Página 1049 do Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF) de 23 de Março de 2018

Como se sabe, tais bens submetem-se a regime jurídico próprio, onde sobreleva o princípio da indisponibilidade do bem público. Neste viés, não tem o gestor público a possibilidade de transigir com o patrimônio sob sua administração, para o atendimento de interesses de particulares, o que importaria, em última análise, em improbidade administrativa e má gestão da coisa pública. Logo, boa-fé objetiva, para o gestor da coisa pública, é aquela que observa o ordenamento jurídico e protege a coisa pública, e não a que se submete a interesses particulares ou políticos. A propósito, não incumbe ao Judiciário realizar juízo de valor acerca de ?interesses governamentais?, o que seria análise da atuação política e discricionária do Executivo, mas apenas o estrito controle de legalidade do ato administrativo, mormente em se tratando de mandado de segurança, onde se presume a defesa de um direito líquido e certo do impetrante. O impetrante reclama da preponderância do interesse público sobre os seus próprios. Ocorre que a prevalência do interesse público sobre o particular é princípio jurídico elementar do direito público. Seu fundamento ético e jurídico é evidente: dado que o direito regulamenta a vida em sociedade, o interesse da maioria prevalece sobre o de particulares, em prol da sobrevivência digna e saudável de toda a coletividade. Inadequado seria prejudicar toda a coletividade em prol do atendimento dos interesses de um único indivíduo. O procedimento de regularização fundiária da área pública ocupada ilicitamente atende ao interesse público, que não apenas o dos ocupantes do bem público, mas de toda a comunidade, posto que com isso permite-se a fiscalização das construções, a correção de eventuais lesões ambientais, o estabelecimento de um ordenamento urbanístico mínimo, a oferta regular de serviços públicos diversos, além de diversos outros interesses coletivos que, repita-se, extrapolam a órbita dos interesses exclusivos dos ocupantes da área pública. Assim, a intenção de se postergar todo o procedimento de regularização à ultimação de todos os estudos de viabilidade ambiental não apenas prejudicaria os que ocupam área já reconhecida como passível de regularização, mas a toda a sociedade, que estaria obrigada a permanecer tolerando a ocupação ilegal do bem público por particulares, sem qualquer contraprestação. Logo, não se vislumbra qualquer violação à boa-fé objetiva, preocupação que, a rigor, deveria ter norteado a conduta do impetrante quando adquiriu o lote irregular de quem não era dono, não contra a pretensão do proprietário de perceber remuneração pelo uso de seu patrimônio. O impetrante afirma que o pagamento da taxa de ocupação implica prejuízo financeiro, por ser incerta a regularização, e que, tendo conhecimento da não regularização de seu imóvel, cuidaria de buscar imediatamente alternativas de moradia em local diverso. Ocorre que a exigência do pagamento da taxa é dirigida apenas a quem pretenda aguardar a conclusão dos estudos de viabilidade. Só que não há obrigação, mas a faculdade do impetrante de aguardar o cumprimento de sua expectativa. Não consta que a autoridade impetrada o esteja impedindo de buscar alternativas de moradia em local diverso. Se não concorda em pagar pelo uso pelos possíveis 6 anos de prolongamento dos estudos de viabilidade, tem o impetrante a opção de restituir imediatamente o imóvel à proprietária e buscar a alternativa para sua moradia. A situação de incerteza jurídica vivenciada pelo impetrante decorre de sua própria opção em adquirir imóvel em assentamento ilegal, não podendo se atribuir à Terracap as consequências e riscos do negócio firmado entre o impetrante e quem ofertou a venda a non domino do imóvel que ora ocupa. A alegação de que a pendência na dinâmica da regularização não pode ser atribuída aos ocupantes, mas exclusivamente ao poder público inverte a constatação, óbvia, de que não é o poder público, mas quem loteou e está ocupando o imóvel público de forma ilícita quem causou a situação de ilegalidade que será corrigida, a tempo e modo, pelo poder público, mediante o procedimento de regularização contra o qual o impetrante se insurge. A possibilidade in abstracto de o impetrante vir a ser realocado em outro imóvel, em caso de constatação de inviabilidade da ocupação atual, não o exime do pagamento do eventual outro lote. Ocorre que o mandado de segurança presta-se a tutela de direitos líquidos e certos, e não a meras expectativas de direitos, sujeitas a condições notoriamente incertas. Ademais, o acolhimento da pretensão de se determinar de pronto o abatimento das taxas para o pagamento de terreno a ser disponibilizado em substituição ao que seja declarado inviável importaria em sentença condicional, o que é vedado ao juiz, mormente em sede de mandado de segurança. Pela mesma razão, ou seja, a desfiguração de direito líquido e certo, não se pode afirmar, antes dos estudos técnicos cabíveis, que uma possível inviabilidade ambiental possa ser contornada por uma possível compensação ambiental. Repito: a mera possibilidade abstrata de condições incertas desqualifica, por mera decorrência lógica, a liquidez e certeza que se exige do direito a ser tutelado pela via do mandamus. Outra tese atrelada a condição incerta é a de que a exigência da taxa subordina-se à conclusão dos estudos pelo Ibram, caso constatem a inviabilidade da ocupação. Ora, a constatação da inviabilidade da ocupação não haverá de resultar na exigência da taxa de ocupação, mas na necessidade de remoção do impetrante e demolição da obra lesiva ao meio ambiente. A tese é inteiramente divorciada do legítimo propósito da taxa discutida, que é exatamente de conferir sustentáculo a situação duvidosa em que se encontra o impetrante. Sobre a alegação de violação à isonomia, cabe recordar que a igualdade só se aplica aos que estejam em situação fática e jurídica idêntica. Ocorre que a situação de quem está em local de duvidosa viabilidade ambiental não é a mesma de quem ocupa lote indubitavelmente passível de ocupação. Logo, dado que é o próprio princípio da isonomia que exige o tratamento desigual para quem esteja em situação desigual, não é difícil concluir que a exigência da taxa para quem esteja na situação do impetrante não viola, mas, antes, perfaz exatamente o princípio da isonomia. A rigor, a pretensão de só pagar o débito com desconto após a constatação da viabilidade não apenas Sobre a alegação de ausência de prazo para a assinatura do contrato de ocupação, não se vislumbra o prejuízo sofrido pelo impetrante, posto que, à falta de prazo para firmar o contrato, não pode ser compelido a fazê-lo de pronto, o que é, a rigor, uma vantagem, e não lesão. Neste descortino, a pretensão deduzida não representa direito líquido e certo, nem mesmo demonstra qualquer lesão de direito a ser reparada. Em face do exposto, denego a segurança. Sem custas e sem honorários. Brasília, 20 de março de 2018 16:22:40. CARLOS FREDERICO MAROJA DE MEDEIROS Juiz de Direito

