Página 3111 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 14 de Dezembro de 2021

impedidos de ingressarem no Plenário para participarem das discussões sobre o tema, que é grande importância para a sociedade cubatense, em especial para os servidores públicos municipais, já que abarcam propostas sobre readaptação, licença-prêmio, férias, controle de ponto, anuênio, sexta-parte e deveres funcionais. Observa-se que o referido Projeto de Lei trata de matéria que impacta diretamente na vida do servidor público municipal de cubatão, sendo indispensável a ampla participação da categoria no processo legislativo. A participação popular no processo legislativo possui extrema relevância, a justificar a impetração do mandado de segurança, pois se trata de proteção ao direito do exercício de sua soberania e representação. A impetração está dirigida à defesa do direito à participação das categorias substituídas, no processo legislativo da proposição em testilha, ao fundamento de que as restrições circunstanciais à presença dos substituídos ou de seus representantes sindicais no parlamento configurariam violação àquele direito. No caso vertente, não considero plausível o impedimento de acesso ao impetrante (e seus representados) a sessão legislativa, sem que qualquer regulamento ou portaria que o justifique, ainda mais neste período de flexibilização e retomada das atividades presenciais, desde que tomadas as medidas sanitárias pertinentes para evitar a propagação da COVID-1, como o uso de máscara e álcool gel. A Constituição Federal brasileira de 1988 adotou a democracia semidireta ou mista, que pode ser definida como aquela em que, embora seja basicamente representativa, é direta na medida em que são assegurados mecanismos de participação direta do povo em determinadas decisões. Em seu art. 1º, parágrafo único, com singeleza à retórica, dispõe que: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A democracia deve ser entendida como o conjunto de instituições voltado a assegurar, na medida no possível, a igual participação política dos membros da comunidade. Sob essa óptica, qualquer processo pretensamente democrático deve oferecer condições para que todos se sintam igualmente qualificados a participar do processo de tomada das decisões com as quais presidida a vida comunitária: cuida-se de condição da própria existência da democracia e da coisa pública (res publicae): ou ela é de todos, indistintamente, ou de ninguém. O que não se pode chancelar é alguns poucos se assenhorando do público, em uma simbiose reprovável, em benefício do (seu) particular. Não se pode admitir num Estado Democrático de Direito a existência de favoritismos pessoais ou patrimonialismos de qualquer monta, isto é, “aquela forma de dominação tradicional em que o Soberano organiza o poder político de forma análoga ao seu poder doméstico”, como preleciona Raymundo Faoro em sua monumental obra “Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro”. Tem-se conceito ideal. Considerado o modelo liberal clássico de democracia representativa, exerce-se o poder apenas indiretamente pelos membros da sociedade e diretamente pelos representantes eleitos. A razão é simples: surge inviável, nas complexas e plurais sociedades contemporâneas, a tomada de decisões políticas diretamente pelos cidadãos. Firme nessa premissa, a soberania popular não é, necessariamente, autora das decisões fundamentais, mas, noutro giro, legitimadora do papel desempenhado pelos representantes escolhidos por meio do voto em eleições periódicas, na quais observado o sufrágio universal em processo justo e igualitário de escolha. Daí resumir a participação política dos cidadãos ao ato de votar é passo insuficiente ao fortalecimento da vitalidade prática da democracia, cujo adequado funcionamento pressupõe o controle, crítico e fiscalizatório, das decisões públicas pelos membros da sociedade. Povo que não a exerce não se autogoverna. Mais: longe de pretender negar o papel central exercido pelo processo popular de escolha de representantes, vale ter presente, na esteira de autores partidários da chamada democracia deliberativa, a impropriedade de reduzir-se a vida democrática à representação clássica de matriz oitocentista, devendo envolver “também a possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questões a serem decididas” (SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Deliberação Pública, Constitucionalismo e Cooperação Democrática. In: BARROSO, Luís Roberto (org.). A Reconstrução Democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 