APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PERDAS E DANOS. ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DA UNIDADE IMOBILIÁRIA. TERMO FINAL DA MORA. DATA DO EFETIVO RECEBIMENTO DAS UNIDADES. CERTIDÃO DE ¿HABITE-SE¿ QUE NÃO CORRESPONDE À ENTREGA DAS CHAVES. DEVIDA A RESTITUIÇÃO DO VALOR CORRESPONDENTE AO INCC DURANTE O PERÍODO DA MORA. TAXAS CONDOMINIAIS E IPTU. RESPONSABILIDADE DA VENDEDORA ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. LUCROS CESSANTES. DEVIDOS DURANTE O PERÍODO DA MORA. DANO MORAL. VERIFICADO. PERDAS E DANOS. POSSIBILIDADE. ESCRITURA PÚBLICA DEFINITIVA. DIREITO DA COMPRADORA. IMÓVEIS QUITADOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Cuida-se de Recurso de Apelação adversando sentença que julgou parcialmente procedente o pedido autoral nos autos da Ação de Perdas e Danos. 2. ATRASO. Nos termos dos contratos firmados, as unidades deveriam ser entregues até 31/12/2012 (cláusula 12ª), admitido o prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, o que estenderia o prazo para 30/06/2013. Entretanto, a unidade 1603 foi entregue aos 13/05/2014, conforme Termo de Recebimento das Chaves (fl. 48), o que representa uma mora de 11 (onze) meses. Por sua vez, a autora recebeu as chaves da unidade 2504 aos 03/05/2017 (fl. 543), o que implica um atraso de 3 anos e 10 meses. Portanto, resta evidente o atraso injustificado na entrega das duas unidades residenciais. 3. Embora o ¿Habite-se¿ das unidades seja datado do dia 24/01/2014 (fls. 149-150), este se trata de um documento emitido pela prefeitura, após vistoria realizada pela mesma, atestando que o imóvel foi construído de acordo com as exigências estabelecidas pela municipalidade para a aprovação do projeto imobiliário e que pode ser habitado/utilizado. Entretanto, não se confunde com a entrega do imóvel, que se dá com a efetiva entrega das chaves ao adquirente, momento em que o mesmo pode gozar das faculdades inerentes ao proprietário. 4. O termo inicial da mora para ambos os imóveis é o dia 1º/07/2013 (1º dia após o término do prazo de tolerância), enquanto que o termo final da mora para a unidade 1603 é o dia 13/05/2014 e, para a unidade 2504, o dia 03/05/2017, datas em que as chaves das unidades foram efetivamente entregues. 5. ÍNDICE INCC. Segundo pacífico entendimento jurisprudencial, o INCC é o índice de correção aplicado para o saldo devedor incidente até a entrega do imóvel. Entretanto, havendo atraso injustificado na entrega da unidade, este índice deve ser aplicado até a data prevista em contrato para a entrega do imóvel, haja vista que o comprador não concorreu para o atraso. Portanto, devida a restituição à adquirente dos valores pagos a título de INCC durante o período de mora da construtora. 6. TAXAS CONDOMINIAIS E IPTU. É pacífico o entendimento de que estes são de responsabilidade da vendedora até a efetiva entrega definitiva das chaves. Nesse passo, deve-se reformar a sentença no ponto, para, no que tange à unidade 2504, responsabilizar a vendedora até 03/05/2017, data em que ocorreu a entrega das chaves. 7. LUCROS CESSANTES. O entendimento do Colendo STJ é no sentido de que é cabível a indenização do comprador em lucros cessantes decorrentes do atraso na entrega da unidade imobiliária, inclusive dispensando-se a prova destes, uma vez impossibilitada a fruição do bem. Em consonância com o que vem sendo aplicado pelas Cortes Estaduais, inclusive por este Eg. Tribunal em casos análogos, aplica-se 0,5% (zero vírgula cinco por cento) sobre o valor do contrato devidamente atualizado. Na espécie, é o caso de se reformar o decisum tão somente quanto ao período em que devem incidir os lucros cessantes em relação à unidade 2504, que deve corresponder ao período da mora, qual seja, de 1º/07/2013 a 03/05/2017. No que tange à unidade 1603, mantém-se, posto que os lucros cessantes foram corretamente aplicados. 8. DANO MORAL. In casu, denota-se que não se tratou de um mero atraso tolerável na entrega do imóvel, mas, sim, de um ilícito contratual, ensejador de dano moral, pois as chaves do imóvel nº 1603 foram entregues com 11 (onze) meses de atraso, ao passo que o apartamento nº 2504 foi entregue 3 (três) anos e 10 (dez) meses após o prazo de tolerância, o que, indubitavelmente, causou abalo moral à adquirente. Ademais, o dano moral também decorre dos inúmeros defeitos na unidade 2504, tais como infiltrações, vazamentos, rachaduras em teto e paredes, não colocação de tampas de tomadas e portais das portas etc, ensejando diversas vistorias na unidade, sem solução definitiva, o que causou imenso estresse e abalo emocional à compradora por anos. 9. Considerando que, na espécie, se trata de 2 (dois) apartamentos adquiridos pela recorrida entregues com atraso e em atenção às especificidades do caso em comento, bem como aos parâmetros que vêm sendo adotados por este Tribunal, tenho que deve ser mantido o montante, fixado na origem em R$20.000,00 (vinte mil reais), montante que se mostra adequado e suficiente à efetiva reparação do dano sofrido. Nesse contexto, a quantia se mostra capaz de inibir a reiteração da conduta negligente por parte da ré, sem, contudo, promover o enriquecimento sem justa causa da parte autora. 10. PERDAS E DANOS. Apesar de inexistir cláusula contratual escrita prevendo a mudança das vagas de garagem e o aumento do pé direito da unidade 2504, os elementos contidos nos autos denotam que as partes ajustaram verbalmente tais alterações, sendo as mesmas pontos determinantes que fizeram a apelada decidir pela compra da unidade imobiliária. Ao gerar expectativa na adquirente no sentido de que suas pretensões seriam atendidas e, posteriormente, não atender nenhuma dessas expectativas, a vendedora deixou de observar a boa-fé contratual como princípio norteador das relações contratuais. Destarte, tendo em vista a informação de inviabilidade de atendimento aos reclames, mostra-se plenamente cabível a reparação através de perdas e danos, a teor do que preceitua o art. 499 do CPC . 11. ESCRITURA PÚBLICA. Uma vez que a adquirente comprovou a quitação das duas unidades, faz jus à outorga das escrituras definitivas, sem qualquer ressalva quanto à insuficiência do saldo devedor. O direito moderno não compactua com o comportamento contraditório (venire contra factumproprium), na medida em que a ninguém é dado valer-se de determinado ato quando lhe for conveniente e vantajoso e, depois, voltar-se contra ele quando não mais lhe interessar. In casu, a vendedora emitiu os Recibos de Quitação dos dois imóveis, reconhecendo o pagamento da integralidade do preço, não podendo, depois, querer eximir-se de sua obrigação de lavrar a escritura pública definitiva das unidades a pretexto de que os imóveis não se encontram integralmente quitados. 12. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada em parte. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, unanimemente, em conhecer do recurso interposto, dando-lhe parcial provimento, nos termos do voto da relatora.