito", comentou.

O ministro afirmou que o artigo 53 do CDC não revogou o 418 do CC, mas se um beneficia quem não deu motivo ao não cumprimento do contrato, o outro garante que o consumidor não perca tudo. O magistrado destacou que a jurisprudência do STJ tem entendido que a retenção de um percentual entre 10% e 20% do valor pago seria razoável para cobrir despesas administrativas. Com essa fundamentação, o ministro negou o recurso da empresa.

NOTAS DA REDAÇÃO

A relação estabelecida entre a empresa imobiliária e o comprador do imóvel é, indubitavelmente, uma relação jurídica de consumo, razão pela qual deverá ser regida de acordo com as normas e princípios do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que juntamente com os princípios constitucionais, tem por escopo equalizar a relação jurídica tão desigual como é a de consumo.

Dentre os diversos princípios e direitos básicos do consumidor, destacamos o princípio da proteção contra as cláusulas abusivas , as quais estão dispostas, em rol exemplificativo no art. 51 do CDC, a seguir:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III - transfiram responsabilidades a terceiros;

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

V - (Vetado);

VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

VII - determinem a utilização compulsória de arbitrágem;

VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

Note-se que, ainda que o consumidor concorde com uma cláusula contratual, se for verificado que ela é notoriamente desfavorável ao consumidor, será considerada nula de pleno direito. Segundo ensinamento do Professor Março Antonio Araujo Junior[ 1 ] a nulidade absoluta,"aplica-se somente à cláusula abusiva, e não efetivamente a todo o contrato. A natureza da sentença que reconhece a nulidade é constitutiva negativa, ou desconstitutiva, produzindo efeitos ex tunc".

O art. 53 do CDC prevê que nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, são nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações já pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento do devedor pleiteie a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Já o art. 418 do Código Civil dispõe se a parte que deu a arras não executar o contrato, poderá a parte que não deu motivo ao não cumprimento do contrato, desfazer o contrato e reter as arras.

Na decisão em comento, o desfazimento contratual ocorreu pela impossibilidade da autora de arcar com as prestações pactuadas, e segundo o Ministro relator Massami Uyeda nesse caso o sinal deve ser devolvido sob pena de enriquecimento ilícito.

Porém, também se entendeu razoável, para o ressarcimento das despesas administrativas e com propaganda, corretagem, recolocação no mercado dentre outras, a retenção de um percentual entre 10% e 20% do valor pago.

Notas de Rodapé

1. ARAUJO JUNIOR, Março Antonio. Direito do Consumidor I: (tutela material do consumidor) - 1ª ed. - São Paulo: Premier Máxima, 2008. - Coleção resumos de bolso.

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