Página 920 do Diário de Justiça do Estado do Paraná (DJPR) de 19 de Agosto de 2013

inaplicabilidade do CDC, impossibilidade de inversão do ônus da prova e repetição do indébito. Às fls. 148/150 foi proferida decisão que afastou as preliminares arguidas pelas partes, saneou a demanda, inverteu o ônus da prova e deferiu a produção de prova pericial. Realizadas as providências de praxe (nomeação de Perito, apresentação de quesitos pelas partes e depósito dos honorários periciais), foi apresentado laudo pericial às fls. 203/215. Após, a manifestação das partes, o Sr. Perito prestou esclarecimentos. Após a apresentação de memoriais finais pelas partes, vieram-me os autos conclusos para decisão. É O RELATÓRIO. DECIDO. I ? DO MÉRITO Trata-se a presente ação de Embargos à Execução através dos quais pretendem os Embargantes extinguir o feito executivo, ou, caso não acolhido o pedido anterior, ver afastadas as irregularidades praticadas pelo banco no seu débito. Em análise dos autos, conclui-se que assiste parcial razão aos Embargantes. Assim, vejamos. A) DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Primeiramente, cumpre dizer que as disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos contratos bancários, haja vista que as atividades desenvolvidas por estas empresas, por compreender o oferecimento de produtos e de serviços como fornecedora, nos termos consumeristas (artigos 3.º, caput, e § 2.º, do CDC), enquadra-se no âmbito das chamadas relações de consumo, fazendo, pois, incidir tal sistema de proteção ao consumidor/hipossuficiente. A matéria inclusive já foi sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça: Súmula 297: ? O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras?. No dia 07 de junho de 2006, o plenário do Supremo Tribunal Federal também apreciou o tema e concluiu que as relações de consumo de natureza bancária ou financeira devem ser protegidas pelo Código de Defesa do Co nsumidor (CDC) (ADI ? 2591). Desta forma, impõe-se o reconhecimento da incidência do CDC ao litígio deduzido neste feito. B) DA POSSIBILIDADE DE REVISÃO DOS CONTRATOS BANCÁRIOS E DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA Como é sabido, em regra, as obrigações contratuais assumidas possuem força vinculante e obrigatória, devendo ser devidamente adimplidas pelos contraentes. Com efeito, o contrato é obrigatório entre os estipulantes, como se fosse lei, consoante determina o denominado princípio do pacta sunt servanda. No entanto, em se tratando de contrato de adesão, a manifestação de vontade nem sempre é expressa de maneira clara, uma vez que a mesma é limitada à aceitação de condições pré-estabelecidas, havendo, pois, nítida restrição da liberdade contratual. O contrato que fundamenta a presente demanda caracteriza-se como contrato de adesão, pois já firmado em contrato-padrão, isto é, impresso. As cláusulas deste tipo de contrato são estipuladas unilateralmente, ou seja, por uma das partes contratantes, e submetidas à aceitação da outra que, tendo necessidade de contratar, firma o pacto sem dispensar maiores atenções para as disposições contratuais. Em decorrência, torna assente o entendimento de que a interpretação das respectivas cláusulas deve ser orientada em favor do aderente, de tal sorte que em tal espécie de contrato, o rigor do princípio do pacta sunt servanda não pode se sobrepor e prevalecer, mas, sim, deve ser abrandado, com a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário a fim de que seja restabelecido o equilíbrio contratual. Afinal, a inobservância de certas regras legais é capaz de afetar a comutatividade e, por consequência, a justiça contida na equação econômica inicialmente programada entre os contratantes, acarretando um enriquecimento sem causa à empresa financiadora, melhorando em muito a sua posição contratual, já que, em tempos de moeda estável, obtém um lucro especulativo bem acima da média dos índices oficiais que medem a inflação, trazendo ao devedor, de outro lado, um ônus demasiado, com indiscutível empobrecimento. No entanto, o fato do contrato ser de adesão não o torna nulo ou anulável, vez que basta expurgar dele eventuais cláusulas abusivas. Assim, vejamos. C) DA CAPITALIZAÇÃO/ ANATOCISMO Relativamente à capitalização de juros, indispensável o ensinamento de Arnaldo Rizzardo in Contratos