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16 de Junho de 2024

STF desconsidera processos em andamento como maus antecedentes

Publicado por Expresso da Notícia
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Leia a decisão do ministro Celso de Mello no Habeas Corpus (HC) 96618 , na qual ele concedeu liberdade ao economista Antônio Carlos Prado – preso por estelionato. O ministro entende que o réu não perde sua condição de primário apenas por responder a outros processos criminais nos quais ainda há possibilidade de recursos.

Leia, abaixo, a íntegra da decisão:

"MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 96.618-7 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EROS GRAU

PACIENTE (S) : ANTONIO CARLOS DA COSTA PRADO

IMPETRANTE (S) : SÉRGIO DE CARVALHO SAMEK

COATOR (A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO DO SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO ( RISTF , art. 38 , I ):

Esta decisão é por mim proferida em face da ausência eventual, nesta

Suprema Corte, do eminente Relator da presente causa (fls. 144),

justificando-se, em conseqüência, a aplicação da norma inscrita no

art. 38 , I , do RISTF .

Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar,

impetrado contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de

Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 54):

“PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. ESTELIONATO.

PACIENTE QUE JÁ RESPONDE A DIVERSOS INQUÉRITOS POLICIAIS E

AÇÕES PENAIS POR ESTELIONATO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA

DA ORDEM PÚBLICA E DA EVENTUAL APLICAÇÃO DA LEI PENAL.

DECRETO CONSTRITIVO E MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA DEVIDAMENTE

FUNDAMENTADOS. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA.

DENEGAÇÃO DO ‘WRIT’.

1. A real periculosidade do réu, evidenciada na suposta

reiteração da prática do crime de estelionato, inclusive

com condenação, ainda não transitada em julgado, embora o

paciente permaneça tecnicamente primário, é motivação

idônea capaz de justificar a manutenção da constrição

cautelar, por demonstrar a necessidade de se resguardar a

ordem pública e garantir a aplicação da lei penal.

Precedentes do STJ.

2. A prisão cautelar justificada no resguardo da ordem

pública visa prevenir a reprodução de fatos criminosos e

acautelar o meio social, retirando do convívio da

comunidade aquele que, diante do ‘modus operandi’ ou da

habitualidade de sua conduta, demonstra ser dotado de

periculosidade.

3. As condições subjetivas favoráveis do paciente, tais

como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e

trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação

cautelar, quando preenchidos seus pressupostos legais.

4. ‘Habeas Corpus’ denegado, em conformidade com o

parecer ministerial.”

(HC 84.581/SP , Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO)

HC 96.618-MC / SP

Os fundamentos em que se apóia a presente impetração

revestem-se de inquestionável relevo jurídico, especialmente se se

examinar o conteúdo da decisão que decretou a prisão preventiva do

ora paciente, confrontando-se, para esse efeito, as razões que lhe

deram suporte com os padrões que a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal firmou na matéria em análise.

Eis, no ponto, o teor do decreto de prisão preventiva que,

emanado da MM. Juíza de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de

São Paulo/SP, motivou as sucessivas impetrações de “habeas corpus”

em favor do ora paciente (fls. 33):

“Defiro os requerimentos formulados pelo Dr. Promotor

a fls. 1572, inclusive no tocante à prisão preventiva.

Há, com efeito, provas da existência do delito e

indícios de autoria em relação aos réus, cujos maus

antecedentes e ausência de vinculação, bem como a

gravidade do crime, tornam necessária a custódia, para a

garantia da ordem pública, e da aplicação da lei penal, e

conveniência da instrução criminal.

Isto posto, com fundamento no artigo 312 do Código de Processo Penal, decreto a prisão preventiva dos réus

Antonio Carlos da Costa Prado, José Carlos Dantas e Bruno

Fleires, expedindo-se mandado de prisão.”

Presente esse contexto, cabe verificar se os fundamentos

subjacentes à decisão ora questionada ajustam-se, ou não, ao

magistério jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal no

exame do instituto da prisão preventiva.

As razões que fundamentam o decreto judicial de prisão

cautelar, cujo texto se acha reproduzido a fls. 33, podem ser assim

resumidas: (a) gravidade do crime, (b) maus antecedentes e

(c) ausência de vinculação do distrito da culpa.

