Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 PROCESSO Nº XXXXX-12.2021.8.05.0001 RECORRENTE: GIRLAINO FRANCO ALVES RECORRIDO: PORTO SEGURO SAÚDE ORIGEM: 3ª VSJE DO CONSUMIDOR (MATUTINO) RELATORA: JUÍZA MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE E M E N T A RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. TRATAMENTO DE BRUXISMO COM TOXINA BOTULÍNICA. NEGATIVA DE COBERTURA, SOB ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE COBERTURA CONTRATUAL. INCIDÊNCIA DAS REGRAS PROTETIVAS PREVISTAS NO CDC . TRATAMENTO A SER COBERTO PELO PLANO DE ACORDO COM A PRESCRIÇÃO MÉDICA. O PLANO NÃO PODE ESCOLHER A CONDUTA OU O TIPO DE PROCEDIMENTO A SER ADOTADO PARA O PACIENTE. EXPRESSA INDICAÇÃO MÉDICA. OFENSA ÀS REGRAS INSERTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NORMAS QUE REGULAM A ESPÉCIE. HAVENDO EXPRESSA INDICAÇÃO MÉDICA, A NÃO AUTORIZAÇÃO DO PLANO PARA O TRATAMENTO CONSTITUI CONDUTA LESIVA AO DIREITO DO CONSUMIDOR. NEGATIVA DE COBERTURA ABUSIVA. EXCEPCIONALIDADE DA SITUAÇÃO. ÚNICA TERAPÊUTICA. OBSERVÂNCIA DA TESE FIRMADA PELO ENTENDIMENTO DO STJ E DA LEI 14.454 /2022, QUE ALTEROU A LEI 9.656 /98, PARA AFASTAR A TAXATIVIDADE DO ROL DE PROCEDIMENTOS OBRIGATÓRIOS. A SEGURADORA QUE DEVE CUSTEAR O TRATAMENTO, CONSOANTE SOLICITAÇÃO MÉDICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM A SER ARBITRADO EM ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. Trata-se de recurso inominado interposto em face da sentença de improcedência prolatada no processo epigrafado. Em sede recursal (ev. 69), a parte autora sustenta que não há que se falar em rol taxativo dos procedimentos com cobertura obrigatória pela ANS. Aduz que faz jus ao procedimento pleiteado. Ao final, busca a reforma da sentença para procedência dos pedidos da exordial. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço. VOTO Na origem, alega a parte autora ser usuária dos serviços do plano de saúde acionado. Aduz que foi diagnosticada com bruxismo, condição crônica que vem causando-lhe fratura de unidades dentárias, perda de massa óssea e cefaléia ao longo dos anos. Afirma que, entre setembro de 2019 e dezembro de 2020, realizou procedimento de infiltração de toxina botulínica. Declara que o tratamento foi suspenso em razão da negativa de continuidade pelo plano acionado, o que motivou o retorno ao quadro álgico em musculatura local de cefaleia. Informa que possui indicação médica de manutenção da terapêutica anteriormente realizada, por tempo indeterminado, tendo o plano réu negado a cobertura do procedimento, sob a justificativa de que não consta no rol da ANS. Requer que o plano acionado autorize a realização integral do tratamento por tempo indeterminado, bem como o arbitramento de indenização a título de danos morais. Em contestação (ev. 22), a acionada argui preliminares. No mérito, alega que o autor é portador de bruxismo, doença que não está incluída no rol de cobertura obrigatória para o tratamento com toxina botulínica. Aduz que o autor não preenche os requisitos para a cobertura em questão, razão pela qual a acionada não está obrigada a custear as aplicações pleiteadas pelo requerente. Sustenta que as aplicações com toxina botulínica para o caso do autor não possuem cobertura contratual, visto que não fazem parte do rol de procedimentos da ANS. Rechaça o pleito indenizatório. Conforme se verifica dos fatos narrados na exordial e dos documentos trazidos aos autos, verifica-se que o Autor, em sua condição de consumidor, teve o tratamento de saúde negado. De início, destaco que a relação contratual firmada entre as partes submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor ( CDC ), entendimento inclusive consolidado pelo disposto no Enunciado nº 469 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, prestigiando-se a interpretação das cláusulas de forma mais favorável ao consumidor neste momento e em sintonia com o postulado da dignidade da pessoa humana. Desse fato, extrai-se que há maior flexibilização do princípio pacta sunt servanda, o que autoriza a anulação de cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada em relação ao fornecedor, por essa razão, consideradas abusivas ( Código de Defesa do Consumidor , arts. 6º , V , e 51 , IV ). No caso, verifica-se que a sentença do juízo de primeiro grau decidiu equivocadamente pela improcedência, uma vez que tal negativa de cobertura viola direitos consagrados pela Lei Maior , como à vida, à saúde e à