TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº XXXXX-76.2022.8.16.0000, DA COMARCA DE FRANCISCO BELTRÃO – 2ª VARA CÍVEL AGRAVANTE: PEDRO PAGNONCELLI AGRAVADA: CAMAGRIL – CASCAVEL MÁQUINAS AGRÍCOLAS LTDA. RELATOR: DES. MARCOS S. GALLIANO DAROS 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a r. decisão de saneamento e de organização do processo de mov. 87.1, integrada pela de mov. 95.1, proferida nos autos de ação de cumprimento forçado da obrigação nº XXXXX-44.2021.8.16.0083 , ajuizada por Pedro Pagnoncelli em face de Cascavel Máquinas Agrícolas Ltda., por meio da qual o eminente juiz da causa, dentre outras questões, indeferiu a inversão do ônus probatório, diante da ausência de vulnerabilidade da parte autora. Inconformado, Pedro Pagnoncelli aduz, em síntese, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor , ao argumento de existência de relação de consumo quando o agricultor adquire bem móvel (colheitadeira agrícola) para a implementação da atividade agrícola. Ressalta o princípio da vulnerabilidade do consumidor, positivado no artigo 4º , inciso I , do Código de Defesa do Consumidor , bem como a afronta aos princípios da igualdade e da isonomia no caso de não aplicação das normas consumeristas. Pugna pela concessão da gratuidade da justiça e pelo provimento do recurso, com a 1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso e a consequente inversão do ônus da prova. Intimado o agravante para sanar as irregularidades verificadas (ausência de documentos hábeis a comprovar a sua situação de insuficiência financeira) - (mov.11.1-TJ), ele se manifestou em mov. 14.1-TJ e juntou documentos em movs. 14.2-TJ/14.4-TJ. 2. Considerando o pedido de gratuidade formulado pelo agravante, bem como os documentos complementares por ele trazidos, em que se verifica a sua impossibilidade de arcar com as custas processuais, oportuno e pertinente deferir-lhe o pleito do benefício apenas para fins de processamento do presente agravo. Fica o recorrente, pois, dispensado do pagamento das custas a que se refere o parágrafo 1º , do artigo 1.017 , do Código de Processo Civil , para interposição do presente recurso. 3. Ve-se dos autos que Pedro Pagnoncelli ajuizou ação de obrigação de fazer em face de Cascavel Máquinas Agrícolas Ltda., consistente na concretização do negócio jurídico (venda de máquina agrícola -colheitadeira) nos moldes inicialmente estabelecido (mesmo preço). Quando do saneamento e organização do processo, embora em um primeiro momento o juiz da causa tenha aplicado o Código de Defesa do Consumidor para fixar o ônus da prova, em que havia entendido ser o autor parte hipossuficiente da relação (decisão de mov. 87.1), com a interposição de embargos de declaração pela parte ré (mov. 93.1), reconsiderou sua decisão ao acolher os aclaratórios, o fazendo da seguinte forma: 2 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ Da análise dos autos, verifico que a decisão guerreada, efetivamente, contém o vício apontado pela parte requerida. Isto porque, conforme entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça, bem como do E. Tribunal de Justiça do Estado, “tratando-se de relação jurídica decorrente de contrato firmado para incrementar sua atividade produtiva, a incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor depende da demonstração in concreto da vulnerabilidade da parte aderente ao contrato”. (TJPR- 15ª C.Cível - XXXXX-83.2021.8.16.0000 - Palmital - Rel.: DESEMBARGADOR JUCIMAR NOVOCHADLO - J. 14.12.2021). Portanto, quando não comprovada a vulnerabilidade da parte aderente, o produtor rural que adquire insumos agrícolas para incrementar sua atividade produtiva não poderá ser considerado destinatário final, logo não é tido como consumidor na relação negocial. (TJPR - 15ª C.Cível - XXXXX-02.2019.8.16.0000 - Tibagi - Rel.: DESEMBARGADOR SHIROSHI YENDO - J. 31.07.2019). No caso dos autos, considerando os documentos apresentados junto com a exordial, bem como, o valor do negócio jurídico entabulado entre as partes, o autor não pode ser considerado vulnerável. Em razão disso, não fará jus a aplicação da inversão do ônus probatório. Ante o exposto, conheço dos embargos de declaração, eis que preenchidos os requisitos legais, e, no mérito, acolho-os, para o fim de indeferir a inversão do ônus probatório (mov. 95.1). Das razões recursais, observa-se que o pedido de inversão do ônus da prova está baseado totalmente na aplicabilidade do Código de Defesa 3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ do Consumidor ao caso. Vale dizer, portanto, que a discussão posta neste recurso reside na aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica discutida nos autos. A propósito, cumpre registrar que a nova legislação processual restringiu as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento e instituiu rol específico de decisões interlocutórias que são passíveis de impugnação por meio deste recurso. Sobre tal cabimento, o diploma legal ora mencionado, assim determina: Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. 