Página 997 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 22 de Maio de 2015

sua privacidade. Mas, de outro lado, atento a toda uma tradição filosófica (dos estóicos, passando pela teologia cristã ao direito natural) que funda a dignidade humana numa visão heteronômica, indica o quanto ela não pode se dissociar de uma perspectiva coletiva em que o espaço interrelacional, de respeito mútuo à dignidade humana, é condição indissociável da compreensão individual desse valor como autonomia. Portanto, o direito ao reconhecimento da diferença, como expressão e afirmação de maior especificidade do princípio da dignidade da pessoa humana, é condição de um esforço desconstrutivo de representações sociais até hoje denegadoras de direito em relação a crianças e adolescentes em geral. Esse direito será também, pelo caráter principiológico da dignidade, igualmente o critério aferidor da legitimidade substancial da própria ordem jurídico-constitucional, seja para a aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico no que diz respeito a essas crianças e adolescentes. O desafio consiste portanto em se trabalhar com uma perspectiva de empoderamento a partir do reconhecimento de posições jurídicas a serem assumidas por crianças e adolescentes ao longo de seu processo sociocultural de desenvolvimento que lhes permita efetivamente um outro lugar social, garantindo-lhes, com a desconstrução de referenciais homogeneizantes, a passagem de um pensamento heterônomo a um autônomo, portanto de regras fundadas no princípio da autoridade e que não possam ser mudadas a outras, construídas e negociadas pelo consenso. Mais ainda, é este empoderamento das crianças no nível microssocial que lhes permite a participação na construção de si que as vincula numa perspectiva interacionista ao nível macrossocial da promoção de direitos sociais, econômicos e culturais. Segundo, cuida-se de avaliar até que ponto a regulação do art. 24 da LDB pela Resolução que embasa o ato coator é válida ou não. Ora, patente se torna a extrapolação do poder de regulamentar por parte do Secretário Estadual da educação. Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, invocado por Luciano FERREIRA LEITE, “em rigor, a matéria do regulamento, seu objeto, é a disciplina das situações em que cabe discricionariedade administrativa no cumprimento da lei, da qual resultariam diferentes comportamentos administrativos possíveis.” (Ato administrativo e direito dos administrados. SP, RT, 1981, p.91, apud O regulamento no direito brasileiro. SP, RT, 1986, p.30). Por conseguinte, segundo FERREIRA LEITE, “quando as normas legais estão dotadas de suficiente precisão, de forma que sua aplicação se efetive sem entraves às autoridades administrativas, torna-se prescindível, por desnecessária, a regulamentação. Isso porque, nesses casos, não pode a autoridade administrativa optar por soluções diversas e sua ação fica restrita, exclusivamente, ao editar o regulamento, em repetir, com vocábulos diversos, os enunciados da lei.” (ob. cit., p. 32). Desta forma, se o regulamento extrapola a moldura legal é inválido. É o que observamos, assim, no caso em apreço. Diante de uma permissão legal para a matrícula de crianças de seis anos de idade no ensino fundamental, o Executivo estadual procedeu à limitação, dentro daquele universo, apenas às crianças que completem seis anos de idade até data determinada, aleatória. Em sendo a educação um direito fundamental, de terceira geração, não pode o Regulamento limitá-lo quando a constituição e a lei autorizam que, havendo vagas, possam as crianças que se encontrem nesta condição proceder à sua matrícula. O objeto do regulamento é dar precisão à forma pela qual a administração pautar sua conduta. Poderia, no caso, ser objeto de regulamento, no caso a resolução, critérios pelos quais se analisaria como a demanda por faixa etária estaria ou não sendo atendida e, quanto às crianças de seis anos, procederem à escala para atendimento, dando, assim, prioridade àqueles que completem sete anos ainda no primeiro semestre em relação aos demais. Não foi isto, contudo, o que fez a Secretaria da Educação, limitando o acesso à educação de várias crianças, tout court, pautada em uma data de nascimento aleatória, sem amparo em lei. Isto posto, entendo que a impetrante demonstrou sua capacidade pelos documentos juntados e a objeção por parte da escola que frequenta a efetuar sua matrícula em etapa subsequente da educação básica, em razão do óbice colocado pela Secretaria de Estado da Educação. Violou-se, com isso, seu direito à educação, ao acesso a níveis mais elevados de ensino, conforme seu mérito. Com efeito, há entendimento do E. STJ no sentido de que, para a progressão, o critério de avaliação é individual, e não etário, sob pena de violação de preceito constitucional e direito fundamental de acesso ao ensino. Processo REsp 753565 / MSRECURSO ESPECIAL2005/0086585-2 Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 27/03/2007 Data da Publicação/ Fonte DJ 28/05/2007 p. 290 Ementa ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. ART. 127 DA CF/88. ART. 7. DA LEI N.º 8.069/90. DIREITO AO ENSINO FUNDAMENTAL AOS MENORES DE SEIS ANOS “INCOMPLETOS”. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1. O direito à educação, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. 2. O direito constitucional ao ensino fundamental aos menores de seis anos incompletos é consagrado em norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90): “Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: (...) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; (omissis)” 3. In casu, como anotado no aresto recorrido “a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prever, em seu art. 87, § 3º, inciso I, que a matrícula no ensino fundamental está condicionada a que a criança tenha 7 (sete) anos de idade, ou facultativamente, a partir dos seis anos, a Constituição Federal , em seu art. 208, inciso V, dispõe que o acesso aos diversos níveis de educação depende da capacidade de cada um, sem explicitar qualquer critério restritivo, relativo a idade. O dispositivo constitucional acima mencionado, está ínsito no art. 54, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente o acesso à educação, considerada direito fundamental. Destarte, havendo nos autos (fls. 88 a 296), comprovação de capacidade das crianças residentes em Ivinhema e Novo Horizonte do Sul, através de laudos de avaliação psicopedagógica, considerandoas aptas para serem matriculadas no ensino infantil e fundamental, tenho que dever ser-lhes assegurado o direito constitucional à educação (...)” 4. Conclui-se, assim, que o decisum impugnado assegurou um dos consectários do direito à educação, fundado nas provas, concluindo que a capacidade de aprendizagem da criança deve ser analisada de forma individual, não genérica, porque tal condição não se afere única e exclusivamente pela idade cronológica, o que conduz ao não conhecimento do recurso nos termos da Súmula 7 do STJ, verbis: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial”. 5. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o país. O direito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. 6. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e

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