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30 de Abril de 2024

O impeachment foi suspenso?

Publicado por Camila Vaz
há 9 anos
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Por Thomaz Pereira - Professor da FGV Direito Rio

O que significam, na prática, as liminares dos ministros Teori Zavascki e Rosa Weber sobre o procedimento para análise de pedidos de impeachment?

A petição inicial requeria liminar para que o Presidente da Câmara “se abstenha de receber, analisar ou decidir qualquer denúncia ou recurso contra indeferimento de denúncia de crime de responsabilidade contra a Presidente da República”. Zavascki e Weber julgaram procedente o pedido. Mas o que isso quer dizer?

Para Weber, “Está muito claro (decisão). Ele (Cunha) que leia e interprete”. As liminares, porém, não deixam claro se este pedido foi realmente deferido em sua totalidade. Isso ocorre porque as decisões dos ministros Zavaski e Weber são minimalistas. Discutem apenas o estritamente necessário: o cabimento do Mandado de Segurança, a relevância de seus fundamentos legais e a urgência de intervenção do Supremo neste momento. Com isso, deixaram em aberto ao menos duas questões importantes, e muito diferentes, que a petição inicial levantou sobre a análise de pedidos de impeachment.

Em primeiro lugar, os impetrantes questionam o fato de Cunha não ter recebido seu recurso quanto ao decidido na Questão de Ordem n. 105, impedindo que o plenário considerasse suspender os efeitos de tal decisão – o que requereria o apoio de apenas um terço dos congressistas presentes.

Em segundo lugar, os impetrantes alegam que “a definição de normas de processo e julgamento de crimes de responsabilidade sejam disciplinadas em lei especial”, o que poderia significar que mesmo norma regimental sobre a questão não é suficiente para guiar a sua condução.

Por trás dessas tecnicalidades, há questões constitucionais com implicações políticas decisivas.

No primeiro caso, o que está em jogo é um conflito entre o Presidente da Câmara e o seu regimento interno, que permitiria que deputados suspendessem a sua decisão individual. Se essa norma for aplicada, caberia em última instância à maioria do plenário – e não a Eduardo Cunha – o poder de esclarecer como transcorreria o processamento de um pedido de impeachment.

No segundo caso, o que está em jogo é um conflito entre o próprio regimento interno da Câmara e a exigência constitucional de lei especial para regular o processo de impeachment. Ao regular os poderes do Presidente da Câmara para processar os pedidos, por exemplo, teria o regimento extrapolado as suas competências?

Esses dois problemas representam fundamentações independentes para as decisões liminares. Dependendo da resposta que se de a cada uma dessas questões, teremos cenários muito diferentes quanto à extensão das decisões de Weber e Zavascki.

No primeiro caso, o problema seria a violação do direito subjetivo de deputados de terem seus recursos processados conforme o regimento da casa. A suspensão liminar poderia então ser entendida como a garantia, por via judicial, daquilo que poderia ter sido alcançado por um terço dos deputados presentes, caso essa oportunidade não tivesse sido impedida pela decisão de Cunha.

Nesse caso, poderia se alegar que, enquanto a liminar suspende o processamento do impeachment, caso o recurso impetrado pelos deputados seja levado a plenário e recusado, o MS perderia o seu objeto. Afinal, se os impetrantes alegam ter sido privados do direito de obter efeito suspensivo de seu recurso enquanto este não era decidido, indeferido o recurso, a lesão da ausência de efeito suspensivo deixaria de existir. Esse é um conflito intra-congressual, do Presidente da Câmara contra o seu regimento e parte dos deputados. O Supremo entra como árbitro de um conflito interno, ainda que politicamente importante.

Mas se o problema for a violação da reserva legal prevista no art. 85, parágrafo único, da Constituição – e confirmada na Súmula Vinculante nº 46 do Supremo – o problema seria outro: a própria competência do regimento da interno da Câmara dos Deputados para regular o processamento do impeachment.

O problema é que nem a Constituição, nem a Lei nº 1.079 de 1950 estabelecem o poder do Presidente da Câmara de receber denúncias de crime de responsabilidade contra o Presidente da República, nem a possibilidade de um recurso ao plenário diante de um eventual indeferimento. O que estabelece esse poder é o Regimento Interno (nos §§ 1º e 2º do art. 218). Nessa linha de fundamentação, temos um potencial conflito entre o Congresso e a Constituição, cuja solução independe do que pensam os seus deputados. O Supremo atua como garantidor da separação de poderes em um sentido mais amplo, limitando o poder do Congresso de regular o que acontece em suas casas.

Essas questões só serão completamente esclarecidas quando o Supremo decidir o mérito dessas ações. Zavascki e Weber optaram em larga medida por não decidir esses problemas. Deixaram, porém, algumas pistas – no mínimo, indicam que as duas fundamentações são possíveis. Definir a extensão das liminares já será, em boa medida, reunir essas pistas e transformá-las em implicações mais claras sobre o processo político do impeachment.

Caso se entenda que o que o Mandado de Segurança perderia o objeto com o indeferimento dos recursos, seria possível acelerar o seu julgamento para que o plenário da Câmara esclarecesse seu entendimento sobre o procedimento do impeachment.

Caso se entenda que o que ficou suspenso foi apenas o que foi decidido na Questão de Ordem e procedimentos que lhe dêem execução, nada impediria que procedimentos que não se baseiem nela, mas apenas na Constituição, na Lei 1.079/1950 e no Regimento Interno da Câmara dos Deputados possam ter prosseguimento. Assim, restaria a possibilidade de recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara – e mesmo eventual recurso no caso de indeferimento.

Caso se entenda que, conforme a própria inicial, foi deferido o pedido para que o Presidente da Câmara “se abstenha de receber, analisar ou decidir qualquer denúncia ou recurso contra indeferimento de denúncia de crime de responsabilidade contra a Presidente da República”, o próprio impeachment está suspenso até que o mérito desses processos seja julgado. Entre o tempo necessário para que a Presidência da Câmara, a AGU e a PGR se manifestem e o mérito seja julgado, é possível que um mês ou mais se passem. Tempo mais do que suficiente para que o contexto político e os atores que atualmente guiam o processo de impeachment tenham se alterado significativamente.

Qual dessas três possibilidades prevalecerá é algo que, apesar da clareza que a ministra Weber vê nas decisões, não cabe apenas a Cunha ler e interpretar, mas a todos nós. Mesmo que ao final, inevitavelmente, o Supremo é quem tenha que dizer quem foi que “acertou”. Mesmo com a cautelosa não-decisão dos ministros, porém, uma coisa está clara: o Supremo entrou no jogo de vez. Afirmou sua função de garantir a regularidade do processo de impeachment. E, com isso, querendo ou não, influenciar também o seu resultado.


Fonte: JOTA

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