Tenho para mim que a decisão em causa, ao decretar a prisão

preventiva do ora paciente, nos termos em que o fez, apoiou-se em

elementos insuficientes, destituídos de base empírica idônea,

revelando-se, por isso mesmo, desprovida de necessária fundamentação

substancial.

Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade

individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade. Não

obstante o caráter extraordinário de que se reveste, a prisão

preventiva pode efetivar-se, desde que o ato judicial que a

formalize tenha fundamentação substancial, com base em elementos

concretos e reais que se ajustem aos pressupostos abstratos -

juridicamente definidos em sede legal - autorizadores da decretação

dessa modalidade de tutela cautelar penal (RTJ 134/798, Rel. p/ o

acórdão Min. CELSO DE MELLO).

É por isso que esta Suprema Corte tem censurado decisões

que fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento

de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos

que compõem a estrutura jurídica do tipo penal:

“(...) PRISÃO PREVENTIVA - NÚCLEOS DA TIPOLOGIA -

IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como

as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes

a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última

análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não

imposta (...).”

(HC 83.943/MG , Rel. Min. MARÇO AURÉLIO – grifei)

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo

Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e

Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir

a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade,

quando inocorrente hipótese que possa justificá-la:

“Não serve a prisão preventiva, nem aConstituiçãoo

permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem

processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual

(...) ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em

julgado de sentença penal condenatória’ ( CF , art. 5º ,

LVII ).

O processo penal, enquanto corre, destina-se a apurar

uma responsabilidade penal; jamais a antecipar-lhe as

conseqüências.

Por tudo isso, é incontornável a exigência de que a

fundamentação da prisão processual seja adequada à

demonstração da sua necessidade, enquanto medida cautelar,

o que (...) não pode reduzir-se ao mero apelo à gravidade

objetiva do fato (...).”

(RTJ 137/287, 295, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

Entendo, por tal razão, que os fundamentos subjacentes ao

ato decisório emanado da ilustre magistrada de primeira instância,

que decretou a prisão cautelar do ora paciente, conflitam com os

estritos critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

consagrou nessa matéria.

Impende assinalar, desse modo, que a gravidade em abstrato do

crime não basta para justificar a privação cautelar da liberdade

individual do paciente.

O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da

infração penal não se revela circunstância apta, só por si, para

justificar a privação cautelar do “status libertatis” daquele que

sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.

Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos

julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito

imputado ao réu seja legalmente classificado como crime hediondo

(RTJ 172/184, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 182/601-602, Rel.

p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RHC 71.954/PA , Rel.

Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados

‘crimes hediondos’ ( Lei 8.072 /90 ), não basta à justificação

da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no

interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e

só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não

serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria

que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em

atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto,

‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado

de sentença penal condenatória’ (CF , art. , LVII).”

(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A

PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.

- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui

extração constitucional ( CF , art. 5º , LXI e LXV ) - não pode

ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo

que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime

hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória

irrecorrível ( CF , art. 5º , LVII ), não se revela possível

presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a

natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”

(RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cabe referir, ainda, que também não legitima o ato

excepcional de privação cautelar da liberdade individual a afirmação

de que o ora paciente possui maus antecedentes, por ter, contra si,

procedimentos penais de que não haja resultado condenação com

trânsito em julgado.

Conforme já proclamado, em diversas oportunidades, por esta

Suprema Corte (RTJ 136/627 - RTJ 139/885, v.g.), a mera sujeição de

alguém a simples investigações policiais ou a persecuções criminais

ainda em curso não basta, só por si - ante a inexistência de

condenação penal transitada em julgado -, para justificar o

reconhecimento de que o réu não possui bons antecedentes ou, então,

para legitimar a imposição de sanções mais gravosas, como a

decretação de prisão cautelar, ou a denegação de benefícios de ordem

legal.

