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1 de Maio de 2024

Prudente critério de Sua Excelência? Diretrizes para o pedido de dano moral à luz do novo CPC

Publicado por Justificando
há 9 anos
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Tema que sempre despertou o interesse geral, certamente por conta de sua relevância no cotidiano forense, diz respeito à formalização do pedido de danos morais em uma ação judicial, especialmente a (des) necessidade de especificação do quantum pretendido pelo autor ou, em outras palavras, a (im) possibilidade de elaboração de um pedido indenizatório genérico, normalmente deixando “ao prudente critério” do magistrado o estabelecimento da sua extensão quantitativa.

Não duvido que a celeuma tem origem no próprio direito material. E explico-me. É que, de um lado, não se questiona que o dano moral é aquela modalidade de dano não patrimonial, isto é, todo aquele dano que não se enquadra nos conceitos de lucros cessantes ou danos emergentes, nas linhas gerais do art. 402 do Código Civil. Mas, por outro lado, tal constatação não simplifica qualquer atividade do intérprete legal na busca de um conceito de dano moral, um dos mais equívocos da ciência jurídica.

Permita-me, paciente leitor, um aprofundamento no tema: não basta dizer que dano moral é o dano não patrimonial (isso nos diz o que ele não é, mas não o que ele é). Também não é suficiente afirmar que o dano moral é a dor, o vexame, o desconforto, a humilhação etc. (tal postura simplesmente confunde o dano moral com as suas consequências).

De resto, o direito material (ainda ele), embora o preveja expressamente (art. , V e X, da Constituição; art. 186 do Código Civil), não dá pistas sequer de seu real alcance, inexistindo uma fórmula para o cálculo da indenização[1], sendo certo que o art. 944 do Código Civil está longe de assumir este papel, o que faz nascer para o processo a angustiante questão que motiva este breve ensaio: é preciso quantificar o dano moral na petição inicial em que este seja objeto da ação?

Na técnica processual – exclusivamente sob esta vertente – parece-me fora de dúvida que a resposta àquela indagação é positiva. Sim, o pedido deve quantificar precisamente o valor perseguido pelo autor.

Tal conclusão é fruto da interpretação conjugada não apenas do art. 322 (“O pedido deve ser certo”) e do art. 324 do CPC (“O pedido deve ser determinado”), mas também do § 1º deste último, que traz as taxativas hipóteses em que o pedido pode ser genérico, isto é, não especificar o quantum debeatur (“I – nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados; II – quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato; III – quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu.”). Pela natureza do dano moral, este normalmente estaria encaixado na situação descrita no inciso IIdo § 1º do art. 324, de tal sorte que, fora de tal hipótese, o autor deveria logo na petição inicial quantificar sua pretensão indenizatória.

Verdade seja dita, contudo, na vigência do CPC/1973 é largamente majoritário, pelo menos no âmbito jurisprudencial, o entendimento de que não é necessária a definição initio litis do valor pretendido nas ações em que se pleiteia o dano moral, muito embora a lei processual imponha que o pedido seja certo e determinado[2]. Qualquer valor apontado pelo autor seria, assim, mera “estimativa”, que não vincula o juiz (afastando a possibilidade de que venha a ser proferida sentença ultra petita quando a decisão superar a “estimativa” do autor). Aliás, coerentemente, o próprio STJ editou o enunciado n. 326 de súmula da jurisprudência dominante, onde se lê que “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”, dando pistas de que qualquer pedido líquido, além de mera faculdade do autor, não limita a sentença (para mais ou menos), gerando outro incontornável problema no estabelecimento do valor da causa e seus reflexos.

Pois bem. Tal postura jurisprudencial, que já não se sustentava na vigência do antigo CPC (1973), há de ser revista à luz do CPC de 2015. Não apenas em razão do que preveem os dispositivos acima mencionados (arts. 322 e 324, que essencialmente reproduzem o art. 286, e seus incisos, do CPC de 1973), mas também razão de um “reforço”, qual seja, o inciso V do art. 292 do CPC.

Com efeito, o art. 292 traz os critérios para a fixação do valor da causa. No seu inciso V, do qual me ocupo agora, fica estabelecido que o valor da causa será “na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido.” (sem grifos no original).

O recado do legislador é claro e irrecusável. Ao prever, na citada norma, a específica situação do dano moral, determinando que o valor da causa deva ser o valor pretendido, não poderá mais haver dúvida de que o autor deve definir, de forma vinculativa, o quantum debeatur logo na petição inicial, à luz da causa de pedir (fato e fundamentos jurídicos), devendo a sentença a ser proferida limitar-se ao que foi pedido.

Assim sendo, as conclusões que podem ser tiradas são as seguintes:

(i) o pedido de dano moral não poderá ser genérico (salvo na situação excepcional do art. 324, § 1º, II, do CPC);

(ii) a utilização das “consagradas” fórmulas que deixam ao prudente critério do magistrado a fixação do quantum, ainda que no curso da petição inicial estabeleçam parâmetros (valores mínimos esperados) não serão toleradas, devendo o magistrado determinar a emenda da petição inicial;

(iii) deverá ser revisto o enunciado n.3266 de súmula da jurisprudência dominante do STJ;

(iv) o valor da causa, como consequência, equivalerá ao valor pretendido de dano moral, sendo certo que o juiz o corrigirá de ofício e por arbitramento quando o autor se equivoque, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes (art. 292, § 3º, CPC).

Denis Donoso é Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Professor de cursos de graduação, pós-graduação e preparatórios para concursos públicos. Coordenador de cursos de pós-graduação. Autor de livros e artigos jurídicos.
[1] Aliás, vale a nota, o próprio termo “indenização” seria inadequado ao dano moral, posto que este não indeniza (ou seja, não repõe o patrimônio perdido), mas apenas o compensa, confortando a vítima de seus males. [2] STJ, 1ª Turma, REsp 693.172/MG, rel. Min. LUIZ FUX, j. 23.8.2005, v.u.
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