CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. OMISSÕES. INOCORRÊNCIA. QUESTÕES DECIDIDAS DE FORMA FUNDAMENTADA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE DE ATIVOS FINANCEIROS PARA FINS DE PENHORA E SATISFAÇÃO DE CRÉDITO. EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO CIVIL. CONCRETUDE DA ORDEM DE PREFERÊNCIA LEGAL QUE PRIVILEGIA O ADIMPLEMENTO EM DINHEIRO. MEDIDA EXPRESSAMENTE AUTORIZADA PELO LEGISLADOR E DISCIPLINADA DE MODO DETALHADO PELA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL. OBSERVÂNCIA DO RITO PREVISTO EM LEI QUE AFASTA POR COMPLETO A INCIDÊNCIA DO CRIME PREVISTO NO ART. 36 DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE, EIS QUE SE TRATA DE MEDIDA AUTORIZADA PELO LEGISLADOR. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO EM LEI QUE NÃO IMPLICA, ADEMAIS, NA INCIDÊNCIA DO TIPO PENAL, QUE EXIGE DOLO ESPECÍFICO E DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE EM QUANTIA QUE EXTRAPOLE EXACERBADAMENTE O VALOR DA DÍVIDA. EXCESSIVIDADE DA CONSTRIÇÃO QUE PODERÁ SER SANADA DE OFÍCIO OU MEDIANTE PROVOCAÇÃO DO EXECUTADO. TIPO PENAL QUE SOMENTE INCIDIRIA, EM TESE, SE, DEMONSTRADA A EXCESSIVIDADE, HOUVESSE RENITÊNCIA DO JULGADOR EM CORRIGÍ-LA. BLOQUEIO DE VALORES IMPENHORÁVEIS. DEMONSTRAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE. ÔNUS LEGAL IMPOSTO AO EXECUTADO. PROCEDIMENTO DELINEADO PELA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA, EM TESE, DE INCIDÊNCIA DO TIPO PENAL. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO, PELO EXEQUENTE, DOS DADOS BANCÁRIOS DO EXECUTADO. INADMISSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DE DETERMINADA PERIODICIDADE ENTRE AS ORDENS DE INDISPONIBILIDADE. INADMISSIBILIDADE. DEMONSTRAÇÃO, PELO EXEQUENTE, DE MODIFICAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DO EXECUTADO PARA NOVA TENTATIVA DE BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS. INADMISSIBILIDADE. EXIGÊNCIAS NÃO PREVISTAS EM LEI. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE DE ATIVOS FINANCEIROS QUE EQUIVALE À NEGATIVA DE TUTELA JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO AGRAVADA PELO FATO DE SE TRATAR DE DÍVIDA DE NATUREZA ALIMENTAR, DESTINADA À SUBSISTÊNCIA DO CREDOR. 1- Ação de alimentos em fase de cumprimento de sentença iniciado em 22/08/2017. Recurso especial interposto em 06/10/2021 e atribuído à Relatora em 09/05/2022. 2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido possui omissões relevantes; (ii) se o deferimento da penhora online de ativos financeiros do executado deve ser precedido de fornecimento de dados bancários fornecidos pelo exequente e se deve observar periodicidade mínima ou alteração das circunstâncias fáticas em relação à anterior tentativa de bloqueio dos ativos, sob pena de enquadramento na lei de abuso de autoridade. 3- Não há que se falar em existência de omissões relevantes quando o acórdão recorrido está suficientemente fundamentado e examinou as questões essenciais ao desfecho da controvérsia, pronunciando-se especificamente sobre as matérias suscitadas pela parte. 4- A decretação de indisponibilidade de ativos financeiros para fins de penhora e de satisfação de créditos decorrentes de decisão judicial tem por finalidade contribuir para a maior efetividade à execução civil por quantia certa, conferindo, nesse contexto, a maior concretude possível à ordem legal de preferência prevista no art. 835 , I e § 1º, do CPC/15 . 5- Com a finalidade de dar precisos contornos à essa técnica executiva, o legislador disciplinou, de forma pormenorizada, o modo de atuação das partes e do juiz diante de um pedido de decretação de indisponibilidade de ativos financeiros, estabelecendo o procedimento a ser observado no art. 854 , §§ 1º a 9º , do CPC/15 . 