ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO POPULAR. PRESSUPOSTOS. COMPROVAÇÃO DO ATO LESIVO. PREJUÍZO MATERIAL AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. DESNECESSIDADE. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se, na origem, de Ação Popular movida em 2004 contra a Prefeitura Municipal de Santos, Roca Distribuidora de Produtos Alimentícios Ltda., Paulo Roberto Gomes Mansur (ex-Prefeito e Deputado Federal Beto Mansur) e Emerson Marçal (ex-Secretário de Administração), em decorrência de celebração, sem licitação, de contrato de fornecimento de cestas básicas com a municipalidade. A contratação foi feita por dispensa de licitação por emergência, nos termos do art. 24 , inc. IV , da Lei 8.666 /1993. 2. A sentença julgou a ação procedente para "anular o contrato administrativo 280/2003 decorrente do procedimento 23467/2003-71 e condenar os requeridos a restituir aos cofres do Município de Santos a quantia de R$ 3.235.410,00 (três milhões, duzentos e trinta e cinco mil e quatrocentos e dez reais), com correção monetária, desde a data do desembolso, e juros legais, desde a data da citação". 3. O acórdão que julgou a Apelação no Tribunal de origem segue a mesma linha. Ampara-se na prova documental no trecho no qual afirma que "não se pode olvidar que essa obrigação vigorava desde o ano de 1997, sem que tenha ocorrido qualquer circunstância de caráter emergencial que viesse a justificar a contratação direta" das cestas básicas, reconhecendo a lesividade presumida para o ajuizamento da Ação Popular. Aduz que ocorreu emergência fabricada para justificar a dispensa de licitação quando "a situação foi criada pelos próprios réus que, dolosa ou culposamente, pouco importa, deixaram transcorrer o prazo para se ultimar, de acordo com a lei, a contratação do fornecimento de cestas básicas". Fixa, ao final, que "a condenação à restituição aos cofres públicos deve limitar-se e compreender aos valores efetivamente dispendidos (sic) e que se referem a dois meses de contratação irregular". 4. O Recurso Especial foi provido em parte, mantendo o dever de ressarcimento ao erário no montante correspondente à diferença entre o valor pago e o custo básico das cestas entregues, afastando o dever de ressarcir na integralidade do valor dos contratos com dispensa de licitação. 5. Argumenta a parte embargante que o acórdão embargado da Segunda Turma teria adotado entendimento divergente do acórdão paradigma da Primeira Turma ( REsp XXXXX/MG , Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho) que fixou a tese da necessidade da demonstração do binômio ilegalidade-lesividade para a condenação do autor do ilícito em Ação Popular, o que não teria sido demonstrado no caso concreto. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL (NECESSIDADE-UTILIDADE) 6. No acórdão embargado constatou-se que, para justificar a contratação direta por dispensa de licitação, o poder público apresentou emergências fabricadas ou fictas, deixando, por exemplo, de tomar tempestivamente as providências para a licitação previsível. Assim, atinge-se o termo final de um contrato sem pôr em prática a licitação necessária à nova contratação. 7. O Município de Santos/SP, na gestão dos agentes políticos ora embargantes, realizou seguidas contratações emergenciais para o fornecimento de cestas básicas, sem abertura do regular procedimento licitatório, mesmo existindo condenação judicial em processo anterior relacionado a outro contrato emergencial com mesmo objeto, no qual se declarou a ilegalidade do negócio jurídico celebrado para aquisição das cestas básicas. 8. O acórdão embargado utilizou-se de duplo fundamento para justificar o dever de ressarcimento ao erário. Reconheceu a existência de efetivo dano ou prejuízo financeiro à Administração Pública com a aquisição de cestas básicas pelo Município em valor superior àquele praticado no mercado, tanto que determinou a quantificação do prejuízo na fase de cumprimento da sentença. Concluiu, entretanto, com base em precedentes do STJ e do STF, prescindível comprovar o prejuízo financeiro ao erário na Ação Popular, por entender suficiente a demonstração do ilícito (violação ao princípio licitatório) e de que a Administração deixou de adotar os critérios legais que prezam pela impessoalidade e moralidade na aquisição de bens e serviços pelo poder público, inviabilizando a competição entre os fornecedores e a escolha da proposta mais vantajosa pelo erário. 