Página 316 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 22 de Abril de 2014

conseguindo ouvir os áudios, foi providenciada pela serventia, para facilitar, a anotação em cada CD da senha universal de acesso, o que seria desnecessário, caso os nobres defensores tivessem experiência no manuseio do programa. Ou seja, os defensores, repita-se, sempre tiveram acesso às escutas e, quando reclamaram da dificuldade com senhas, foi providenciada a diligência. Ainda que se acredite que antes da anotação da senha universal na frente de cada CD (extraídas das próprias mídias) não havia possibilidade de acesso, isso se deu mais de sessenta dias antes da audiência e mais de noventa antes do início do prazo para memorias. Daí, indaga-se: se esse período não foi suficiente para a análise das mídias, quanto seria? Qual prazo desejam os defensores para a análise das escutas de seus clientes? Seis meses? Um ano? E se assim se admitir, qual prazo seria do magistrado para a sentença, quando tem que analisar a escuta de todos os réus? Dois anos? Claro que não. Os prazos proporcionados foram por demais suficientes para a análise detalhada das provas. Para essa conclusão, basta observar que há peças defensivas com quase cem (100) laudas (como a do corréu Cezar de Freitas), e com mais de cinquenta (como a do corréu Ricardo), com farta e minuciosa analise das escutas. Sem contar que as transcrições com os principais trechos das escutas, mencionados na denúncia e que embasaram a acusação, sempre estiveram apensados aos autos, à disposição dos advogados. Também já foi decidido outrora que não há necessidade de transcrição integral das escutas, muito menos que sejam elaboras por perito oficial (fls. 981, item 2.2), bem como que não há exigência legal da elaboração de perícia de voz (fls. 984, item 5). Aliás, apenas uma Defesa havia contestado a voz antes do recebimento da denúncia (a do corréu César da Silva) e, estranhamente, nesta fase final do processo, várias Defesas passaram a sustentar o mesmo, quando, tecnicamente, não é adequado, nem conveniente, a realização de perícia de tamanha complexidade (ainda mais pelo período em que os réus presos aguardam julgamento). De qualquer forma, é maciço o entendimento jurisprudencial de que a transcrição integral é plenamente dispensável, bastando possibilitar à Defesa o acesso aos diálogos. Veja-se que nos autos do Habeas Corpus 197882/RJ, relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellize, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça deixou consignado que “consoante reiterada jurisprudência desta Corte, é prescindível a transcrição integral das interceptações telefônicas, sendo imperioso, tão somente, a fim de assegurar o amplo exercício da defesa, que se permita às partes o acesso aos diálogos captados, o que ocorreu na hipótese dos autos”. A mesma Quinta Turma, do Superior Tribunal de Justiça, foi ainda mais enfática nos autos de Habeas Corpus 268858/RS, julgado em 27 de agosto de 2013: “A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de ser prescindível a realização de perícia para a identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas, especialmente quando pode ser aferida por outros meios de provas e diante da ausência de previsão na Lei nº 9.296/1996. É prescindível a transcrição integral das interceptações telefônicas, sendo imperioso, tão somente, a fim de assegurar o amplo exercício da defesa, a degravação dos trechos das escutas que embasaram a peça acusatória. Precedentes do STF”. Enfim, a Lei nº 9.296/96 não exige a transcrição integral, muito menos que a escuta seja submetida à perícia para identificação de vozes, cabendo à parte interessada produzir prova sem sentido contrário. Ainda sobre as escutas, importante consignar que a lei supra citada é constitucional e prevê a interceptação telefônica como modalidade de prova lícita. No caso, ademais, a interceptação telefônica foi fundamentada e autorizada pelo Juízo das Execuções Criminais, com base nos documentos que instruíram a inicial da Medida Cautelar Sigilosa, tudo para se apurar a execução de um policial militar da cidade (cópias nos apensos). Havia indícios de autoria e a interceptação de comunicações telefônicas era necessária para a prova da prática delitiva. Tudo em consonância com o disposto na Lei nº 9.296/96, sem qualquer afronta ao inciso LVI, do art. e art. 136, ambos da Constituição Federal. Houve compartilhamento da prova produzida naqueles autos, ensejando as prisões em flagrante e as investigações que instruem estes. Como é cediço, a prova compartilha (ou “emprestada”) é perfeitamente aceita no ordenamento jurídico