DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. DELITO DE TRÁFICO. ART 33 DA LEI Nº 11.343 /06. PEDIDO DE CONCESSÃO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. DOSIMETRIA DA PENA. RÉU FIGURANTE EM AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE. ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PENA REDUZIDA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA ALTERADO PARA O ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. REVISÃO CRIMINAL CONHECIDA E JULGADA PROCEDENTE. 1. Cuida-se de revisão criminal proposta por Antônio Sérgio Sousa de Araújo, condenado pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Sobral/CE, à pena de 5 (cinco) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, além de 500 (quinhentos) dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 33 , caput, da Lei nº 11.343 /06. 2. A reavaliação da dosimetria da pena em sede de revisão criminal, é prática permitida, mas excepcional, justificável quando existem circunstâncias que determinem ou autorizem a diminuição da pena, como se observa no vertente caso. É assente que o instituto do tráfico privilegiado se constitui em causa de diminuição da pena nos casos em que o sentenciado preenche os requisitos do art. 33 da Lei 11.343 /2006. 3. Na situação concreta dos autos, tem-se que o apelante se qualifica como primário, portador de bons antecedentes e não integrante de organização criminosa. Todavia, o juízo de piso consigna que ele (réu, ora revisionante) se dedica a atividades criminosas, sob o fundamento de que há informes policiais nesse sentido e ações penais em curso. Orientava-se o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o réu se dedica a atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33 , § 4º , da Lei 11.343 /06." (EREsp 1.431.091, Inf. 596). É importante que se registre que ainda grassam decisões nos tribunais pátrios, negativas da benesse pretendida, com base nesse superado posicionamento do STJ e, ainda com esteio em certos repositórios doutrinários que ainda não se curvaram à nova orientação pretoriana. 4. Após detida reflexão acerca da matéria, peço vênia para adotar posicionamento diametralmente contrário e me perfilhar pela concessão da supracitada causa de diminuição nesses casos. Ressalto, de logo, que o pano de fundo para impedir o agravamento da pena-base com lastro em inquéritos policiais e ações penais em curso é o princípio da não culpabilidade, que tem enunciado consagrado na Súmula 444 do STJ, segunda a qual "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". É por força desse princípio constitucional que não se admite o recrudescimento da pena-base do acusado. 5. Logo, se a pena-base não pode ser agravada, porque aquela situação procedimental ou processual (inquéritos em aberto ou ações penais em curso) é dotada de incerteza quanto à culpabilidade do acusado e, portanto, nenhuma repercussão na reprimenda basilar pode gerar, igual raciocínio, por dever de coerência e justiça, deve ser observado para não impedir a concessão de qualquer beneplácito incidente sobre a pena. A afronta ao princípio da não culpabilidade é visível, manifesta e insuperável. Imagine-se o prejuízo causado àquele réu que é condenado por tráfico, com a negativa do privilégio, quando, futuramente, se vê contemplado por pedido de arquivamento do inquérito ou absolvição no processo que servira, tempos atrás, para lhe impedir a concessão do benefício. 6. Partindo agora ao exame da segunda ratio decidendi (tratamento desigual a réu sem registro criminal e outro com registros criminais princípio da individualização da pena), é incompreensível que na primeira fase da dosimetria se admita que os inquéritos policiais e as ações penais em curso não possam repercutir na pena-base, mas na terceira fase (momento de conceder ou negar o privilégio) possam. E não se trata de prestigiar o princípio da individualização da pena apenas para não agravar a pena, mas também para negar um benefício ao réu. É inconteste que, quando se nega o privilégio ao acusado, a pena que lhe é imposta é mais gravosa, uma vez que estará de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) acima daquilo que poderia ser, acaso lhe fosse admitido a benesse legal em tela. É justamente atento a tal realidade que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou reiteradas vezes no sentido de que inquéritos policiais instaurados ou processos penais em curso, não podem nem devem ser considerados em desfavor do réu no cálculo da pena, seja em que fase for, sob pena de violação do princípio da não culpabilidade. Nessa esteira, o Superior Tribunal de Justiça, antes recalcitrante à tese do Pretório Excelso, modifica seu entendimento e se alinha por completo ao posicionamento que se pulveriza na Corte Suprema. 7. Destarte, como se percebe, não existe coerência entre não se permitir a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para fins de exacerbação da pena-base e, dentro do mesmo método (dosimetria da pena), tolerar que sejam utilizados para fins de impedir a concessão de uma causa de redução da pena. 8. Sobre o quantum de redução aplicável, em regra devem ser considerados os vetores "quantidade da droga" e "natureza da droga". Contudo, nos termos do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não deve ser considerada reprovável a natureza do entorpecente, quando dissociada de quantidade relevante. No caso em tablado, a quantidade de droga apreendida (48,5g de maconha e 15g de cocaína), não se mostra exacerbada ao ponto de justificar a modulação da fração abaixo do máximo previsto em lei, impondo-se, assim, o quantum redutor do art. 33 , § 4º da Lei de Drogas , na fração de 2/3 (dois terços), cujo resultado nominal da pena será processado mais adiante na análise da pena. 9. Em reavaliação ao processo de dosimetria da pena, confirmo a reprimenda imposta nas 1a e 2a fases, repousando a pena intermediária em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, e na 3a fase, aplico a redução acima estabelecida (2/3), perfazendo-se, assim, a pena concreta e definitiva de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa. 10. No vertente caso, a pena aplicada não supera o quantum de 4 (quatro) anos de reclusão, bem como todas as circunstâncias judiciais são neutras ou favoráveis ao acusado, mantenho o regime aberto para início de cumprimento de pena, nos termos do art. 33 , § 2º , alínea c, do Código Penal . 11. Converto, por fim, a pena privativa de liberdade ora aplicada ao apelante em restritivas de direitos, considerando a presença dos requisitos legais, na forma do art. 44 do Código Penal , sendo duas penas restritivas de direitos, quais sejam: prestação de serviços em favor de entidade pública a ser definida pelo juiz de Execuções Penais competente, e interdição temporária de direitos, no caso, impedimento para frequentar bares, restaurantes, casas de jogos, casas de diversão e similares (arts. 43 , incs. IV e V , 44 , § 2º , 46 , § 2º , 47 , inc. IV , todos do Código Penal ). 12. Revisão criminal conhecida e julgada procedente. ACÓRDÃO Acordam os integrantes da Seção Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por maioria, em conhecer e julgar procedente a revisão criminal, nos termos do voto desta relatora. Fortaleza/CE, 27 de junho de 2022. Marlúcia de Araújo Bezerra Relatora Marlúcia de Araújo Bezerra Relatora