Página 2658 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 14 de Abril de 2014

antes prestadas à autoridade policial dizendo, in verbis: “A ação de Valdemir foi uma das primeiras em que eu atuei pela assistência judiciária. A ação foi longa e vários recursos foram interpostos. Nos primeiros dois anos eu mantive contato constante com Valdemir até que ele me procurou dizendo que se mudaria para Pernambuco. Eu lhe passei os meus contatos e quando ele chegou ao Estado ele ainda manteve contato comigo por um ano e meio, aproximadamente, através de ligações que ele fazia de orelhões à cobrar. Depois disso eu perdi totalmente o contato com ele. Quem passou a me ligar quinzenalmente foi o irmão de Valdemir, chamado Esmeraldo. Em determinada ocasião a Usina Virálcool me procurou com uma proposta de acordo que eu transmiti a Esmeraldo. Ele disse que eu não poderia falar com o irmão dele porque ele estava morando em um sítio, mas que lhe transmitiria a proposta. Alguns dias depois Esmeraldo me ligou dizendo que Valdemir havia aceitado o acordo. Eu formalizei o acordo e recebi o dinheiro. Valdemir deixou de receber uma pequena parte do valor da condenação. Eu fui a mais prejudicada porque concordei em diminuir bastante o valor dos meus honorários. Alguns dias depois Esmeraldo ligou novamente dizendo que seu irmão havia se arrependido e queria todo o dinheiro da indenização. Eu pedi que Valdemir me ligasse, mas percebi que alguns dias depois Esmeraldo começou a ligar se identificando como se fosse o irmão. Eu passei a desconfiar e exigi dele uma prova de que Valdemir estava vivo. Ele desapareceu por um período e posteriormente entrou em contato comigo. Ele chegou a sugerir que eu transferisse o dinheiro para ele em troca de ‘um agrado por fora’. Eu não concordei e afirmei que receberia os meus honorários do Estado. No ano de 2008 Esmeraldo me ligou novamente dizendo que estava em Viradouro e pedindo que eu viesse até a cidade para resolver o problema. Eu disse que não podia porque tinha uma filha recém-nascida e pedi que ele fosse ate Ribeirão Preto, o que ele não fez. Eu até pensei em propor uma ação de consignação em pagamento, mas não o fiz porque não tinha o endereço de Valdemir no Estado de Pernambuco. Esmeraldo disse que me mandou os documentos do irmão por SEDEX em Ribeirão Preto. Isso realmente aconteceu, mas o envelope que eu recebi estava vazio. “Que eu saiba, Valdemir não tinha mais nenhum parente em Viradouro. Ele tinha vindo para a cidade para trabalhar na Usina. O valor que eu recebi sempre esteve à disposição de Valdemir. Eu não tive mais nenhum contato com Valdemir a partir de 2003 ou 2004” (fls. 230/231). A alegação de que a ré perdeu o contato com a vítima após a mudança desta para o Estado de Pernambuco não é verdadeira. Em verdade a ré jamais a procurou para informá-la sobre a proposta de acordo firmada, assim como jamais conversou a respeito da questão com o irmão dela. Valdemir Araújo Matias declarou em juízo: “que no ano de 1997 estava na cidade Viradouro no Estado de São Paulo trabalhando como cortador de cana-de-açúcar; que trabalhava para empresa Virálcool, e nesse mesmo ano, 1997, sofreu um acidente de trabalho, quando perdeu parte do seu dedo polegar esquerdo, após ser atingido por um falcão; que não tinha mais condições de executar aquele tipo de trabalho, resolveu vir embora para a sua cidade natal; que procurou o Fórum de Viradouro foi orientado a procurar a Advogada MARIA ANTÔNIA FRANCHONE PARMA; que ao procurá-la foi orientado providenciar alguns documentos e após os entregou a ela; que a acusada disse ao depoente que ingressaria com uma ação de indenização junto ao Fórum de Viradouro; que resolveu vir embora para o Estado de Pernambuco; que o seu irmão ESMERALDO sempre mantinha contato com a acusada procurando informações sobre o andamento do processo; que após algum tempo sem informações concretas sobre o processo, o irmão do depoente resolveu ir à Comarca de Viradouro, e lá a acusada disse ao seu irmão que o depoente teria o direito a receber uma quantia de aproximadamente R$ 82.000,00; que o irmão do depoente ao consultar o processo no Fórum de Viradouro descobriu que a acusada havia recebido uma quantia de R$ 4.000,00; que a acusada disse ao irmão do depoente que uma pessoa por nome de Mário teria dado um golpe nela, acusada; que o depoente nunca recebeu qualquer quantia da acusada nem de outra pessoa; que não tem conhecimento do valor exato da indenização a que tem direito, porque a informação de que seria R$ 82.000,00 foi repassada pela Advogada; que não conhecia a