Comentários sobre a nova redação do art. 217, do CPP, dada pela Lei Ordinária Federal n° 11.690, de 09 de junho de 2008 - Bruno Haddad Galvão
Como citar este artigo: GALVÃO, Bruno Haddad. Comentários sobre a nova redação do art. 217 , do CPP , dada pela Lei Ordinária Federal nº 11.690 , de 09 de junho de 2008. Disponível em http://www.lfg.com.br . 30 agosto. 2008.
1. Introdução
O art. 217 , do CPP , recentemente teve alterada sua redação pela Lei nº. 11.690 /08 (cuidado com a vacatio legis ).
Como se trata de norma genuinamente processual, é de aplicação imediata, até mesmo para os processos já em curso, sem prejuízo dos atos realizados sob a vigência da lei anterior (art. 2º , do CPP).
Primeiro farei uma análise comparativa entre as duas redações (a antiga e a nova) e, em seguida, abordarei as minúcias.
2. Análise comparativa entre a velha e a nova redação
Preste atenção nas redações:
VELHA REDAÇÃO
NOVA REDAÇÃO (LEI nº. 11.690 /08)
Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu, pela sua atitude, poderá influir no ânimo da testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará retirá-lo, prosseguindo na inquirição, com a presença de seu defensor. Nesse caso deverão constar do termo a ocorrência e os motivos que a determinaram
Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade desta forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.
Parágrafo único. A adoção de quaisquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.
Após leitura atenta da nova redação, fica fácil observar algumas mudanças:
1) foi retirada a expressão "pela sua atitude";
2) foram enumerados sentimentos como humilhação, temor e sério constrangimento;
3) estes sentimentos poderão atingir tanto testemunha, como o ofendido;
4) a inquirição deverá ser feita, nesse caso específico, por videoconferência e, somente na sua impossibilidade, de forma presencial, com a retirada do réu da sala de audiência.
Feitas estas primeiras colocações, vamos partir para o comentário das alterações, em específico.
2.1 RETIRADA DA EXPRESSÃO "PELA SUA ATITUDE":
Todos sabem, principalmente aqueles que militam na área criminal, que, muitas vezes, o réu nem mesmo podia entrar na sala de audiência quando alguma testemunha estivesse sendo ouvida.
Alguns juízes nem fundamentavam o fato de ter impedido o réu de entrar na sala e, quando o faziam, apenas citavam a literalidade do art. 217 , do CPP (afrontando o art. 97 , IX , da CF).
De acordo com a velha redação, o réu tinha o direito de permanecer na sala de audiência quando da oitiva das testemunhas, somente podendo ser afastado caso se verificasse que, pela sua atitude , poderia influir no ânimo da testemunha, de modo que prejudicasse a verdade do depoimento. Mesmo assim, deveria constar do termo o ocorrido e os motivos que determinaram que o réu fosse retirado.
Ora, regra tão clara parecia não ser para alguns. O STJ e o STF se mostravam impacientes com o descumprimento dos preceitos legais acima recordados.
Veja o seguinte julgado emanado recentemente da sexta Turma do STJ:
RÉU. RETIRADA. SALA. AUDIÊNCIA. É certo que a jurisprudência deste Superior Tribunal não vê nulidade na retirada do réu da sala de audiências a pedido de testemunhas ou vítimas (art. 217 do CPP). Porém, ao curvar-se a esses precedentes, a Min. Relatora ressalvou seu entendimento de que a aludida retirada em razão da simples aplicação automática do comando legal, sem que se indague os motivos que levam à remoção do acusado, fere o próprio conteúdo daquela norma, bem como o art. 93 , IX , da CF/1988 . Dever-se-ia fundamentar concretamente a remoção, pautando-se no comportamento do acusado. Precedentes citados do STF: HC 68.819-SP , DJ 28/8/1992; do STJ: HC 28.810-SP , DJ 9/5/2005; HC 29.982-SP , DJ 9/5/2005, e HC 11.550-SP , DJ 25/9/2000. HC 83.549-RS , Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/4/2008.
Conforme a doutrina e entendimentos jurisprudenciais, é certo que o descumprimento do art. 217 , do CPP gera nulidade relativa (não absoluta), devendo a defesa demonstrar prejuízo. Mas isso não obsta que se cumpra o que se determina a lei e a Constituição Federal .
Note: a lei impunha que o réu só poderia ser retirado da sala de audiência se sua atitude (exigia-se um fazer) pudesse influir no ânimo da testemunha, prejudicando a verdade do depoimento.
É o exemplo de o réu fazer gestos ameaçadores, caretas ameaçadoras etc. A simples presença do réu não poderia servir de fundamento para aplicação do dispositivo legal.
No entanto, a nova redação do referido dispositivo não determina mais que o réu seja retirado da sala de audiência por uma análise de SUA ATITUDE. Com a retirada desta expressão, a mera PRESENÇA DO RÉU já pode causar humilhação, temor ou sério constrangimento à testemunha e ao ofendido (novidade).
