Conselho de Contabilidade pode requisitar documentos de empresas em poder de contadores.
Os Conselhos de Contabilidade, federal ou regional, são entidades de registro e fiscalização do exercício profissional dos contadores que foram criados por ato normativo[1], possuindo atuação em todos os estados da Federação e Distrito Federal.
O Conselho Regional de Contabilidade – CRC, possui autorização legal[2] para fiscalizar o exercício da profissão de contador, impedindo e punindo as infrações, devendo enviar às autoridades competentes relatórios sobre fatos que apurarem, cuja solução não seja da sua competência.
Nas suas atribuições, é permitido que o CRC exija informações e documentos que estejam em poder dos contadores, mesmo que seja de seus clientes, havendo quem afirme que isso não incorre em quebra do sigilo de dados.
O Código Civil[3] autoriza, desde que prevista em lei específica, que autoridades façam diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades obrigatórias exigidas por lei. Com esse permissivo, os Conselhos Regionais afirmam que seu Presidente é uma autoridade administrativa, com permissivo legal da lei da categoria, imbuído de fiscalizar a atuação dos profissionais de contabilidade.
Alguns sustentam que esse tipo de obrigação viola a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, bem como o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional - ambos dispositivos constitucionais[4] - já que prestar as informações e documentação de seus clientes não está adstrito ao âmbito de atribuições do CRC.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, numa decisão monocrática, decidiu[5] que o ato do Conselho de Contabilidade de requisitar dos contadores os livros e as fichas contábeis de seus clientes, a fim de promover a fiscalização da atividade contábil, não importa em ofensa aos princípios da privacidade e do sigilo profissional, pois o foco é verificar a observância, pelos profissionais contadores, das regras da rotina contábil, mas não o mérito da documentação. Afirmam, ainda, que a previsão legal dá permissivo para tais atribuições.
Com o devido respeito a opiniões contrárias, acredito que o permissivo legal incorre em inconstitucionalidade, ante a garantia constitucional da inviolabilidade do sigilo de correspondência e de comunicações telegráficas[6], que, num sentindo amplo, entende-se por toda as informações a vida da pessoa ou, para esse caso, concernentes ao exercício da empresa. Por mais que o CRC tenha que se ater sobre o exercício dos profissionais de contabilidade e não sobre o mérito dos documentos dos clientes, essa fiscalização não deve ser feita perante a documentação de empresários ou sociedades empresariais, que nada tem com o CRC, pois eles não são os contadores, estando além do poder polícia do Conselho.
Toda empresa deve possuir profissional de contabilidade ou empresa de contabilidade, para manter a uniformidade de seus livros em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico[7]. Essa obrigatoriedade faz com que o CRC possa ter acesso as informações de qualquer empresa ou sociedade empresarial, sob o fundamento de que está avaliando seus profissionais, o que, na minha humilde opinião, é demasiado poder sem fundamentação que permita.
Para o mister de avaliar se seus profissionais atuam de acordo com as obrigações legais, o Conselho deve desenvolver outras formas de fiscalização, envolvendo apenas a documentação dos profissionais inscritos em seus cadastros.
A natureza das garantias constitucionais não está sob o espeque do Estado avaliar o mérito ou não, mas sim de impedir o abuso de seus poderes ou o arbítrio discricionário, tal como acesso indiscriminado a informações que não dizem respeito a outrem.
Afirmar que o CRC pode analisar uma documentação privada, desde que não faça juízo de mérito, em um raciocínio de analogia extensiva, retira a natureza de variadas outras garantias, pois sob o escopo de procurar alguém em suposta atividade ilícita, o Estado poderia violar a casa, asilo inviolável, sem mandado judicial, já que não estaria julgando o mérito da ação criminosa desenvolvida ali, só estaria “fiscalizando” a legalidade de sujeito, aparentemente criminoso.
Destarte, por mais que haja irresignação com a atual conclusão, é de se afirmar que os Conselhos Regionais de Contabilidade possuem poderes de fiscalização de livros e documentos contábeis de empresário ou sociedade empresária em poder de contadores.
Referências:
[1] Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946
[2] Art. 10, c, idem
[3] Art. 1.192, Código Civil de 2002
[5] REsp 1566739 SC 2015/0288329-6