9. Ou seja, mesmo que em exercício argumentativo defenda-se que deve prevalecer o posicionamento firmado no acórdão paradigma da Primeira Turma, há no acórdão recorrido elementos suficientes para fazer ver o ato lesivo ao patrimônio público, pois o dano ao erário encontra-se evidenciado nos autos em relação aos valores pagos pelo Município a título de cesta básica que sobejam os valores praticados no mercado. 10. Assim, não se verifica no caso concreto que o manejo dos Embargos de Divergência, caso acolhida a tese do acórdão paradigma, enseja alteração do julgamento do Recurso Especial, configurando ausência de interesse recursal, binômio utilidade-necessidade, indispensável para viabilizar a via recursal. TEMA XXXXX/STF. DESNECESSIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DO ATO LESIVO DE CONTEÚDO ECONÔMICO-FINANCEIRO NA AÇÃO POPULAR 11. Na sessão de julgamento do dia 14.3.2018 o Relator, eminente Ministro Benedito Gonçalves, deu provimento aos Embargos de Divergência, argumentando que "a condenação ao pagamento de ressarcimento ao erário, nos termos do art. 11 da Lei da Ação Popular , depende de que se tenha comprovado a efetiva ocorrência e a extensão do prejuízo ao erário". Concluiu que "há de se reabrir a instrução processual, com o fim de que se produza prova acerca de eventual dano patrimonial sofrido pelo erário e, em caso positivo, da extensão de tal dano". 12. Como se sabe, a divergência que enseja a interposição dos Embargos de Divergência deve ser atual, nos termos da Súmula 168 do STJ: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado". 13. Não encontra abrigo na interpretação que vem realizando a Suprema Corte, na matéria, o entendimento firmado no acórdão paradigma, de que o conceito de ato lesivo sufragado pela Constituição Federal no inciso LXXIII do art. 5º ("qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;"), bem como pela Lei da Ação Popular (4.717/1965), apenas estaria compreendido nos casos em que houver lesão ao erário de conteúdo econômico-financeiro. 14. O STF editou o Tema 836 da sua jurisprudência afirmando: "Não é condição para o cabimento da ação popular a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, dado que o art. 5º , inciso LXXIII , da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material, moral, cultural ou histórico do Estado ou de entidade de que ele participe .". Nesse mesmo sentido, os seguintes precedentes do STF: AI XXXXX / SP. Relator Ministro Roberto Barroso. Julgamento: 23/6/2015. Órgão Julgador: Primeira Turma; AI XXXXX / SP. Relator Ministro Ayres Britto. Julgamento: 14/12/2010. Órgão Julgador: Segunda Turma; RE XXXXX/SP . Relator Ministro Ilmar Galvão. Julgamento: 26/3/1999. Órgão Julgador: Primeira Turma. 15. Não se desconhece a existência de precedente do STJ que entende" imprescindível a comprovação do binômio ilegalidade-lesividade, como pressuposto elementar para a procedência da Ação Popular e consequente condenação dos requeridos no ressarcimento ao erário em face dos prejuízos comprovadamente atestados ou nas perdas e danos correspondentes "( REsp XXXXX/MG , Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 9/3/2015). 16. Ocorre que a jurisprudência majoritária do STJ defende que a Ação Popular é cabível quando violados os princípios da Administração Pública (art. 37 da CF/1988 ), como a moralidade administrativa, ainda que inexistente o dano material ao patrimônio público. A lesão tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, visto que a Lei 4.717 /1965 estabelece casos de presunção de lesividade (art. 4º), para os quais basta a prova da prática do ato naquelas circunstâncias para considerá-lo lesivo e nulo de pleno direito. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.504. 797/SE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 1º/6/2016; AgRg no REsp XXXXX/SC , Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/3/2014; REsp XXXXX/MG , Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 19/12/2013; REsp XXXXX/DF , Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 8/10/2012; REsp XXXXX/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 21/8/2012; REsp XXXXX/SC , Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 9/10/2012; AgRg nos EDcl no REsp 1. 096.020/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 4/11/2010; REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 1º/2/2007, p. 437. DANO IN RE IPSA 17. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado segundo o qual a dispensa indevida de licitação configura dano in re ipsa, permitindo a configuração do ato de improbidade que causa prejuízo ao erário. A propósito: AgInt nos EREsp XXXXX/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, DJe 17/12/2018; REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 16/11/2018. CONCLUSÃO 18. Embargos de Divergência conhecidos e não providos.