TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL - 1907607: Ap XXXXX20104036100 Ap - APELAÇÃO CÍVEL -
AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTERPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM RAZÃO DA VEICULAÇÃO DE DECLARAÇÕES OFENSIVAS E PRECONCEITUOSAS AO ATEÍSMO EM PROGRAMA DE TELEVISÃO ("BRASIL URGENTE"), JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. EXTINÇÃO DO FEITO EM RELAÇÃO À EMISSORA DE RÁDIO E TELEVISÃO APÓS CUMPRIMENTO DE ACORDO CELEBRADO COM O PARQUET FEDERAL. ANÁLISE APENAS DO APELO DA UNIÃO FEDERAL E DA REMESSA OFICIAL DADA COMO OCORRIDA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. PRETENSÃO FEITA PELA UNIÃO EM ADERIR AO POLO ATIVO DA AÇÃO ATINGIDA PELA PRECLUSÃO. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. REMESSA OFICIAL PROVIDA PARA CANCELAR A CONDENAÇÃO DA UNIÃO EM "FISCALIZAR" DIRETA E APROFUNDADAMENTO O PROGRAMA JORNALÍSTICO COMANDADO, "AO VIVO", POR JOSÉ LUIZ DATENA (POSSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DE CENSURA). A LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO IMPEDE QUE A UNIÃO TOME PARTIDO CONTRA CRÍTICAS AO ATEÍSMO FEITAS PELO APRESENTADOR DE TELEVISÃO. 1. Ação civil pública interposta pelo Ministério Público Federal objetivando, em síntese, a condenação (I) da Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda a retratar-se pelas declarações ofensivas e preconceituosas ao ateísmo, durante o programa "Brasil Urgente", no dia 27/7/2010; e (II) da União Federal a fiscalizar adequadamente o referido programa televisivo. Em primeiro grau de jurisdição, o feito foi julgado parcialmente procedente. Tanto a Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda como a União Federal interpuseram apelação. 2. Nessa sede recursal, adveio a notícia de que o MPF e a Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda se compuseram. Após informação do juízo a quo de que o acordo celebrado foi devidamente cumprido, o processo foi extinto em relação à Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda, com fulcro no artigo 269 , III , do antigo Código de Processo Civil . 3. Análise do apelo da União Federal, acusada de omissão pelo Ministério Público Federal em relação aos fatos tratados nesses autos. 4. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. A União Federal, por meio do Ministério das Comunicações/Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), possuem competência concorrente para a fiscalização do conteúdo da programação veiculada na televisão. 5. Pretensão da União Federal de aderir ao polo ativo da ação, com fulcro no artigo 6º , § 3º , da Lei nº 4.717 /65 (por analogia), atingida pela preclusão. 6. A União Federal, ao manifestar-se nos autos, nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.437 /92, esclareceu que aguardaria a citação para aquilatar eventual conveniência/interesse em integrar a lide como litisconsorte ativo do MPF. Devidamente citada, a apelante deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação da contestação. Apenas quando as partes foram intimadas a especificar as provas que pretendiam produzir, a União Federal voltou a falar nos autos, requerendo a sua exclusão do feito, por ilegitimidade passiva; o indeferimento da tutela antecipada e a improcedência da ação. 7. Nenhum sentido tem a pretensão ministerial na parte em que foi formulada contra a UNIÃO. Explica-se: o programa televisivo foi acusado de veicular declarações ofensivas e preconceituosas contra o ateísmo; o apresentador José Luiz Datena relacionou crimes bárbaros que foram efetivamente cometidos, com pessoas que não acreditam em Deus. Sucede não tem o menor propósito impor ao Poder Público atuar de modo a coarctar supostas ofensas ao ateísmo, no cenário de um Estado laico (art. 5º, incs. VI e VIII, da Constituição ); não cabe à UNIÃO exercer vigilância sobre um determinado programa de televisão apenas porque o mesmo ataca o ateísmo; a insurgência de quem se sinta ofendido pela postura do apresentador e sua equipe, e do próprio Parquet (como ocorreu na espécie), exercendo legítima persecução, é o suficiente. O programa de radiodifusão não pode ser submetido doravante a um regime especial de vigilância apenas porque defendeu - ainda que "carregando nas tintas" e com um viés lombrosiano fora de moda - que a criminalidade tem conexão com o ateísmo. Em sede de crença ou ausência dela, a Administração Pública não tem lugar a não ser para assegurar a liberdade. 8. Sentença reformada para cancelar a condenação imposta à União Federal, em sede de remessa oficial dada como ocorrida.