N. 071XXXX-80.2017.8.07.0018 - MANDADO DE SEGURANÇA - A: CHARLES GOMES VIDEIRA. Adv (s).: DF39036 - LARA DENGER VIDEIRA. R: COMPANHIA IMOBILIARIA DE BRASILIA TERRACAP. Adv (s).: DF26944 - MARCUS VINICIUS FREITAS BARROS. T: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Adv (s).: Nao Consta Advogado. T: DISTRITO FEDERAL. Adv (s).: Nao Consta Advogado. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS VMADUFDF Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF Número do processo: 071XXXX-80.2017.8.07.0018 Classe judicial: MANDADO DE SEGURANÇA (120) IMPETRANTE: CHARLES GOMES VIDEIRA IMPETRADO: COMPANHIA IMOBILIARIA DE BRASILIA TERRACAP SENTENÇA Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Charles Gomes Videira, contra ato do Presidente da Terrracap. Alegou o impetrante que ocupa um imóvel no ?Condomínio Ville de Montaigne?, em vias de regularização, conforme edital de convocação para venda direta divulgado em 05/08/17; que uma das cláusulas do edital prevê que os imóveis ainda em vias de estudos de análise de viabilidade da ocupação, a serem desenvolvidos pelo IBRAM, são qualificados como em Área de Proteção Condicionada, o que sujeita os ocupantes ao pagamento mensal de taxa de ocupação, no valor de 0,5% do valor do imóvel; que a taxa é ilegítima, porquanto não instituída em lei; que a Terracap comprometerase a só iniciar a regularização após a ultimação dos estudos de viabilidade ambiental e geotécnica de todos os lotes; que a cláusula é impossível de ser cumprida, porque estabelece obrigação de pagamento de taxa de ocupação num momento em que não há manifestação do IBRAM sobre a viabilidade da ocupação e regularização; que as informações prestadas pela Terracap sugeria que a situação dos imóveis seria definida até outubro de 2017; que manifestou de pronto sua irresignação com a exigência de pagamento da taxa de ocupação; que a pendência que impede a regularização dos lotes não é atribuída aos ocupantes, mas ao próprio poder público, que também detém o interesse no processo; que o motivo da insurgência é a estipulação do prazo de 3 anos, renovável por igual período, do contrato de cessão de uso, o que importaria na perspectiva de pagamento por 6 anos, sem a expectativa de se legitimarem na propriedade; que, quando adquiriu o imóvel, assegurou-se da viabilidade ambiental, com base em estudos da UnB e informações da Administração Regional do Paranoá; que a Terracap violou a boa-fé objetiva ao executar a regularização lote a lote, e não em conjunto, como havia prometido; que está havendo a preponderância dos interesses públicos sobre o dos particulares; que a cobrança de taxa padece de razoabilidade, porque, em caso de inviabilidade da ocupação, a Terracap terá o compromisso de realocar o impetrante em outra unidade regularizada, e porque há a possibilidade de compensação ambiental; que a ocupação desordenada foi motivada pela inércia da Administração, e gera direito consolidado dos ocupantes em permanecer; que a cobrança da taxa de ocupação só pode ocorrer após a finalização dos estudos, à vista da conclusão pela inviabilidade da ocupação; que a cobrança da taxa ofende ao princípio da isonomia; que o edital não indica o prazo para a assinatura do contrato de convocação. Pediu o deferimento de liminar, para proibir a cobrança da taxa de ocupação instituída pela Cláusula 66.1 e seguintes do Edital de Convocação Para Venda Direta

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