ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vila Velha - Comarca da Capital - 3ª Vara Criminal Rua Doutor Annor da Silva, 191, Fórum Desembargador Annibal de Athayde Lima , Boa Vista II, VILA VELHA - ES - CEP: 29107-355 Telefone:(27) 31492754 PROCESSO Nº XXXXX-92.2017.8.08.0035 AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO, LEONARDO VERONEZ RIBEIRO REU: ROSILENE DO NASCIMENTO ALVES SENTENÇA O Ministério Público, através de seu Excelentíssimo Presentante, ofereceu denúncia em face de ROSILENE DO NASCIMENTO ALVES , pela prática do delito previsto no art. 155, caput, do CPB, eis que, em 04 de janeiro de 2017, no Bairro Itapuã, nesta Comarca, teria subtraído para si seis prendedores de sacola e a quantia de R$ 48,00 da residência em que trabalhava como empregada doméstica. BU, fls. 06/09, dos autos digitalizados. Auto de Apreensão, fl. 12; de entrega, fls. 17. Termo e Certidão de Fiança, fl. 21. Denúncia recebida, fls. 63. Às fls. 65/65-v, foi ofertado e aceito pela acusada o benefício da suspensão condicional do processo, ainda pendente de integral cumprimento. O MP, conforme manifestação id XXXXX, requereu a absolvição sumária da Acusada. Brevemente Relatados. Decido. A conduta punida pelo tipo penal do furto, é apoderar-se de coisa alheia móvel, tirando-a de quem a detém, diminuindo-se, assim, o patrimônio da vítima. Ao que se constata, não foi lavrado Auto de Avaliação, sequer em sua modalidade indireta. Tem-se, ainda, que houve integral recuperação da res furtiva, de modo que não houve efetivo prejuízo suportado pela vítima. Sabe-se que a tipicidade penal divide-se em formal e conglobante. A tipicidade formal refere-se à mera subsunção da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal. Isso se encontra nos autos, ou seja, o réu subtraiu coisa alheia móvel. Já a tipicidade congloblante analisa se a conduta do agente é antinormativa e se o fato é materialmente típico. Assim, além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso, para que ocorra essa adequação, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção. É dizer, quando o legislador penal chamou a si a responsabilidade de tutelar determinados bens, como o patrimônio, não quis abarcar toda e qualquer lesão a ele, reservando-se a punir os prejuízos mais relevantes. O princípio da insignificância reside justamente na tipicidade material. Tal princípio tem por finalidade auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela. Apenas devendo ser considerado típico, aquilo que se mostra relevante, fazendo-se realmente necessária a intervenção do Direito Penal. O pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos essenciais ao indivíduo e à comunidade. Não se ignora a importância do patrimônio de cada pessoa, arduamente construído, sendo certo que este merece o resguardo do Direito Penal. Nada obstante, na presente situação há de se pesar se a imposição de pena viria por melhorar a sociedade. Na precisa lição de Roxin , A teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e espia a culpabilidade do autor pelo fato cometido. É justamente porque a pena aplicada deve ser proporcional ao mal causado que não vislumbro, in casu, a possibilidade de aplicação de sanção penal. A imposição de pena seria fato por demais gravoso diante da situação fática. Nesse sentido, RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME DE FURTO QUALIFICADO - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INAPLICABILIDADE RÉU QUE POSSUI CONDENAÇÃO PENAL POR CRIME IDÊNTICO EM AUTOS DIVERSOS REPROVABILIDADE DA CONDUTA RECONHECIDA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A aplicação do princípio da insignificância somente é possível quando restarem configurados quatro requisitos, a saber: a mínima ofensividade da conduta do agente, a reprovabilidade diminuta do comportamento, a inexpressividade da lesão jurídica provocada e a inexistência de periculosidade social. 