bancários, p. 364: ? Conhece-se, ainda, a capitalização de juros, que é a soma de seu montante ao capital, para efeito de produzir juros, isto é, corresponde à operação que envolve o cálculo de juros sobre juros, adicionados ao capital?. A prática de cumulação de juros sobre juros é vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, admitindo-se tãosomente em hipóteses excepcionais, a saber, cédula de crédito rural (CCR), cédula de crédito comercial (CCC) e cédula de crédito industrial (CCI) - (súmula 93 STJ). Saliente-se, ainda, que a cláusula que prevê capitalização mensal encontra vedação no CDC, artigo 51, inciso IV, porquanto estabelecedora de obrigação abusiva e em desvantagem exagerada para o consumidor. Entretanto, com edição da medida provisória 2170/2001 ? ao menos em tese ? nos contratos celebrados após a vigência da referida norma a capitalização de juros passou a ser plenamente possível, porém, desde que expressamente pactuada. No entanto, a referida medida provisória é inconstitucional. Explico-me. Inicialmente, ressalte-se que compete tãosomente ao Supremo Tribunal Federal a realização do controle concentrado de constitucionalidade, qual seja, o controle realizado, por exemplo, mediante o manejo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN). Todavia, o Magistrado pode, ao julgar o caso em concreto, realizar, para aquela situação em específico, o controle de constitucionalidade. É o que a doutrina e a jurisprudência classificam como controle difuso de constitucionalidade. Feito este pequeno intróito, resta evidente, portanto, que na lide ora em tela perfeitamente possível o reconhecimento da inconstitucionalidade da medida provisória 2.170-36/2001. Passo, pois, a discorrer acerca dos fundamentos que levaram este juízo a se convencer da efetiva inconstitucionalidade daquele ato legislativo. A medida provisória 2.170-36/2001, conforme consta do próprio texto legal, ?Dispõe sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, consolida e atualiza a legislação pertinente ao assunto e dá outras providências?. Trata-se, pois, evidentemente, de medida que dispõe acerca de matéria atinente ao Sistema Financeiro Nacional. O art. 192 da Constituição Federal foi bem claro ao estabelecer que o Sistema Financeiro Nacional será regulado por leis complementares: ?Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram?. Por fim, o art. 62, § 1.º, inciso III da CF, vedou a edição de medidas provisórias dispondo acerca de matérias reservadas à lei complementar. Tem-se, portanto, que (I) a edição de medidas provisórias dispondo sobre matéria reservada a lei complementar é vedada; (II) o sistema financeiro nacional deverá obrigatoriamente ser disciplinado por lei complementar; (III) a medida provisória 2.170-36/2001 trata de matéria atinente ao sistema financeiro nacional. Evidente, portanto, a inconstitucionalidade da referida norma, eis que, como dito, matéria atinente a lei complementar não pode ser regida por medida provisória. Não obstante tal fato, a medida provisória também é inconstitucional por ausência dos requisitos da relevância e da urgência. Mais uma vez valendo-se do art. 62 da Constituição Federal temos que: ?Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetêlas de imediato ao Congresso Nacional?. A edição de medidas provisórias, portanto, somente será autorizada em caso de relevância e urgência. Ora, onde está presente a relevância e a urgência em se autorizar às instituições financeiras que compõem ao Sistema Financeiro Nacional cobrarem juros capitalizados, como disciplina o art. 5.º da medida provisória? ?Art. 5º. Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano?. É cristalino que não há qualquer relevância e urgência neste caso! Ademais, cumpre salientar que em julgamento proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça deste Estado, no Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade de nº 579.047-0/01, em 05.02.2010, declarouse a inconstitucionalidade do art. 5º MP 2.170-36/2001, senão vejamos: "INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA PROVISÓRIA -PRESSUPOSTOS FORMAIS - URGÊNCIA E RELEVÂNCIA - VÍCIO MATERIAL -MATÉRIA RESERVADA A LEI COMPLEMENTAR. 