Observe que a nova redação retirou a objetividade, optando pela subjetividade.
Explico.
Uma interpretação literal da nova redação leva a crer que o juiz não mais precisará fundamentar a retirada do réu da sala de audiência por condutas comissivas suas (gestos ameaçadores etc.). A mera presença do réu e o entendimento que esta poderá causar humilhação, temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido (critério totalmente subjetivo) poderia servir de fundamento para sua retirada.
Uma pergunta: como o juiz fundamentaria que a presença do réu poderá causar humilhação, temor ou sério constrangimento? Isso é impossível! É humanamente impossível, no momento da audiência, ingressar no íntimo de alguém para saber se a pessoa se sentirá, v.g, humilhada.
Assim, a fundamentação da retirada do réu da sala de audiência, quando não for possível a videoconferência, será totalmente abstrata e recheada de "eu acho, eu penso, eu acredito". Nada objetivo e certo!
Como a realidade da videoconferência está muito distante, certamente nenhum réu entrará na sala de audiência quando o ofendido ou testemunha estiverem sendo ouvidos.
Mas será que é importante a presença do réu na sala de audiência? Obviamente que sim!
Explico: o defensor do réu não conhece as testemunhas, tampouco o ofendido que está prestando depoimento. A presença do réu, para a defesa, é de suma importância uma vez que o mesmo poderá ajudar seu defensor a formular perguntas às testemunhas e ao ofendido.
A ausência do réu dificulta muito o direito constitucional à ampla defesa, vez que esta ficaria enfraquecida sem a presença do réu para auxiliar seu defensor no momento das perguntas. Isto não ocorreria no pólo acusatório, uma vez que o ofendido estaria sempre presente para auxiliar o parquet nas perguntas às testemunhas de defesa e oitiva do ofensor.
Será que frente a estas colocações teríamos paridade de armas e igualdade processual? Acredito que não.
Por isso que, não obstante a retirada da expressão "pela sua atitude", deve ser feita uma leitura constitucional do referido dispositivo, de forma a se exigir uma fundamentação objetiva do magistrado.
2.2 HUMILHAÇÃO, TEMOR OU SÉRIO CONSTRANGIMENTO
Diferentemente da redação anterior ("influir no ânimo"), o legislador optou por enumerar as causas, quais sejam, causar humilhação, temor ou sério constrangimento.
Ora, quem não fica pelo menos constrangido quando vai depor na presença do ofensor?
Até o promotor da causa fica constrangido quando encontra o acusado na sala de audiência.
Muitos poderiam dizer: a lei não diz "mero" constrangimento, mas sim "sério" constrangimento.
Faço, então, a seguinte afirmação: o que é sério para um, não o é para outro. É um critério, repito, altamente abstrato.
Isso nos mostra, mais uma vez, a intenção do legislador em procurar flexibilizar os requisitos de retirada do réu da sala de audiência para que o mesmo, sempre, permaneça fora.
2.3 ATINGIR TANTO TESTEMUNHA, COMO O OFENDIDO.
Diferentemente da redação anterior, agora o réu poderá ser retirado da audiência (caso não seja possível a videoconferência) se o mero fato de sua presença puder causar humilhação, temor ou sério constrangimento ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento.
Em resumo: parece que neste caso sempre ficará fora da sala.
2.4 VIDEOCONFERÊNCIA
Até que enfim há previsão em legislação federal (assim, constitucional) da videoconferência. Mas só para o caso restrito do art. 217 , do CPP .
Pena que a lei não aproveitou o ensejo para regulamentar como deverá ser feita a videoconferência (quem deverá estar presente no local de depoimento do ofendido e oitiva das testemunhas etc.).
Por fim, para que se conclua o presente texto, o parágrafo único (nova redação) do art. 217 , do CPP , não nos trouxe novidades.
O que gostaria de salientar é que o parágrafo único é norma mandamental para o escrevente judiciário que deverá lavrar o termo. Caso não faça constar a ocorrência e os motivos que determinaram a aplicação da medida, poderá responder por infração funcional e até mesmo criminal.
Deve o defensor público, o advogado de defesa ou o membro do Ministério Público ( custus legis ) se insurgir e exigir do escrevente que cumpra o que a lei determina, e não, muitas vezes, o que o juiz manda não fazer.
Caso contrário (o escrevente se recusar a constar o ocorrido no termo de audiência a mando do juiz), deve o defensor do réu se levantar com seu cliente, chamar duas testemunhas e se dirigir à Ouvidoria, denunciando o ocorrido.
Um grande abraço aos amigos concurseiros!!!
Pensamento:
Neste momento, milhares de pessoas estão lutando para o mesmo propósito que você.
A grande maioria está encarando este desafio de forma profissional, como se cada dia de estudos fosse um dia de trabalho.
O trabalhador que se destaca numa empresa com criatividade, pontualidade, força de vontade, empenho, segurança etc., será promovido e ganhará seu lugar ao sol.
Da mesma forma é o concurseiro.
Bruno Haddad Galvão (25/07/08)