6- Observado o rito previsto em lei para a decretação de indisponibilidade de ativos financeiros, não há que se falar, nem mesmo em tese, de ato judicial tipificável como crime (art. 36 da Lei nº 13.869 /2019), uma vez que, nessa hipótese, o magistrado estará autorizado a aplicar a regra processual civil que expressamente prevê a possibilidade de adoção da medida sub-rogatória como técnica executiva destinada à satisfação do crédito. 7- Mesmo na hipótese em que não for observado o detalhado procedimento descrito no art. 854 , §§ 1º a 9º , do CPC/15 , não há que se falar em incidência do magistrado no tipo penal previsto no art. 36 da Lei nº 13.869 /2019 se ausente o dolo específico previsto na referida legislação (art. 1º, § 1º) ou se a ordem judicial que decreta a indisponibilidade não extrapola exacerbadamente o valor da dívida (o que não se confunde com a eventual retenção, por parte das instituições financeiras e de modo momentâneo, de valor superior à dívida executada, hipótese expressamente disciplinada pelo art. 854 , § 1º , do CPC/15 ). 8- De outro lado, a regra do art. 36 da Lei nº 13.869 /2019 também estabelece, como condição, que exista a demonstração, pela parte, da excessividade da medida (em linha com o art. 854 , § 3º , II , do CPC/15 ) e a renitência do julgador em corrigir a constrição excessiva, de modo que somente se poderia cogitar de ilícito penal se porventura presentes tais circunstâncias. 9- A expressa previsão legal para a situação em que a ordem de indisponibilidade atinja quantias impenhoráveis, hipótese em que caberá ao executado comprovar a impenhorabilidade e obter a liberação dos valores bloqueados (art. 854 , § 3º , I , do CPC/15 ), de igual modo, afasta a incidência do magistrado no tipo penal do art. 36 da Lei nº 13.869 /2019. 10- Descabe condicionar o deferimento da medida de indisponibilidade de ativos financeiros à apresentação, pelo exequente, dos dados bancários do executado, da mesma forma que não há que se falar em necessidade de observância de determinada periodicidade ou de demonstração, pelo exequente, de modificação de circunstâncias fáticas para a renovação do pedido de bloqueio na hipótese de a anterior ordem de constrição não ter sido efetiva, uma vez que tais requisitos não possuem autorização legal e não se relacionam, sequer indiretamente, com o crime previsto no art. 36 da Lei nº 13.869 /2019. 11- Conquanto seja lícito ao juiz discordar, questionar ou criticar determinado dispositivo legal, não lhe é facultado deixar de decidir ao fundamento de que a lei é obscura (art. 140 , caput, do CPC/15 ) ou sob o fundamento de um suposto temor de incidência de tipo penal, devendo o julgador se valer dos inúmeros métodos hermenêuticos existentes, inclusive o controle difuso de constitucionalidade, para conferir sentido à regra, compatibilizando-a com as demais existentes no ordenamento jurídico e com o texto constitucional , sem, em hipótese alguma, negar a tutela jurisdicional. 12- Hipótese em que, ademais, o indeferimento do pedido de indisponibilidade de ativos financeiros é particularmente ainda mais grave, na medida em que a ordem teria por finalidade obter o adimplemento de obrigação de natureza alimentar, destinada à subsistência digna dos credores, sendo manifestamente inadmissível rejeitar a adoção da referida técnica sub-rogatória ao fundamento de que haveria o receio da aplicação da regra do art. 36 da Lei nº 13.869 /2019. 13 - Recurso especial conhecido e parcialmente provido, para desde logo autorizar a decretação de indisponibilidade de ativos financeiros do devedor, a ser processada nos termos do art. 854 , §§ 1º a 9º , do CPC/15 .