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7 de Maio de 2024

Portador de cegueira em um olho tem isenção de imposto de renda

Publicado por Expresso da Notícia
há 13 anos
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A pessoa com cegueira irreversível em um dos olhos está livre do pagamento de imposto de renda. O entendimento é do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a isenção a um aposentado de Mato Grosso. O estado recorreu da decisão, mas a Segunda Turma concluiu que a lei não distingue, para efeitos de isenção, quais espécies de cegueira estariam beneficiadas ou se a patologia teria que comprometer toda a visão. O relator é o ministro Herman Benjamin.

Um odontologista aposentado por invalidez por causa de cegueira irreversível no olho esquerdo ingressou na Justiça para obter a isenção do imposto de renda em relação aos seus proventos. A cegueira irreversível foi constatada por três especialistas na área médica e o laudo atestado pelo Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso (Ipemat). O aposentado, além de pedir a isenção, também pleiteou a restituição do que foi indevidamente retido na fonte por sua unidade pagadora. Teve decisão favorável tanto na primeira quanto na segunda instância.

Para tentar reverter o julgamento, o governo de Mato Grosso entrou com recurso no STJ, alegando que a Lei nº 7.713/1988 não especifica de forma analítica as condições ou os graus de moléstia que poderiam ser considerados para fim de isenção do imposto. Segundo o estado, a isenção deveria ser concedida apenas aos portadores de cegueira total e a lei deveria ser interpretada de forma restritiva e literal.

No julgamento, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) aplicou a literalidade do artigo , inciso XIV, da Lei nº 7.713/88 , que isenta do pagamento as pessoas físicas portadoras de cegueira, e invocou a preservação da garantia do direito fundamental na interpretação do artigo. Além disso, destacou que a decisão de primeiro grau baseou-se na construção de uma norma jurídica a partir da interpretação do relatório médico e dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

O ministro Herman Benjamin lembrou que o Código Tributário Nacional (CTN) prevê a interpretação literal das normas instituidoras de isenção tributária, sendo inviável a analogia. Destacou a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS), na qual são estabelecidas definições médicas de patologias.

Nessa relação, a cegueira não está restrita à perda da visão nos dois olhos. “Nesse contexto, a literalidade da norma leva à interpretação de que a isenção abrange o gênero patológico “cegueira”, não importando se atinge a visão binocular ou monocular”, concluiu.

A decisão da Segunda Turma vale para o caso julgado, mas cria um precedente que deve nortear não só outros processos julgados no STJ, como as demais instâncias da Justiça.

Processo nº

Leia, abaixo, a íntegra da decisão:

"AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.196.500 - MT (2010/0097690-0)

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN

AGRAVANTE : ALOÍSIO GARGAGLIONE PÓVOAS

ADVOGADO : FABÍULA LETÍCIA VANI DE OLIVEIRA E OUTRO (S)

AGRAVADO : ESTADO DE MATO GROSSO

PROCURADOR : ADERZIO RAMIRES DE MESQUITA E OUTRO (S)

DECISÃO

Cuida-se de Agravo Regimental interposto contra decisão que deu provimento

ao Recurso Especial nos seguintes termos:

Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal de Justiça

do Mato Grosso, assim ementado:

RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO ORDINÁRIA - ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - CEGUEIRA IRREVERSÍVEL NO OLHO ESQUERDO - ARTIGO , INCISO XIV DA LEI FEDERAL 7.713/88 - INTERPRETAÇÃO AMPLA AO DISPOSITIVO - PRESERVAÇÃO DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS - RECURSO IMPROVIDO.

Conforme literalidade do artigo , XIV, da Lei nº 7.713/88 , ficam isentos do imposto de renda os rendimentos percebidos por pessoas físicas portadoras de cegueira, com base em conclusão da medicina especializada.

O propósito do legislador, bem como a própria interpretação a ser dada ao dispositivo, é de preservar garantias de direito fundamental. Desse modo, a precisão jurídica da norma, aliada ao seu viés social, garantem-lhe densidade suficiente para fixar medidas protetoras ao cidadão. Nessa esteira, extrai-se a real declaração do dispositivo: os rendimentos percebidos por pessoa física portadora de cegueira, ainda que parcial, estão isentos de imposto de renda, sem qualquer outra condicionante. (fl. 228, e-STJ)

Não houve Embargos de Declaração.

O recorrente afirma que houve ofensa ao art. , XIV, da Lei 7.713/1988 . Sustenta:

Conquanto o texto do artigo , inciso XIV não especifique de forma analítica as condições ou os graus de moléstia que poderiam ser considerados sob esse título para a finalidade de isenção do tributo, deve-se enfatizar que, nos termos do artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional , deve-se atribuir interpretação restritiva e literal à consideração das causas justificadoras das isenções dos tributos (...) fl. 246, e-STJ, grifo no original.

Transcorreu in albis o prazo para apresentação de contra-razões

(certidão de fl. 257, e-STJ).

É o relatório.

Decido.

Os autos foram recebidos neste Gabinete em 22.10.2009.

A controvérsia essencial cinge-se a definir se é possível ou não a concessão da isenção do Imposto de Renda a pessoa física portadora de visão monocular.

No art. da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988 , dê-se ao inciso XIV nova redação e acrescente-se um novo inciso de número XXI, tudo nos seguintes termos:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas:

(...)