1. São pressupostos formais das medidas provisórias a urgência e a relevância da matéria. Há de estar configurada a situação que legitime a edição da medida provisória, em que a demora na produção da norma possa acarretar dano de difícil ou impossível reparação para o interesse público, notadamente o periculum in mora decorrente no atraso na cogitação da prestação legislativa. 2. Os vícios materiais referem-se ao próprio conteúdo do ato, originando-se de um conflito com regras estabelecidas na Constituição, inclusive com a aferição do desvio do poder. 3. É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria reservada a lei complementar.(...)". (TJPR, Inc. D. Inc. 579047-0/01, Órgão Especial, Relator Lauro Augusto Fabrício de Melo, j. 05/02/2010, por maioria, p. 26 a 66). Desta forma, diante do pronunciamento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça deste Estado, impõe-se o reconhecimento da inconstitucionalidade da referida norma, não mais se admitindo a prática da capitalização de juros, em periodicidade inferior a um ano, com base no art. 5º da MP 2.170- 36/2001. Apenas para complementar esta decisão, vale citar que se encontra em trâmite junto ao Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2316-1 que busca exatamente a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo ora em discussão. Até esta data, os Ministros Sidney Sanches (relator), Carlos Velloso, Marco Aurélio e Carlos Britto já lançaram seus votos pela concessão de liminar reconhecendo a inconstitucionalidade da medida, tendo os Ministros Menezes Direito e Carmen Lúcia votado de forma contrária. A votação encontra-se, portanto, com 04 (quatro) votos favoráveis e 02 (dois) contrários à inconstitucionalidade da medida. Com efeito, não há em nosso ordenamento jurídico autorização legal para cobrança de capitalização mensal de juros, com exceção das cédulas de crédito rural, comercial e industrial, razão pela qual esta deve ser excluída de toda a relação contratual ora em discussão na presente demanda, devendo, pois, ser refeito o cálculo de forma simples. De mais a mais, ainda que fosse constitucional a referida medida provisória, denota-se que não há no contrato previsão expressa para cobrança de juros capitalizados. E mais, a própria cédula indica que os juros foram capitalizados mensalmente, pois o pacto guerreado prevê taxa mensal de juros de 5,00%, porém anualmente a taxa é de 79,59%, conforme se vê à fl. 38, o que presume a cobrança de juros capitalizados, consoante o enunciado nº. 32 do extinto TAPR: Evidenciada a capitalização pela simples previsão de taxa nominal e taxa efetiva diversa de juros, impõe-se a cobrança de juros na forma simples. (STJ ? REsp nº 446916-Rs; TAPR ? Ap. Cível nº 216.904-4, 3ª Câm. Cível). Afora todo o já exposto, em razão da inversão do ônus da prova, cabia à parte Ré provar que a capitalização não ocorreu, situação esta que não se deu nos autos. Assim sendo, é mister seja expurgado da contratação os valores obtidos a título de capitalização devendo, pois, ser refeito o cálculo de forma simples. D) DOS ENCARGOS DE INADIMPLÊNCIA O contrato guerreado prevê expressamente a cobrança cumulada de comissão de permanência, multa (2%), e juros moratórios (1%), conforme cláusula ?10? do expediente de fl. 40. As partes efetivamente celebraram livremente a cobrança cumulada destes encargos para o período de inadimplência. A Súmula 294 do STJ é clara ao dispor sobre a possibilidade da cobrança de comissão de permanência: ?Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.? Todavia, a jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção, já sedimentou que é ilegal a cobrança cumulada de comissão de permanência, atualização monetária, juros remuneratórios, moratórios e multa, já que tal operação implica em um bis in idem. Neste sentido, o seguinte julgado: ?AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. AGRAVO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. PERÍODO DE INADIMPLÊNCIA. COBRANÇA ISOLADA. CABIMENTO. AFASTAMENTO DOS DEMAIS ENCARGOS DE MORA. SÚMULAS 30, 294 E 296/STJ. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CABIMENTO. DESNECESSIDADE DE PROVA DO ERRO NO PAGAMENTO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. AGRAVO REGIMENTAL MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. MULTA DO ART. 557, § 2º, DO CPC. 1. Consoante entendimento assente na 2ª Seção

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