acusada, vindo a conhecê-la no momento em que ingressou com a ação; que a acusada passou a negar-se a atender os telefonemas do irmão do depoente, mudava de endereço; que a acusada não disse ao depoente que iria lhe reembolsar algum valor” - destaquei - (fl. 210). Esmeraldo de Araújo Matias, irmão da vítima, não confirmou em juízo que tenha autorizado a ré a firmar o acordo noticiado na denúncia em nome de seu irmão. Ao contrário, disse expressamente que “não soube que a acusada teria feito algum tipo de acordo com a empresa Virálcool; que no Fórum só informaram que o processo estava arquivado e que o valor da indenização já teria sido pago” (fl. 211). A testemunha só teve conhecimento dos fatos depois que ação de seu irmão já estava arquivada. A testemunha Messias Aparecido Zolim, funcionário do setor de recursos humanos da Usina Virálcool na época dos fatos, confirmou em juízo que emitiu o cheque copiado a fl. 139 e o entregou para o advogado da empresa para pagar o acordo firmado em nome da vítima Valdemir. Não há dúvida diante da prova dos autos que a ré praticou ambos os crimes que lhe são imputados. Ao ser constituída advogada de Valdemir, seja por ele próprio, seja através do convênio de assistência judiciária prestada às pessoas mais necessitadas, ela assumiu a obrigação de bem desempenhar os seus poderes, em benefício do próprio constituinte. Foi constituída para propor contra a Usina Virálcool uma ação de indenização por danos morais decorrentes de acidente de trabalho suportado pela vítima e de fato o fez. A petição inicial copiada às fls. 06/12 comprova a prestação dos serviços, exitosa de acordo com a sentença e o acórdão de fls. 33/43 e 65/72. Em benefício da vítima ela obteve a condenação da empresa requerida ao pagamento de uma indenização no valor equivalente a vinte salários mínimos (fl. 72). Referida decisão transitou em julgado, motivo pelo qual não se justificaria de forma alguma a formalização de um acordo para recebimento de quantia inferior àquela prevista no título executivo, mormente se considerada a absoluta solvabilidade da empresa requerida, uma usina de açúcar e álcool instalada na região, com patrimônio sabidamente milionário. Olvidando-se da obrigação que lhe unia à vítima a ré firmou com a empresa requerida o acordo de fl. 74, a revelia de Valdemir, aceitando o recebimento da quantia de R$ 4.200,00, correspondente a aproximadamente 40% do valor total da condenação. A alegação de que o acordo firmado é nulo porque não contava com a concordância da vítima, assistida pelo convênio de assistência judiciária, só reforça a conclusão da prática do crime de patrocínio infiel. Ao se inscrever no referido convênio a ré, advogada, tomou conhecimento de todos os seus termos. É pessoa esclarecida que não pode alegar desconhecimento deles. Ela tinha, portanto, conhecimento de que sequer poderia firmar o acordo sem a concordância do seu cliente. Fez ouvidos moucos aos termos do referido convênio e fiando-se na certeza da impunidade, eis que Valdemir não residia mais neste Estado da Federação, ela assinou sozinha o acordo de fl. 74, recebeu o cheque emitido pela empresa Virálcool e embolsou integralmente o valor nele representado, apropriando-se, portanto, indevidamente de um crédito que não lhe pertencia. A homologação de acordo eventualmente poderia ser até questionada judicialmente no bojo de uma ação rescisória durante o prazo decadencial, mas nem isso influi na sorte deste processo, cediço que as responsabilidades civil e criminal são independentes entre si. Após, mesmo procurada pelo irmão da vítima, a ré se manteve inerte e apresentando uma série de desculpas infundadas deixou de restituirlhe o dinheiro que somente àquela pertencia, bem como de ressarcir o restante do prejuízo que ela levou em razão da assinatura prejudicial e maliciosa do acordo referido na denúncia. Tenho como comprovados, portanto, a materialidade e a autoria de ambos os delitos. Passo à dosimetria da pena. Como bem destacou a acusação há se reconhecer uma reprovabilidade maior nas condutas praticadas pela ré em detrimento da vítima, o que demonstra maior culpabilidade. O engodo atingiu pessoa de poucas letras, pobre, lavradora e certamente extremamente necessitada do dinheiro apropriado, que possivelmente teria o condão de mudar-lhe a vida. Não fosse apenas isso a ré manteve-a em erro durante longo período apresentando ao seu irmão uma miríade de desculpas para evitar que ela tivesse conhecimento de que a sua ação indenizatória havia sido julgada e que o

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