pátrio, bastando que se observe o contraditório e a ampla defesa, como no caso em questão. Nota-se que logo após a captação das escutas incriminadoras, os réus passaram a ser indiciados e interrogados pela autoridade policial, com ciência da acusação, até as defesas técnicas passarem a atuar e ter amplo acesso às mídias, como mencionado acima, já que, em razão da natureza sigilosa do procedimento, o contraditório é diferido. Na verdade, tecnicamente, não houve prova “emprestada”. Escutas telefônicas autorizadas judicialmente no curso de uma investigação acabaram por dar origem a mais de um processo-crime. Isso não é prova emprestada. E mesmo que se tratasse de prova emprestada de outro feito criminal, não haveria qualquer vício a inquinar a sua validade, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça: “Admite-se a utilização de prova emprestada no processo penal, desde que sobre ela seja possibilitado o amplo exercício do contraditório, como ocorrido na hipótese” (AgRg no Ag 1081379/RS; d.j. 13.10.2009). E em caso semelhante também decidiu aquela Corte: “Apesar de a prisão em flagrante do paciente haver se originado de interceptações telefônicas autorizadas no curso de inquérito policial em curso em outra comarca, não há dúvidas de que as transcrições das gravações de suas conversas foram anexadas aos autos e, portanto, disponibilizadas às partes para que pudessem impugná-las e sobre elas exercer o contraditório. O exercício do contraditório sobre as provas obtidas em razão de interceptação telefônica judicialmente autorizada é diferido para a ação penal porventura deflagrada, já que a sua natureza cautelar não é compatível com o prévio conhecimento do agente que é alvo da medida” (STJ - HC 171453/SP; d.j. 07/02/13). Restam, por fim, as nulidades suscitadas pelo corréu Cezar de Freitas, invocando infração às normas que regem a relação cliente/advogado. Sobre elas, o Juízo já se manifestou à exaustão, como se observa nas decisões de fls. 27/28 (apenso de liberação de objeto), 425 e 790/791. O sigilo, a ética, a inviolabilidade profissional, as prerrogativas e todos os outros direitos dos advogados não são absolutos. Quando as circunstâncias indicam que a relação é promíscua, que a condição profissional pode ter sido extrapolada a ponto de configurar participação em crime gravíssimo ou mesmo associação para a prática de crimes, quando o próprio profissional já não atua com ética e confunde a condição inicial e a função para qual foi contratado, os princípios que protegem a relação dão lugar aos princípios que regem o direito penal e o processo penal, como o princípio da legalidade, da culpabilidade, do devido processo penal, da busca da verdade real, dentre outros, em especial o direito de punir do Estado. Nesse sentido: APONTADA VIOLAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL DE ADVOGADA. CRIMES EM TESE COMETIDOS NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. POSSIBILIDADE DE INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS QUE NÃO SE REFIRAM EXCLUSIVAMENTE AO PATROCÍNIO DE DETERMINADO CLIENTE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Como se sabe, não existem direitos absolutos no ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual a suspeita de que crimes estariam sendo cometidos por profissional da advocacia permite que o sigilo de suas comunicações telefônicas seja afastado, notadamente quando ausente a demonstração de que as conversas gravadas se refeririam exclusivamente ao patrocínio de determinado cliente. 2. Há que se considerar, ainda, que o exercício da advocacia não pode ser invocado com o objetivo de legitimar a prática delituosa, ou seja, caso os ilícitos sejam cometidos utilizando-se da qualidade de advogado, nada impede que os diálogos sejam gravados mediante autorização judicial e, posteriormente, utilizados como prova em ação penal, tal como sucedeu no caso dos autos. Precedentes do STJ e do STF (STJ - HC 141062/RS; d.j. 20/09/11). Logo, infundadas as alegações de que a divulgação dos áudios feriu o sigilo profissional (mesmo porque não houve divulgação alguma pelo Juízo, visto que os autos correm em segredo de justiça), a liberdade de expressão, a inviolabilidade profissional ou de prerrogativas. Já o mandado de busca e apreensão cumprido no escritório e residência do advogado (fls. 188/190) observou todas as formalidades legais e era proveniente de decisão judicial fundamentada (fls. 185/186). No mérito a ação penal é parcialmente procedente. Como mencionado acima, a investigação policial teve início com objetivo de desvendar

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