2. Na situação em análise, mostra-se inviável a aplicação do citado princípio em prol do denunciado, ora recorrido, pois denota-se dos autos que o mesmo possui condenação penal diversa pendente de definitividade, pelo cometimento de furto tentado, situação que demonstra ser contumaz na prática da conduta ilícita. Nesta hipótese, o princípio da bagatela não pode se prestar ao incentivo e impunidade do crime. 3. Recurso conhecido e provido, para receber a denúncia ofertada em face do recorrido, imputando-lhe a conduta tipificada no art. 155 , § 4º , inciso I , do Código Penal , conferindo regular tramitação à ação penal. (TJES, Classe: Recurso em Sentido Estrito, 050180012580, Relator: FERNANDO ZARDINI ANTONIO - Relator Substituto : JULIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA , Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 12/12/2018, Data da Publicação no Diário: 07/01/2019) O bem furtado foi recuperado, de modo que sequer houve efetivo prejuízo à vítima, que, por isso mesmo, nenhum sentimento de impunidade experimentará com o reconhecimento da atipicidade da conduta do agente. A apreensão e a devolução do bem, encontram-se evidenciados, respectivamente, nos autos de apreensão e de entrega. Outro não é o entendimento comungado pelo Superior Tribunal de Justiça: PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. PILHAS ALCALINAS, TESOURA E PENTE. BENS AVALIADOS EM R$ 15,00. VÍTIMA DE POUCAS POSSES. CARACTERÍSTICAS PESSOAIS DO AGENTE. DEFICIENTE FÍSICO. BENS RECUPERADOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Consoante entendimento jurisprudencial, o "princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. (...) Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público". ( HC n.º 84.412-0/SP , STF, Min. Celso de Mello , DJU 19.11.2004) 2. Na hipótese, embora a vítima seja moradora de rua, não sendo pessoa abastada, a res foi recuperada, sem que tenha havido efetivo prejuízo material. Ademais, levando-se em conta as características pessoais do autor do delito, que é deficiente físico, não se vislumbra, na conduta perpetrada, desvalor apto a justificar o prosseguimento da ação penal. Reconhece-se, então, o caráter bagatelar do comportamento imputado, não havendo falar em afetação do bem jurídico patrimônio. 3. Não é empecilho à aplicação do princípio da insignificância a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, a teor de pronunciamentos das duas Turmas integrantes da Terceira Seção. 4. Ordem concedida para, reconhecendo a atipicidade material, cassar o édito condenatório e trancar a ação penal. Processo HC XXXXX / SP HABEAS CORPUS 2009/XXXXX-2 Relator (a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 09/08/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 24/08/2011. APELAÇÃO CRIME. FURTO TENTADO. ABSOLVIÇÃO NO JUÍZO A QUO MANTIDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. Caracterizado no caso concreto. O valor da res furtivae totalizou R$ 195,01 e a vítima não restou com prejuízo, diante da recuperação total dos bens. Agente primária à época do fato. Segundo jurisprudência das Cortes Superiores, para o reconhecimento da causa supralegal de atipicidade, exige-se: a) conduta minimamente ofensiva; b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) lesão jurídica inexpressiva. Requisitos presentes na hipótese em exame. APELAÇÃO DESPROVIDA. ( Apelação Crime Nº 70078184702 , Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak , Julgado em 27/11/2018). Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para ABSOLVER SUMARIAMENTE a ré ROSILENE DO NASCIMENTO ALVES , quanto ao crime previsto no artigo 155 , caput, do CPB, com fulcro no art. 397 , III , do Código de Processo Penal . Sem custas. Certifique quanto ao cumprimento da decisão que destinou a fiança, ao tempo, recolhida, ouvindo-se o MP, acaso ainda pendente. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cientifiquem-se. Após o trânsito em julgado, certificado, façam-se as comunicações de estilo, procedam-se as devidas baixas, e arquivem-se. VILA VELHA-ES, 22 de fevereiro de 2024. Juiz (a) de Direito