XIV - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidente sem serviços, e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose-múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia

grave , estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (grifei)

Consoante o citado comando legal, os portadores de cegueira são isentos do pagamento do Imposto Sobre a Renda. O voto condutor do acórdão recorrido, ao analisar as provas e documentos acostados aos autos, entendeu que o recorrido detém direito de não recolher o imposto sobre a renda, uma vez que foi acometido de cegueira parcial, irreversível no olho esquerdo, impossibilitando-o de trabalhar na sua função de odontólogo, concedendo-lhe aposentadoria por invalidez com direito a proventos integrais (fl.231- e-STJ). Confira-se o trecho do aresto impugnado, in litteris :

Tem-se, no caso, que o magistrado a quo não se pauta apenas à aplicação simplista da regra, mas, sim, na construção da norma jurídica a partir da interpretação de acordo com o relatório médico e adotando a regra da proporcionalidade e razoabilidade, prevalecendo os direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal. (fl. 231, e-STJ)

O propósito do legislador, bem como a própria interpretação a ser dada ao dispositivo acima, é de preservar garantias de direito fundamental. Desse modo, a precisão jurídica da norma, aliada ao seu viés social, garantem-lhe densidade suficiente para fixar medidas protetoras ao cidadão. (fl. 232, e-STJ)

A obrigação do jurista é de adequar o fato à lei da melhor maneira, adequando-a aos princípios de justiça e aos direitos fundamentais, aos quais são dotados de qualidade de norma jurídica e plena eficácia. (fl. 232, e-STJ)

É cediço que as normas instituidoras de isenção ( art. 111 do Código Tributário Nacional ), por preverem exceções ao exercício de competência tributária, estão sujeitas à regra de hermenêutica que determina a interpretação restritiva dada à sua natureza. Sendo assim, não prevista, expressamente, a hipótese de exclusão da incidência do Imposto de Renda, incabível fazê-lo por analogia.

A isenção do IR ao contribuinte portador de moléstia grave se conforma à literalidade da norma, que elenca de modo claro e exaustivo as patologias que justificam a concessão do benefício, não sendo facultado ao Judiciário, em atividade legislativa, criar novas hipóteses para acesso ao favor fiscal.

Nesse sentido:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO EM ATIVIDADE, PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. DA LEI 7.713/88 . BENEFÍCIO RECONHECIDO A PARTIR DA APOSENTADORIA. ART. 462 DO CPC . APRECIAÇÃO DE JUS SUPERVENIENS EM INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.

1. A isenção tributária é concedida somente mediante a edição de lei formal específica, nos termos do art. 97, VI, do CTN , cujos requisitos devem ser observados integralmente, para que se efetive a renúncia fiscal.

2. O conteúdo normativo do art. , XIV, da Lei 7713/88 , é explícito ao conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores de moléstia grave.

3. Consectariamente, tem-se a impossibilidade de interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de descaber a extensão do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN . (Precedentes: REsp

778.618/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ

28.04.2006 ; RMS 19.597/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO,

PRIMEIRA TURMA, DJ 20.02.2006; REsp 819.747/CE, Rel.

Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA

TURMA, DJ 04.08.2006) (...) (REsp 907.236/CE, Rel. Ministro

LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2008, DJe 01/12/2008, grifei)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC . INEXISTÊNCIA. IMPOSTO DE RENDA. ART. DA LEI N. 7.713/88 . SERVIDOR PÚBLICO EM ATIVIDADE. PORTADOR DE CARDIOPATIA GRAVE. INEXISTÊNCIA DE ISENÇÃO. ART. 111, INCISO II, DO CTN . PRECEDENTES.

(...)

3. Segundo a exegese do art. 111, inciso II, do CTN , a legislação tributária que outorga a isenção deve ser interpretada literalmente.

4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 819.747/CE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2006, DJ 04/08/2006 p. 302, grifei)

TRIBUTÁRIO - PROCESSO CIVIL - PIS - RECEITAS DECORRENTES DE VENDAS PARA

EXPORTAÇÃO - EMPRESAS COMERCIAIS EXPORTADORAS - EXTENSÃO ÀS TRADING

COMPANIES - IMPOSSIBILIDADE - ISENÇÃO -

INTERPRETAÇÃO LITERAL - ATO DECLARATÓRIO

NORMATIVO - NORMA COMPLEMENTAR -

INOBSERVÂNCIA - CONDUTA DIVERSA.

(...)

2. Normas tributárias que impliquem em renúncia

fiscal interpretam-se restritivamente.

(...)

4. Recurso especial não provido. (REsp

1074015/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA

TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009, grifei)

A perda da visão do olho esquerdo, em decorrência de acidente em serviço, embora tenha incapacitado o recorrido para sua atividade profissional, não é suficiente para comprometer integralmente sua saúde de forma a impor-lhe uma incapacidade plena para todo e qualquer trabalho na vida civil.

Diante do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC , dou provimento ao Recurso Especial, anulando a sentença em seus termos.

Publique-se. Intimem-se.

O agravante sustenta, em suma, que o art. , XIV, da Lei 7.713/88 , norma garantidora da isenção, não pode ser interpretado literalmente. Afirma que"a interpretação literal e restrita do dispositivo legal não permite ao julgador especificar qual tipo de cegueira, ou seja se total ou parcial, temporária ou permanente, podendo-se concluir que todas são consideradas graves a exemplo das demais doenças contidas na Lei"(e-STJ, fl. 277).

É o relatório.

Decido.

Os autos foram recebidos neste Gabinete em 15.9.2010.

Diante das razões trazidas no recurso, reconsidero a decisão agravada, para torná-la sem efeito e determinar, em momento oportuno, a inclusão do feito em pauta de julgamento.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília (DF), 28 de setembro de 2010.

MINISTRO HERMAN BENJAMIN

Relator"

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