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30 de Abril de 2024

Mudanças no Código de Trânsito Brasileiro: Algumas Reflexões - José Carlos de Oliveira Robaldo

há 16 anos
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Conforme amplamente divulgado pela imprensa, no dia 20 do corrente mês, entrou em vigor a Lei nº 11.705 /08, batizada por alguns de "Lei Seca", para outros, de "Tolerância Zero". Essa rotulação deve-se, sobretudo, à proibição da venda de bebidas alcoólicas ao longo das rodovias federais e adjacências.

O novo instrumento legal trouxe, na realidade, profundas alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB , instituído pela Lei nº 9.503 /97) tanto na sua parte administrativa, como na parte penal, tornando-o mais rigoroso, na busca de uma maior efetividade, especialmente em face do recrudescimento dos acidentes verificados no trânsito, muitos deles causados por motoristas embriagados.

O propósito da lei é o de coibir os abusos no trânsito e, com isso, trazer mais segurança viária à população, o que não deixa de ser plausível. Agora, se esse objetivo será ou não atingido, dependerá da conjugação de dois fatores: de um lado a conscientização do motorista sobre a incompatibilidade entre "bebida alcoólica x volante", e, de outro, a efetiva fiscalização por parte do Estado.

É importante que o destinatário da lei tenha muito claro em sua mente que embora a nova norma não proíba a venda de bebida alcoólica nos trechos de rodovias federais que cortam cidades, isso não significa que aquele que for pego dirigindo com qualquer nível de teor alcoólico no sangue, esteja ele nesses trechos de rodovia ou em qualquer outra via pública, não fique sujeito às penalidades da nova lei, isto é, ao seu rigorismo. A lei apenas delimitou os locais de proibição da venda ou fornecimento dessas bebidas.

A multa para quem vender bebidas nessas circunstâncias, enquanto a inflação não corroer os valores estipulados (R$ 300,00, R$ 1500,00, R$ 3000,00, suspensão de acesso à rodovia), é pesada.

A nova punição administrativa ao motorista infrator que estiver sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, tal como a maconha, cocaína etc, é igualmente fortíssima (CTB , art. 165). O simples consumo de bebida alcoólica, por menor que seja (qualquer concentração de álcool por litro de sangue, CTB , art. 276), ou outra substância psicoativa basta para caracterizar a infração, o que, talvez, seja um exagero!

Quanto à prova dessa infração, a nova lei admite, além dos meios tradicionais - tais como bafômetro, perícia sanguínea -, qualquer outro meio de prova, desde que lícita, levada a efeito pelo próprio agente de trânsito responsável pela autuação (sinais característicos de embriaguez: dificuldade para falar, para permanecer em pé, odor alcoólico, excitação). Isso, de outro lado, aumenta ainda mais a responsabilidade do agente de trânsito.

No que tange à punição penal, a nova lei também endureceu. O CTB permitia a aplicação da Lei dos Juizados Criminais (Transação) nos crimes culposos de trânsito, sem qualquer restrição. Com a nova lei, só se admite a transação nas hipóteses em que o infrator não estiver: sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência; participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, exibição de perícia em manobra (cavalo de pau); transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via de 50 km/h. Nestes casos, a polícia deve instaurar inquérito e remetê-lo à justiça para as providências processuais cabíveis e conseqüente punição do infrator, se for o caso.

Em se tratando de réu reincidente em crime previsto no CTB (praticado novo crime após o trânsito em julgado por crime anterior), o juiz, sem prejuízo de outras penalidades, obrigatoriamente (interpretação textual), deve aplicar a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor. Esta punição, no sistema anterior, era facultativa - o juiz podia ou não aplicá-la.

O CTB , em seu artigo 306 , punia o condutor que conduzia veículo automotor em via pública, sob a influência de álcool ou qualquer outra substância (...), expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. A punição permanece (direção perigosa). A redação atual, entretanto, exclui a frase: "expondo a dano potencial a incolumidade de outrem".

Com a redação antiga, era praticamente pacífico o entendimento de que somente se punia penalmente o condutor do veículo quando ficasse demonstrada a possibilidade concreta do dano, isto é, que em razão da embriaguez estivesse dirigindo de forma perigosa, com probabilidade efetiva de causar dano ao bem jurídico. É o que a doutrina denomina "perigo concreto".

Com a nova redação, aparentemente, quis o legislador abranger também o denominado "perigo abstrato", ou seja, punir a simples conduta de dirigir embriagado, ainda que não fique demonstrado - ainda que remota - a possibilidade de perigo efetivo de dano à incolumidade de alguém.

Para a doutrina penal moderna, a punição com fundamento no "perigo abstrato" fere o princípio da ofensividade, sendo inconstitucional, portanto. No caso em tela, entretanto, como se trata de matéria que "acabou de sair do forno", vamos aguardar para ver qual será a posição da doutrina e da jurisprudência a respeito.

Enfim, em relação ao trânsito, estamos diante de uma nova realidade jurídica. Quanto ao seu êxito, só o futuro dirá! Resta-nos, todavia - apesar do exagero da lei - o otimismo e a esperança de que funcione o slogan "se beber não dirija, se dirigir não beba", pois, do contrário, o "bicho pega"! É bem provável que a constitucionalidade de muitos pontos da nova lei seja questionada junto ao STF. Vamos aguardar!

Para encerrar, convém observar que a nova lei não transformou a lesão corporal culposa em dolosa causada por motorista embriagado, conforme se tem noticiado. O crime continua sendo culposo, porém, tratado com mais rigor.

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