sadia qualidade de vida do consumidor. Devem, portanto, os particulares que prestam serviços de saúde, atuar no mercado pautado por padrões éticos, tendo em vista a relevância dos bens jurídicos objeto da sua prestação. Não se tem dúvida que, quando se formula contrato de assistência privada à saúde, as partes entabularam um contrato no qual vêm previstas as situações que compreendem as coberturas do plano de assistência à saúde, no que, aliás, deve atender ao que dispõe a Lei geral sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, que é a Lei nº 9.656 /98 a qual, por sua vez, atende aos princípios e garantias constitucionais relativos à saúde e à sua assistência. Com efeito, a Lei nº 9.656 /98, que regulamenta os planos de saúde, dispõe de forma clara que se submetem a ela todas as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, e por sua vez tal assistência compreende, segundo aponta o mesmo diploma legal em seu art. 35-F , todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes. É claro que as partes hão de cumprir o contrato, sem dúvida, mas hão de se subordinar, primeiro, à vontade da lei, que é a expressão da vontade social, e cumprir, antes, o que nela vier determinado. E, em matéria de relações de consumo, a lei impõe princípios fundamentais a serem obrigatoriamente observados, de modo que, se o teor do contrato carregar algo em dissonância da vontade legal, prevalece o que a lei determina, e não a vontade contratual. Como se sabe, em um contrato de seguro ou plano de saúde, a proposta do fornecedor é, sem dúvida, a garantia de cobertura para os eventos adversos à saúde e é sobre tal oferta a que ele se vincula por força da lei, ao apresentá-la ao consumidor, e é isso que o consumidor entende, pois tal garantia de cobertura é o que ele, consumidor, tem em mira ao contratar, daí porque o que fugir disso passa a ser contrafação do objetivo e resvala para a abusividade, por contrariar aquela vinculação estabelecida em lei, por violar o paradigma de respeito, de cuidado, de equilíbrio, que integra a boa fé objetiva a qual, obrigatoriamente, deve presidir as relações de consumo. A violação desse paradigma é que vai causar um desequilíbrio, decorrendo em prejuízo concreto aos consumidores. Como dito, quem firma o contrato de assistência médica visa obter atendimento integral em caso de doença, já que o atendimento parcial da prescrição médica evidentemente não tem os efeitos curativos que se espera de um tratamento. Diga-se, ademais, que o paciente não escolhe a doença nem tampouco o tratamento a que se submeterá, se sujeita os desígnios alheios à sua vontade. Nesse contexto, mostra-se abusiva a recusa da ré em cobrir os custos do tratamento de bruxismo do autor com toxina botulínica, sob a alegação de que a referida doença não consta no rol de procedimentos da ANS e, assim, não tem cobertura contratual. Destaca-se que, conforme relatórios médicos acostados pelo autor, o paciente já estava em tratamento, com aplicação da toxina botulínica, o que demonstra que o plano acionado já havia autorizado o referido procedimento, sem qualquer óbice anterior. Ademais, verifica-se que a suspensão do tratamento ocasionou o retorno ao quadro de dor anteriormente vivenciado pelo autor, constatando-se, portanto, a necessidade do referido tratamento à saúde e qualidade de vida do requerente. Enfim, tratando-se de procedimento terapêutico, não estético, mediante solicitação médica, constitui prática abusiva a negativa de cobertura do tratamento pelo plano. Neste sentido é a jurisprudência: DIREITO CIVIL, PROCESSO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. TOXINA BOTULÍNICA PARA TRATAMENTO DE CEFALÉIA CRÔNICA. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. O recorrente, ao pleitear a reforma do provimento judicial, tem o dever processual de impugnar as razões sobre as quais a sentença foi alicerçada, sendo que o descumprimento desse ônus macula a peça recursal, impedindo o conhecimento das razões nela inscritas. Atenção ao princípio da dialeticidade recursal, corolário do princípio do contraditório. Precedentes doutrinário e jurisprudencial. 2. Havendo previsão médica e recomendação na bula do medicamento, o tratamento à base de Toxina Botulínica para a cura da cefaléia crônica se posta obrigatório para o plano de saúde, afastada a alegação de que se trata de tratamento experimental. 