Crime praticado por brasileiro em outro país: Caso de Extraterritorialidade da Lei Penal Brasileira
LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br) Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz. Crime praticado por brasileiro em outro país: Caso de Extraterritorialidade da Lei Penal Brasileira. Disponível em http://www.lfg.com.br 24 agosto de 2009.
O STJ (Terceira Seção) disse ser competente uma das varas do Júri de Estado de São Paulo para o julgamento de homicídio praticado na cidade de Rivera, Uruguai, contra policiais civis residentes na cidade de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. Questionamentos:
1º) Existe a possibilidade de a lei penal brasileira alcançar fatos cometidos fora do Brasil?
Sim. Trata-se da previsão legal expressa do princípio da extraterritorialidade, de acordo com a qual alguns crimes ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro.
2º) Qual é a regra geral?
A regra geral no ordenamento jurídico pátrio é a territorialidade da lei penal, aplicando-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
3º) Concluindo-se pela aplicação da extraterritorialidade, como definir o foro competente para julgamento da causa que se originou de conduta perpetrada fora do território nacional?
Além das regras de direito penal geral que incidirão sobre a matéria, para se determinar o foro competente de causas que envolvam a extraterritorialidade, ainda há que se recorrer do direito processual penal, mais especificamente das disposições especiais sobre a competência.
Informativo 402, STJ, Terceira Seção: COMPETÊNCIA. CRIME. BRASILEIRO. ESTRANGEIRO. No caso, os policiais civis residentes na cidade de Santana do Livramento-RS foram mortos na cidade de Rivera no Uruguai. A questão está em definir a competência para processar e julgar os crimes de homicídio perpetrados por brasileiro juntamente com corréus uruguaios, em desfavor de vítimas brasileiras, naquela região fronteiriça. Isso posto, a Seção conheceu do conflito para declarar a competência de uma das varas do Júri de São Paulo-SP, ao fundamento de que se aplica a extraterritorialidade prevista no art. 7º, II, b , e 2º, a , do CP, se o crime foi praticado por brasileiro no estrangeiro e, posteriormente, o agente ingressou em território nacional. Nos termos do art. 88 do CPP, sendo a cidade de Ribeirão Preto-SP o último domicílio do indiciado, é patente a competência do juízo da capital do Estado de São Paulo. No caso, afasta-se a competência da Justiça Federal, tendo em vista a inexistência de qualquer hipótese prevista no art. 109 da CF/1988, principalmente porque todo o iter criminis dos homicídios ocorreu no estrangeiro. Precedente citado : HC 102.829-AC , DJe 17/11/2008. CC 104.342-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 12/8/2009.
Comentários: o artigo 7º, do Código Penal, cuida do denominado princípio da extraterritorialidade da lei penal brasileira. De acordo com referido princípio em determinadas hipóteses aplicar-se-á a lei brasileira, embora o crime tenha sido cometido no estrangeiro.
As hipóteses são expressamente previstas na lei penal, ante seu caráter excepcional, já que a regra é a territorialidade da lei, prevista no artigo 5º, do mesmo Código ( Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. ). Em verdade, são hipóteses em que fictamente considera-se que houve extensão do território nacional.
Entendemos que as espécies de extraterritorialidade são três:
- incondicionada
- condicionada
- hipercondicionada
Na hipótese da extraterritorialidade incondicionada, a lei brasileira se aplica de maneira imediata, sem qualquer condição. As hipóteses estão previstas no artigo 7º, inciso I, cujas alíneas a, b e c representam o princípio da defesa, real ou de proteção; enquanto que a alínea d é expressão do princípio da justiça universal. O inciso II do artigo 7º prevê a extraterritorialidade condicionada, pois a lei brasileira será aplicada mediante observância das condições impostas pelas alíneas a a d, do 2º; são condições objetivas de punibilidade, pois na ausência de qualquer delas o fato não é punível no Brasil. Por fim, a extraterritorialidade hipercondicionada, prevista no 3º do mesmo artigo 7º, é assim denominada porque para sua incidência, o fato deve reunir não só as condições exigidas no 2º, mas ainda não ter sido pedida extradição do estrangeiro (isso porque ele precisa estar no Brasil) e haver requisição do Ministro da Justiça.
Dentro das hipóteses de extraterritorialidade condicionada destaca-se, no que tange aos comentários sobre a decisão que originou a ementa supra transcrita, o princípio da nacionalidade ativa, que rege a alínea b do inciso II do artigo 7º do Estatuto Penal: Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes praticados por brasileiro. De acordo com o princípio da nacionalidade ativa, aplica-se a lei penal da nacionalidade do agente, não importando o local do crime ou a nacionalidade da vítima, ou ainda, do bem jurídico tutelado.
Sendo assim, correta a nosso ver a decisão proferida pela Terceira Seção do Tribunal da Cidadania ao apontar uma das varas do Júri da Capital de São Paulo como competente para o julgamento do homicídio cometido por nacional em concurso com uruguaios, praticado no Uruguai. Isso em decorrência não só do princípio da nacionalidade ativa que rege a extraterritorialidade, mas ainda por obediência ao Código de Processo Penal que indica o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado (art. 88, CPP).