4 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a taxatividade das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, em voto condutor da eminente Ministra relatora Nancy Andrighi, definiu que “o rol do artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação” (Tema 988). Note-se, a propósito, a ementa do acórdão proferido no recurso especial representativo da controvérsia nº 1.696.396/MT: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015 . IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou 5 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação”. 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do 6 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC /73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC , de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC /2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, pois somente haverá preclusão quando o recurso eventualmente interposto pela parte venha a ser admitido pelo Tribunal, modulam-se os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica apenas seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que se refere à competência, reconhecendo-se, todavia, o acerto do acórdão recorrido em não examinar à questão do valor atribuído à causa que não se reveste, no particular, de urgência que justifique o seu reexame imediato. 9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido ( REsp XXXXX/MT , Relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018). 7 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ No caso dos autos, contudo, não se verifica a urgência e/ou inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação, a permitir a sua recorribilidade imediata por meio deste recurso de agravo de instrumento. Por isso, cabe à parte interessada, querendo, argui-la em eventual interposição de recurso de apelação ou de contrarrazões, conforme artigo 1.009 , § 1º , do Código de Processo Civil de 2015 . Considerando, pois, que a pretensão do agravante é a reforma da decisão de saneamento e organização do processo que, dentre outras questões, considerou inaplicável o Código de Defesa do Consumidor e indeferiu a inversão do ônus da prova, e que tal hipótese, além de não estar prevista no rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil , não justifica a mitigação admitida pelo Superior Tribunal de Justiça, o não conhecimento deste recurso é medida que se impõe. Note-se, a propósito, o pronunciamento desta Corte: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - VÍCIO DE CONSTRUÇÃO - ILEGITIMIDADE PASSIVA - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - INAPLICABILIDADE DO CDC - IMPOSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO PELA VIA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA NO ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 DO NCPC - RECURSO NÃO CONHECIDO NESTES ASPECTOS - VÍCIOS PROGRESSIVOS - PRESCRISÇÃO AFASTADA. DECISÃO MANTIDA.RECURSO DESPROVIDO (TJPR, agravo de instrumento XXXXX-0 , 8ª Câmara Cível, relator Alexandre Barbosa Fabiani, DJ 24/11/2017 - grifos acrescidos). 8 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MONITÓRIA. DECISÃO QUE INDEFERIU A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR , BEM COMO A INVERSÃO ÔNUS DA PROVA E DETERMINOU O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INSURGÊNCIAS POR MEIO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESES DE CABIMENTO. ROL TAXATIVO DO ART. 1015 DO CPC/2015 . RECURSO NÃO CONHECIDO (TJPR, agravo de instrumento XXXXX-1 , 16ª Câmara Cível, relator Paulo Cezar Bellio, DJ 21/10/2016). DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REVISÃO DE CONTRATO. DECISÃO QUE DETERMINOU APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DECLAROU A DESNECESSIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ALEGAÇÃO DE INAPLICABILIDADE DAS NORMAS CONSUMERISTAS. NÃO CABIMENTO DO RECURSO. DECISÃO QUE NÃO SE ENQUADRA NO ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 , DO CPC/15 . TESE DE IMPOSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DECISÃO PROFERIDA EM CONSONÂNCIA COM A PRETENSÃO O RECORRENTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 932 , III , DO CPC/15 .MANIFESTA INADMISSIBILIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO (TJPR, agravo de instrumento XXXXX-5 , 16ª Câmara Cível, relatora Vania Maria da S. Kramer, DJ 07/07/2016 – grifos acrescidos). 9 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 4. Diante do exposto, com fundamento no artigo 932 , inciso III , do Código de Processo Civil , impõe-se não conhecer deste recurso, o que ora faço unipessoalmente. Intime-se e dê-se ciência o eminente juiz da causa. Curitiba, 12 de maio de 2022. (Assinatura Digital) Des. Marcos S. Galliano Daros Relator 10