3. As empresas que oferecem planos privados de assistência à saúde podem até estabelecer quais patologias são cobertas pelo seguro, não lhes cabendo, contudo, eleger o tipo de tratamento que lhes pareça mais adequado, pois o consumidor não pode deixar de receber a terapêutica mais moderna e ter sua integridade física ou até mesmo a vida em risco, em razão de a seguradora ignorar os avanços da medicina ou por não atender à conveniência dos seus interesses. 4. Não se pode admitir que a seguradora circunscreva as possibilidades de tratamento aos procedimentos listados no rol de serviços médico-hospitalares editado pela ANS, até porque a enumeração feita pelo referido órgão é de natureza exemplificativa, não esgotando todos os tipos de tratamentos cobertos pelas companhias de seguro. 5. A recusa indevida à cobertura pleiteada pelo segurado configura dano moral, porquanto a aflição psicológica provocada pelo fato abala direitos da personalidade do paciente. Precedentes do Colendo STJ. 6. Ao arbitrar o valor da indenização por danos morais, além de observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o magistrado deve ponderar o grau de ofensa produzido, a posição econômico-social das partes envolvidas, a prolongação da ilicitude, proporcionando a justa recomposição à vítima pelo abalo experimentado e, de outra parte, advertir o ofensor sobre sua conduta lesiva, mediante coerção financeira suficiente a dissuadi-lo da prática reiterada do ilícito. 7. Apelação parcialmente conhecida e, na parte conhecida, negou-se provimento ao recurso.( Apelação XXXXXAPC - ( XXXXX-32.2013.8.07.0001 - TJDFT. Rel. LEILA ARLANCH, 2ª Turma Cível, Publicado no DJE : 19/10/2015) Apelação. Plano de saúde coletivo empresarial. Obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por danos morais. Recusa de autorização de tratamento de enxaqueca mediante aplicação de medicação de toxina botulínica (Botox). Alegação da ré de exclusão de cobertura. Sentença de procedência parcial, restrito ao pedido cominatório. Apelo pela corré Unimed Campinas. Não provimento. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos (artigo 252, RITJSP). 1. Reserva-se à conduta médica a adoção da terapia mais adequada ao tratamento da paciente, irrelevante o fato de o procedimento não constar de rol obrigatório da ANS ou da Tabela respectiva do plano, reconhecidos parâmetros mínimos de cobertura. Diretrizes de utilização, constantes do rol obrigatório de procedimentos editado pela ANS, não podem servir como impeditivo à solução terapêutica indicada ao médico e não são necessariamente excludentes de outros procedimentos possíveis e modernos. Cláusula excludente é ilegal e abusiva. Preservação do objeto final máximo do contrato, de resguardo à incolumidade física, à saúde e à vida da paciente. Aplicação do Enunciado das Súmulas 96 e 102 deste E. TJ-SP. 2. Recurso da corré Unimed Campinas desprovido. (TJ-SP - AC: XXXXX20188260100 SP XXXXX-82.2018.8.26.0100 , Relator: Piva Rodrigues, Data de Julgamento: 13/03/2019, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/03/2019) Registre-se, ademais, que, na hipótese em tela, não há ofensa ao novo entendimento do STJ quanto à taxatividade do rol da ANS, porquanto, em recente julgamento da Segunda Seção do Superior de Justiça, compreendeu ser taxativa, em regra, o rol de procedimentos estabelecido pela ANS, não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrir tratamentos não previstos nesta lista. Entretanto, o próprio Colegiado fixou parâmetros para os casos excepcionais, como entendo se tratar o caso em julgamento, o plano de saúde arcar com o custo e autorizar o tratamento, quando o tratamento ou procedimento reclamado pelo beneficiário do plano se referir a terapia ou conduta prescrita pelo médico assistente e sem substituto terapêutico no rol da ANS e que tais condutas tenham aprovação pelos Órgãos técnicos, os quais, inclusive são através dessas análises que o rol é ampliado, ampliação, todavia que muitas vezes não observa imediatidade das alterações em razão do avanço cotidiano da ciência. Conforme se verifica dos autos dos EREsp XXXXX/SP e EREsp XXXXX/SP, o julgamento se deu por maioria e foram firmadas as seguintes teses: 1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo; 2. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol; 3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol; 4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS. (grifos nossos) Outrossim, destaca-se que, atualmente, o entendimento acerca do "rol taxativo" de procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde encontra-se superado, tendo em vista a publicação da recente Lei n. 14.454 /2022, a qual promoveu alterações na Lei n. 9.656 /98, afastando-se a referida taxatividade, nos seguintes termos: Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (...) § 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde. (grifos nossos) Assim, uma vez comprovada a necessidade do tratamento para o restabelecimento da saúde do autor, a determinação da obrigação de fazer é a medida que se impõe. Aliás, sobre a matéria, este também é o entendimento sedimentado da jurisprudência em casos semelhantes, senão veja-se: APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. MIGRÂNEA CRÔNICA - CID 10 G43.0 E G44.4. TRATAMENTO COM TOXINA BOTULÍNICA. PREVISÃO NO ROL DA ANS PARA DOENÇA DIVERSA. COBERTURA DEVIDA. 1) Trata-se de ação de obrigação de fazer, através da qual a parte autora postula cobertura do tratamento com Toxina Botulínica, visto que apresenta crises de Enxaqueca (CID 10 G43,0 e G44,4), bem como indenização por danos morais, julgada parcialmente procedente na origem. 2) Compete a ANS (art. 4º), dentre outras diretrizes, elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirá referência básica de assistência (inc.III), com o escopo de garantir um plano de saúde e assistência mínimo de caráter privado, atento às evoluções tecnológicas, sem prejuízo da faculdade da contratação de cobertura mais extensa. 3) Em procedimento de overruling, no julgamento do Recurso Especial XXXXX/PR , de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, restou consolidado que as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a custear tratamentos e/ou medicamentos não incluídos no rol de procedimentos da ANS, em razão da necessidade de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema suplementar de assistência à saúde. Ademais, em recente julgamento (EREsp nº 1889704 / SP e EREsp nº 1889704/SP) o egrégio STJ firmou a tese a respeito da taxatividade da rol de procedimentos/tratamento da ANS 4) No caso em comento, a própria requerida reconhece que o medicamento postulado está previsto no Anexo II da RN nº 465/21, na Diretrizes de Utilização (DUT) para diversos procedimentos, entretanto, nega cobertura visto que não tem previsão para a doença que a autora apresenta. 5) Sem razão a negativa de cobertura, visto que o medicamento, objeto da lide está incluído no rol da ANS, ainda que para finalidade diversa da que a autora apresenta. Havendo previsão de cobertura no rol da ANS, o médico assistente é quem decidirá se a situação concreta de enfermidade do paciente está adequada ao tratamento conforme as indicações de uso daquele específico remédio, tornando inviável que a operadora do plano se negue a cobrir o tratamento sob a justificativa de que a moléstia do segurado não está contida nas indicações de utilização do medicamento, considerando que representaria inegável ingerência na ciência médica, em prejuízo do paciente enfermo. Sentença mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA (TJ/RS, Apelação Cível, Nº XXXXX20218210001 , Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em: 07-10-2022) (grifos nossos) APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . ENXAQUECA CRÔNICA. PRESCRIÇÃO MÉDICA DE TRATAMENTO COM TOXINA BOTULÍNICA. RECUSA INJUSTIFICADA DA SEGURADORA DE SAÚDE. CONDUTA ABUSIVA. DESNECESSIDADE DE PREVISÃO NO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE - ANS. ROL EXEMPLIFICATIVO. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. PREVALÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA, À SAÚDE E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DEVER DE COBERTURA. REEMBOLSO. CABIMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO. NÃO CABIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A relação entre segurado e plano de saúde submete-se às regras do Código de Defesa do Consumidor , nos termos do enunciado nº 608 da Súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. As operadoras dos planos de saúde não podem impor limitações que descaracterizem a finalidade do contrato, razão pela qual, apesar de lídimo o ato de definir quais enfermidades terão cobertura pelo plano, se revelam abusivas as cláusulas contratuais que estipulam o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas. 3. A função social da prestação de serviço médico é dar pronto e adequado atendimento em situação de risco à saúde, de modo a preservar a integridade física e psicológica do segurado. 