A submissão de uma pessoa a meros inquéritos policiais -

ou, ainda, a persecuções criminais de que não haja derivado, em

caráter definitivo, qualquer título penal condenatório - não se

reveste de suficiente idoneidade jurídica para autorizar a

formulação, contra o indiciado ou o réu, de juízo (negativo) de maus

antecedentes, em ordem a recusar, ao que sofre a “persecutio

criminis”, o acesso a determinados benefícios legais:

“PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE ( CF ,

ART. 5º, LVII ). MERA EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS POLICIAIS EM

CURSO (OU ARQUIVADOS), OU DE PROCESSOS PENAIS EM ANDAMENTO,

OU DE SENTENÇA CONDENATÓRIA AINDA SUSCETÍVEL DE IMPUGNAÇÃO

RECURSAL. AUSÊNCIA, EM TAIS SITUAÇÕES, DE TÍTULO PENAL

CONDENATÓRIO IRRECORRÍVEL. CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE DE

FORMULAÇÃO, CONTRA O RÉU, COM BASE EM EPISÓDIOS PROCESSUAIS

AINDA NÃO CONCLUÍDOS, DE JUÍZO DE MAUS ANTECEDENTES.

PRETENDIDA CASSAÇÃO DA ORDEM DE ‘HABEAS CORPUS’. POSTULAÇÃO

RECURSAL INACOLHÍVEL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

- A formulação, contra o sentenciado, de juízo de maus

antecedentes, para os fins e efeitos a que se refere o

art. 59 do Código Penal , não pode apoiar-se na mera

instauração de inquéritos policiais (em andamento ou

arquivados), ou na simples existência de processos penais

em curso, ou, até mesmo, na ocorrência de condenações

criminais ainda sujeitas a recurso.

É que não podem repercutir, contra o réu, sob pena de

transgressão ao postulado constitucional da não-culpabilidade

( CF , art. 5º , LVII ), situações jurídico-processuais ainda não

definidas por decisão irrecorrível do Poder Judiciário,

porque inexistente, em tal contexto, título penal

condenatório definitivamente constituído. Doutrina.

Precedentes.”

(RE 464.947 /SP , Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Tal entendimento - que se revela compatível com a presunção

constitucional “juris tantum” de inocência ( CF , art. 5º , LVII ) –

ressalta, corretamente, e com apoio na jurisprudência dos Tribunais

(RT 418/286 - RT 422/307 – RT 572/391 - RT 586/338), que processos

penais em curso, ou inquéritos policiais em andamento ou, até mesmo,

condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser

considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de

pronunciamento judicial absolutório, como elementos evidenciadores de

maus antecedentes do réu ou justificadores da decretação de sua prisão

cautelar.

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal já decidiu,

por unânime votação, que “Não podem repercutir, contra o réu,

situações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão

irrecorrível do Poder Judiciário, especialmente naquelas hipóteses

de inexistência de título penal condenatório definitivamente

constituído” (RTJ 139/885, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito

de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade

individual, a alegação de ausência de vinculação do paciente ao

distrito da culpa.

Como se sabe, a mera desvinculação ao distrito da culpa não

basta, só por si, para legitimar a utilização do instituto da tutela

cautelar penal (HC 95.110-MC/SC , Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Nem se diga que a decisão emanada da magistrada local teria

sido reforçada, em sua fundamentação, pela decisão que manteve a

prisão cautelar do ora paciente e pelo julgamento que veio a ser

proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

(HC

/4), eis que a legalidade da decisão que decreta (ou

mantém) a prisão cautelar - considerada a diretriz jurisprudencial

que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria - há de ser aferida

em função dos fundamentos que lhe dão suporte, e não em face de

eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias

judiciárias superiores.

Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora

impetrante leva-me a entender que a decisão ora questionada não

observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal firmou em tema de prisão cautelar.

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o

pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação

de “habeas corpus”, suspender, cautelarmente, a eficácia do

decreto de prisão preventiva do ora paciente, referentemente ao

Processo nº 583.04.098452-4, Controle nº 1.653/2006 (2ª Vara Criminal

da comarca de São Paulo/SP), expedindo-se, imediatamente, em favor

desse mesmo paciente, se por al não estiver preso, o pertinente

alvará de soltura.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente

decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 84.581/SP) , ao

E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC

/4) e à

MM. Juíza de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de São Paulo/SP

(Processo nº 583.04.098452-4, Controle nº 1.653/2006).

Publique-se.

Brasília, 24 de outubro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO

(RISTF , art. 38 , I)"

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