ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. UTILIZAÇÃO ILEGAL E DISTRIBUIÇÃO DESPROPORCIONAL DE RECURSOS DO FUNDO MUNICIPAL HABITACIONAL. CONDUTA VEDADA NÃO CONFIGURADA. ABUSO DE PODER CONFIGURADO. CASSAÇÃO DE DIPLOMA. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul rejeitou as preliminares arguidas e proveu, em parte, o recurso de Volmir Francescon para: i) condenar Jairo Paulo Leyter ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 pela prática da conduta vedada prevista no art. 73 , § 10 , da Lei n. 9.504 /97; ii) cassar os diplomas de Jairo Paulo Leyter (Prefeito) e Auri Luiz Vassoler (Vice–prefeito), nos termos do art. 73 , § 5º , da Lei n. 9.504 /97 e do art. 22 , inc. XIV , da LC n. 64 /90; iii) declarar a inelegibilidade de Jairo Paulo Leyter, pelo período de oito anos subsequentes à eleição de 2020, na forma do art. 22 , inc. XIV , da LC n. 64 /90, por abuso de poder político e de autoridade; iv) e determinar a realização de novas eleições municipais majoritárias no Município de Entre Rios do Sul/RS. 2. Por meio da decisão agravada, dei parcial provimento ao agravo em recurso especial interposto por Jairo Paulo Leyter, apenas para afastar a condenação pela prática da conduta vedada descrita no art. 73 , § 10 , da Lei 9.504 /97, mantidos os demais comandos do acórdão regional, inclusive a cassação dos diplomas do recorrente e de Auri Luiz Vassoler e a declaração de inelegibilidade do recorrente, pelo prazo de 8 anos subsequentes à eleição de 2020, na forma do art. 22 , XIV , da Lei Complementar 64 /90. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL DE JAIRO PAULO LEYTER 3. O Tribunal de origem consignou que não há discussão sobre a existência de lei autorizadora e da execução orçamentária em exercícios anteriores ao ano de 2020, referente ao programa social habitacional no Município de Entre Rios do Sul/RS, porquanto “a controvérsia reside no implemento do programa à margem da lei e com ampliação significativa de recursos no ano do pleito, resultando na obtenção de dividendos eleitorais mediante o uso indevido da máquina administrativa”. 4. Não ficou configurada a conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei 9.404 /97, porquanto a ressalva legal admite a implementação de programas sociais, no ano das eleições, desde que o programa social esteja autorizado em lei e em execução orçamentária no exercício anterior, e – consoante o Tribunal Regional Eleitoral gaúcho – não há controvérsias acerca da existência desses requisitos no programa habitacional implementado no Município de Entre Rios do Sul/RS. 5. Na linha do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral: “Nas condutas vedadas previstas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleicoes imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei ( REspe nº 626 –30/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4.2.2016)” (AgR– REspe 1196 –53, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 12.9.2016). 6. Segundo constou do acórdão regional, ficou caracterizado o abuso de poder, diante do substancial incremento nas dotações orçamentárias e dos empenhos realizados pelo fundo habitacional, no último ano do governo do primeiro agravante, em 2020, o qual ostentou o percentual de 315,50% de aumento de despesa do programa habitacional, o que, por si só, foi suficiente para se constatar o uso desproporcional de recursos econômicos em favor da sua candidatura ao cargo de Prefeito do Município de Entre Rios do Sul/RS. 7. O Tribunal a quo registrou o desvirtuamento da política assistencial, a configurar o desvio de finalidade e o abuso de poder político na distribuição gratuita do benefício com intuito em obter vantagem eleitoral, em razão da inobservância de requisitos legais para execução do programa social habitacional, da transgressão à legalidade estrita e à transparência no procedimento administrativo, imprescindíveis no trato da coisa pública, o que permitiram a concessão de privilégios com uso de recursos públicos e o distanciamento da finalidade pública na sua distribuição. 8. O posicionamento da Corte de origem está alinhado à jurisprudência deste Tribunal, segundo a qual: “o abuso do poder político qualifica–se quando a estrutura da administração pública é utilizada em benefício de determinada candidatura” ( RO 2650 –41, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 8.5.2017), e “o abuso de poder econômico configura–se pelo uso desmedido de aportes patrimoniais que, por sua vultosidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando, em consequência, o desfecho do pleito e sua lisura” (RO–El 3185–62, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 15.12.2021). 9. A gravidade do ato considerado ilícito ficou delineada no acórdão regional, o qual consignou que “a distribuição de benefícios assistenciais à margem do procedimento legal no período eleitoral, em valores exponencialmente superiores aos manejados em anos anteriores, a partir de programa social de grande e inequívoca repercussão, em atos praticados no seio da máquina estatal e com participação direta do candidato à reeleição, em um pleito definido por curta margem de 13 votos, configura fato grave que compromete o equilíbrio e a normalidade da escolha popular, a ensejar cassação de diploma e inelegibilidade por abuso do poder político (art. 22 , inc. XIV , da LC n. 64 /90)”. 10. Conforme este Tribunal Superior já decidiu: “o abuso do poder econômico, por sua vez, caracteriza–se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa” (AIJE XXXXX–05, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 11.3.2021). 11. A partir das premissas fáticas delineadas no acórdão regional, resta inviável acolher a argumentação do agravante de não configuração do abuso de poder, sem a realização do reexame fático–probatório dos autos, providência vedada em sede de recurso especial, conforme o verbete sumular 24 do TSE. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL DE VOLMIR FRANCESCON 12. Não procede a alegação de que houve incorreção no trecho na decisão agravada ao entender que não ficou evidenciada a conduta vedada do § 10 do art. 73 da Lei 9.504 /97, porquanto a Corte regional registrou que não há controvérsias acerca da existência de lei autorizadora e da execução orçamentária do programa habitacional nos anos anteriores a 2020, de forma que os requisitos necessários para configuração da ressalva prevista no § 10 do art. 73 da Lei 9.504 /97 encontram–se demonstrados. 13. “Nas condutas vedadas previstas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleicoes imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei ( REspe nº 626 –30/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE 4.2.2016)” (AgR– REspe 1196 –53, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE 12.9.2016). 14. Diante do conjunto fático–probatório descrito pelo Tribunal de origem, a conduta imputada ao investigado – consistente na concessão de benefícios assistenciais em ano eleitoral –, embora não se subsuma à vedação prescrita no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504 /97, tendo em vista a existência de lei autorizadora e já em execução orçamentária em exercícios anteriores, configurou conduta abusiva em razão dos excessos constatados na execução do programa assistencial, com vistas ao pleito de 2020, tal como delineado no aresto recorrido. CONCLUSÃO Agravos regimentais a que se nega provimento.