PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Processo nº: XXXXX-61.2022.8.05.0001 Classe: RECURSO INOMINADO Recorrente: WALDEMIR SILVA FRANCA Recorrido: BANCO DO BRASIL S A Origem: 8ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO CONSUMIDOR – SALVADOR Relatora: JUÍZA MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE E M E N T A RECURSO INOMINADO. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI e XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC ). DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. TAXA DE JUROS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATO DE ADESÃO. EXISTÊNCIA DE DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL. TAXA DE JUROS CONTRATUAL ACIMA DA MÉDIA DE MERCADO CALCULADA PELO BACEN. REVISÃO DO CONTRATO PARA APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA ARBITRADA PELO BACEN. ENTENDIMENTO DA SÚMULA 530 DO STJ. RESTITUIÇÃO SIMPLES DO VALOR PAGO A MAIOR EM DECORRÊNCIA DA REVISÃO DOS JUROS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. DECISÃO MONOCRÁTICA Vistos, etc. Trata-se de recurso inominado interposto em face da sentença prolatada no processo epigrafado que julgou improcedentes os pedidos constantes na exordial. Presentes as condições de admissibilidade dos recursos, deles conheço. O artigo 15 do novo Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XII, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil . O autor pretende a revisão do contrato de empréstimo firmado com a ré, com a aplicação da taxa média de mercado divulgada pelo BACEN com restituição em dobro. Para tanto, afirma que a taxa pactuada foi de 2,54% a.m. e 35,07% a.a, enquanto a divulgada pelo BACEN era de 2,03% e 27,29%. Analisados os autos, verifico que se trata de empréstimo consignado para o setor público e, diversamente do quanto afirmado pela parte autora, a taxa do contrato foi de 2,13% a.m. e 28,77% a.a, sendo que a taxa apontada na inicial corresponde, em verdade, ao custo efetivo. Estabelecidas estas premissas, observa-se que tal matéria já se encontra sedimentada no âmbito das Turmas Recursais, conforme precedentes nºs XXXXX-86.2020.8.05.0001 , XXXXX-05.2020.8.05.0001 e XXXXX-62.2021.8.05.0001 , dentre outros, no sentido de ser cabível a revisão do contrato quando a taxa cobrada pelo banco é superior à média de mercado no dia em que foi celebrado o contrato. Com efeito, já é assentado em sede jurisprudencial que a taxa média de mercado arbitrada pelo BACEN deve ser utilizada como parâmetro de aferição da abusividade. No caso em tela, a taxa de juros média que fora arbitrada no contrato impugnado nos autos não guarda correspondência com aquela arbitrada pelo Banco Central para o período contratado e espécie contratual. Nesse sentido dispõe a súmula 530 do STJ, “nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.” O art. 6º , inciso I, da Lei 8.072 /90 – Código de Defesa do Consumidor , prescreve que, dentre outros, é direito básico do consumidor, “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. De igual forma o art. 39, inciso V, do mesmo diploma, diz que se traduz em prática abusiva “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”. Enfim, a intervenção estatal, pela via judicial é essencial para restabelecer o equilíbrio da base contratual até porque é princípio constitucional ( CF . art. 5º , XXXV ) que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou a ameaça a direito”, incidindo tal intervenção para que o contrato possa alcançar um fim social, vedada, pois a predominância de uma parte sobre a outra, afastando-se de vez o contrato como instrumento de tortura financeira para o hipossuficiente. Nesse contexto, o CDC , cuidando da proteção contratual, especialmente no art. 51 , onde trata das cláusulas abusivas, menciona o princípio da boa-fé e esboça, em caráter imperativo, que nas relações contratuais faz-se necessário a "equidade", "equilíbrio contratual", "justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes", noções que nos levam a entender como abusivas as estipulações de taxas de juros desproporcionais, com desequilíbrio tamanho entre a remuneração dos depósitos e o valor cobrado pelos financiamentos. Conforme consta dos elementos trazidos aos autos, notadamente do contrato juntado pelas partes, em que resumidos os principais dados, a taxa de juros fixada para a operação, de 2,13% a.m. e 28,77% a.a., é superior à média de mercado estabelecida pelo BACEN à época da contratação para a modalidade de empréstimo contratada (empréstimo consignado setor público), que era de 2,04% a.m e 27,42% a.a (https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries). Outrossim, cabe também salientar que taxa de juros remuneratório e taxa custo efetivo total – CET (esta sim de 2,54% e 35,07%) são institutos distintos, e considerando que no CET constitui o custo total da soma das tarifas bancárias, serviços e impostos que recaem sobre o contrato, além dos juros remuneratórios, com efeito, inexiste abusividade na cobrança e nem limitação às taxas do BACEN, e neste sentido é a jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CUSTO EFETIVO TOTAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. 1. A taxa de juros remuneratórios não se confunde com o percentual obtido no cálculo do Custo Efetivo Total do negócio. 2. No Custo Efetivo Total, incluem-se as tarifas administrativas bancárias, serviços, impostos e, portanto, seu percentual é maior que a taxa mensal de juros prevista na avença. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. (TJ-GO - Apelação ( CPC ): XXXXX20178090051 , Relator: NELMA BRANCO FERREIRA PERILO, Data de Julgamento: 20/03/2019, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 20/03/2019) APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRA. CUSTO EFETIVO TOTAL. A indicação do Custo Efetivo Total (CET) no contrato tem natureza meramente informativa, apontando a soma do custo da operação com base nos dados oferecidos à contratação, não havendo falar em sua revisão. Havendo ilegalidade ou abusividade, cabe à parte buscar a revisão de cada uma das rubricas que o compõe. Precedentes. DA SUCUMBÊNCIA. Confirmada. Majorados os honorários advocatícios, diante do trabalho adicional à demandada em grau recursal, nos termos do art. 85 , § 11 , do Código de Processo Civil . APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJ-RS - AC: XXXXX20178210068 RS , Relator: André Luiz Planella Villarinho, Data de Julgamento: 24/02/2022, Décima Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 24/02/2022) Desse modo, e constatado que a sentença não observou o entendimento já consolidado desta Turma Recursal, a mesma deve ser reformada. ISTO POSTO, na forma do art. 15, inciso XII, do Regimento Interno das Turmas Recursais e do art. 932 do Código de Processo Civil , DOU PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA para revisionar o contrato entabulado entre as partes e determinar que seja aplicada ao contrato a taxa de juros de acordo com a média de mercado apurada pelo Banco Central, para a mesma época e modalidade contratadas, in casu 2,04% a.m. e 27,42% a.a., e, se resultar saldo favorável ao consumidor, que sua devolução se dê na forma simples. Sem custas processuais e honorários advocatícios, pelo êxito da parte no recurso. BELA. MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE Juíza Relatora