4. O fato de o tratamento objeto da demanda não estar no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, não constitui óbice ao seu franqueamento, haja vista que o Rol é meramente exemplificativo e não taxativo, portanto, não esgota os procedimentos que devem ser cobertos pelas operadoras dos planos de saúde. 5. Embora o contrato de plano de saúde possa limitar as doenças a serem cobertas, não lhe é permitido delimitar a terapêutica ou os medicamentos a serem utilizados na busca da cura de cada doença a ser tratada. 6. A recusa pelo plano de saúde de tratamento conforme recomendado por médico a paciente configura conduta abusiva e indevida capaz de ensejar reparação por dano moral, seja de ordem objetiva, em razão da violação ao direito personalíssimo à integridade física (artigo 12 do Código Civil ), seja de ordem subjetiva, decorrente da sensação de angústia e aflição psicológica em situação de fragilidade já agravada pela doença. 7. O valor fixado a título de compensação por danos morais, em que pese a falta de critérios objetivos, deve ser pautado pela proporcionalidade e razoabilidade, além de servir como forma de compensação ao dano sofrido e de possuir caráter sancionatório e inibidor da conduta praticada. 8. Apelação conhecida e não provida. Sentença mantida. (TJ/DFT, Acórdão XXXXX, XXXXX20208070014 , Relator: SIMONE LUCINDO, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 18/8/2021, publicado no PJe: 2/9/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.) (grifos nossos) No tocante ao pleito de indenização por danos morais, verifica-se que essa má-prestação causou ao consumidor aflição psicológica, tanto mais porque a autora anteriormente já estava se submetendo ao tratamento, que foi suspenso por negativa do plano e, porque não dizer, a possibilidade do próprio agravamento da doença, tudo isso que transcendem à esfera do mero aborrecimento, ensejando reparação por danos morais. Nesse caso, a responsabilidade pela má prestação de serviço pela recorrida encontra-se configurada, uma vez que sua omissão está a causar danos à recorrente, e a inércia da demandada, conjugada com o fluir do tempo, poderá agravar sobremaneira a enfermidade da autora. De conseguinte, ante a constatação da conduta antijurídica, do nexo de causalidade e dos resultados danosos, consubstanciados nos danos morais acima evidenciados, trazendo a Autora-recorrente o sofrimento e a dor psicológica, a qual ultrapassa os limites de um mero aborrecimento não indenizável. Na lição de Roberto de Rugiero, citado no voto proferido no RE XXXXX do Maranhão, relatado pelo Ministro Octávio Galotti: Para ser o dano indenizável, basta a perturbação feita pelo ato ilícito nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentidos, nos afetos de uma pessoa para produzir diminuição no gozo do respectivo direito (“Jurisprudência Brasileira”, vol.157/86, Ed. Juruá). Reconhecida a existência dos danos morais por parte da ré contra o autor, esses devem ser fixados com equilibrada reflexão, examinando a questão relativa à fixação do valor da respectiva indenização. No particular, o prudente arbítrio do magistrado exige não deva ser considerada, apenas, a situação econômica do causador do dano, porque, se tal for o critério, resvalar-se-á para o extremo oposto, com amplas possibilidades de propiciar ao ofendido o enriquecimento sem causa. Há que se atender, porém, e também com moderação, ao efeito inibidor da atitude repugnada. Enfim, a condenação por danos morais, no caso concreto, busca não só compensar a angústia e a frustração do usuário do plano de saúde, como também visa desestimular as reiteradas práticas abusivas dos planos de saúde ao negarem cobertura a tratamento coberto pelo contrato. ISTO POSTO, voto no sentido de CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente para reformar a sentença e determinar que a demandada arque com o tratamento pretendido pelo Acionante, in casu, tratamento com TOXINA BOTULÍNICA TIPO A, com intervalo de 3 (três) meses, por tempo indeterminado, bem como para condená-la ao pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de danos morais, corrigido monetariamente desde o arbitramento (Súmula 362 do STJ) e com juros de mora de 1% a.m. a partir da citação. Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios. MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE Juíza Relatora