44). A efetiva deliberação pública racionaliza e legitima as decisões tomadas no âmbito da gestão política da coisa pública. Para tanto, surge imprescindível a criação de condições a franquearem, no debate público, idêntica oportunidade a todos os cidadãos para influenciar e persuadir em contexto discursivo aberto, livre e igualitário. A conclusão é linear: a igual oportunidade de participação política revela-se condição conceitual e empírica da democracia sob a óptica tanto representativa quanto deliberativa. Como ideal a ser sempre buscado, consubstancia-se princípio de governo a homenagear a capacidade e a autonomia do cidadão em decidir ou julgar o que lhe parece melhor para a definição dos rumos da comunidade na qual inserido - requisito de legitimidade de qualquer sistema político fundado na liberdade. Considerada a democracia participativa, observa Paulo Sérgio Novais de Macedo, “cidadão não é mero sinônimo de eleitor, mas de indivíduo participante, fiscalizador e controlador da atividade estatal” (Democracia participativa na Constituição Brasileira. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: nº 178, abril/junho de 2008, p. 187). Tais preocupações não passaram desapercebidas pelos integrantes da Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988), cuja Carta, produzida em meio a ricos e intensos debates, foi adequadamente chamada de Cidadã. “Estatuto do Homem, da Liberdade e da Democracia”, nas palavras de Ulysses Guimarães. O Diploma Maior expressa o reencontro da Nação com o Estado Democrático de Direito após longos anos de regime de exceção. Não por acaso, reverberando a definição clássica do regime democrático como “governo do povo, pelo povo, para o povo”, a redação do parágrafo único do artigo 1º não abre margem para dúvidas: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, como já consignado supra. E, mais. Por instrumentos da democracia participativa, compreende-se mais do que a corriqueira referência aos projetos de lei de iniciativa popular e aos institutos do referendo e do plebiscito, versados nos artigos 14, incisos I e II, 49, inciso V, 14, inciso III, e 61, § 2º, da Constituição Federal. Traduzem-se em toda e qualquer forma legal de controle, pela sociedade, dos atos da Administração, considerada a influência da atuação popular na formulação das decisões políticas e na gestão da coisa pública, fornecendo-lhes a necessária legitimidade democrática. Ao consagrar, junto aos mecanismos representativos, o princípio de participação direta na gestão pública, o texto constitucional, no que dotado de inequívoca força normativa, promoveu a emergência de diversos institutos alusivos à gestão ou fiscalização de políticas públicas. A leitura dos diversos capítulos da Lei Maior revela extenso rol de preceitos nos quais mencionada, expressamente, a “participação da comunidade” na gestão pública, notadamente na área da saúde - artigo 198, inciso III -, da seguridade social - artigo 194, inciso VIII -, da política agrícola, - artigo 187, cabeça -, da gestão democrática da educação - artigo 206, inciso VI -, e da assistência social, onde se estabelece, de forma específica, a participação da população “por meio de organizações representativas” na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis - artigo 204, inciso II. Em sede doutrinária, vale trazer à balha a lição de Enid Rocha em texto oportunamente denominado “A Constituição Cidadã e a institucionalização dos espaços de participação social”: [...] no tocante à democracia participativa, [a Carta de 1988] estabelece os Conselhos Gestores de Políticas Públicas, nos níveis municipal, estadual e federal, com representação do Estado e da sociedade civil, indicando que as gestões das políticas da Seguridade Social, da educação e da criança e do adolescente deveriam ter caráter democrático e descentralizado. Importante ressaltar que o dispositivo de emendas populares foi também utilizado nos processos de elaboração das constituições estaduais e das leis orgânicas dos municípios brasileiros, resultando na criação de conselhos municipais de gestão e controle de políticas públicas, com a participação de atores governamentais e não governamentais. A inscrição de espaços de participação da sociedade no arranjo constitucional das políticas sociais brasileiras apostou no potencial das novas institucionalidades em mudar a cultura política do país, introduzindo novos valores democráticos e maior transparência e controle social na atuação do Estado no tocante às

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