Página 71 do Diário de Justiça do Estado do Pará (DJPA) de 4 de Agosto de 2015

Promotor de Justiça convocado, Dr. Hamilton Nogueira Salame, pronunciou-se pelo conhecimento e improvimento do recurso, mantendo-se a sentença hostilizada (fls. 202/211). Vieram-me conclusos os autos (fl. 211v). É o relatório. DECIDO Objetivando elucidar o cerne da questão, importante esclarecer que o Ministério Público ora apelado moveu Ação Civil Pública em favor da menor D. V. L. C., baseado no argumento de que a mesma é portadora de tumor encefálico, precisando se submeter a um procedimento cirúrgico. Após a breve exposição da situação fática, passo a análise das preliminares do recurso. Constato que as preliminares arguidas não têm razão de ser, haja vista que, quanto a preliminar de impossibilidade de condenação genérica, ressalto que a mesma não é genérica, pois, ainda, que não tenha especificado os medicamentos, são os mesmos relacionados ao caso narrados, qual seja, o tumor encefálico. Ademais, não se pode perder de vista, que tratandose de demanda envolvendo saúde, nem sempre é possível prever todos os medicamentos que serão necessários no curso do tratamento. Refuto, também, a preliminar de ilegitimidade passiva do Estado do Pará, visto que, a jurisprudência pátria já pacificou o entendimento de que é solidária a responsabilidade pelo fornecimento de medicação ou tratamento de saúde em geral dos entes públicos. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a apreciá-lo. Quanto ao mérito, melhor sorte não socorre à apelante. Em casos como os dos autos deve ser atendido o princípio maior, que é o da garantia à vida digna, nos termos do art. , inciso III, da Carta Magna. O direito à saúde, além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. Outrossim, há que se atentar para o fato de que a Constituição Federal de 1988 também atribuiu grande relevância para a saúde, no momento em que conferiu a esse Direito o status de Constitucional, declarando-o como Direito fundamental, ao dispor nos artigos e 196, como se observa abaixo: Art. 6º. São Direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a à infância, a assistência aos desamparados, na foram desta Constituição. Art. 196. A saúde é Direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. É valido salientar que, elevar um Direito à categoria de fundamental não representa apenas assegurar-lhe um discurso brilhante de forma, mas pobre de ideias. Da mesma forma, é bom revelar aos meus pares que a Constituição Federal, em seu artigo 227, define como prioridade absoluta as questões de interesse da criança e do adolescente. Nesse viés argumentativo, sendo o direito à saúde fundamental e indisponível e levando em consideração a prioridade absoluta que se deve dar à criança e ao adolescente, não pode o Estado, alegando insuficiência orçamentária, desobrigar-se de assegurar esses direitos tão essenciais, sob a justificativa de estar ofendendo o princípio da reserva do possível, ou seja, sempre deve ser assegurado a todos os cidadãos o mínimo existencial possível. Corroborando o raciocínio apresentado, é o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA 'RESERVA DO POSSÍVEL'. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO 'MÍNIMO EXISTENCIAL'. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). (ADPF 45/ DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004) Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. (STF - RE nº 195.192. Rel. Min. Março Aurélio, j. 22.02.2000) ARTIGO Direito à Saúde - Reserva do Possível - ¿Escolhas Trágicas¿ - Omissões Inconstitucionais - Políticas Públicas - Princípio que Veda o Retrocesso Social (Transcrições) (v. Informativo 579) STA 175-AgR/CE* RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE V O T O O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à saúde não podem ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário. O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção ao direito à saúde, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público, ainda mais se se tiver presente que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser (necessariamente) implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis. (Informativo 582 do STF). AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E FRALDAS DESCARTÁVEIS. NÃO CONFIGURAÇÃO DA PERDA DE OBJETO. LEGITIMIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. DESNECESSIDADE DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DOS PODERES. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. 1) Não configura-se a perda de objetivo argüida nas razões de apelação, porquanto necessária a confirmação da liminar deferida anteriormente à prolação da sentença. 2) Constitui-se em dever do Estado in abstrato o fornecimento de medicamento e fraldas descartáveis adequado a menor portadora de hidrocefalia e meningomiocele, bexiga neurologênica e refluxo renal, considerando-se a importância dos interesses protegidos (art. 196, CF). Diante da competência compartilhada dos entes federados para assegurar tal direito, não se pode falar em ilegitimidade passiva ad causam do Estado do Rio Grande do Sul. 3) Havendo prova inequívoca que convença da verossimilhança das alegações da apelada, ostenta-se necessário manter a decisão que determinou o fornecimento de fraldas descartáveis, porquanto, se assim não se fizer, há possibilidade de lesão grave ou de difícil reparação, em face das circunstâncias que envolvem a doença que acomete

a jovem. 4) As fraldas descartáveis, quando de uso continuado decorrente da patologia de que é portadora a menor, estão incluídas no conceito de medicamentos, porquanto se trata de material necessário à redução do risco de doença secundárias. 5) Não há falar em malferimento do princípio da reserva do possível na espécie, porque não se está exigindo nenhuma prestação descabida do Estado, mas, tão-somente, o fornecimento de tratamento indispensável à saúde da menor, já que seus responsáveis não podem prover as despesas com o tratamento. 6) Não há falar em violação ao princípio da separação dos poderes, porquanto ao Judiciário compete fazer cumprir as leis. 7) Tratando-se, a saúde, de um direito social que figura entre os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, impende cumpri-la independentemente de previsão orçamentária específica. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70026273375, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 10/12/2008) (Grifo meu) Como já referido, é certo neste conflito que se deve atentar ao princípio da proporcionalidade, buscando uma solução que não resulte na supressão de um direito fundamental, mas que também não inviabilize o sistema de prestação de serviços do Estado. Assim, ressalto que a sentença a quo não irá inviabilizar o sistema público de saúde, nem mesmo causar qualquer prejuízo comprovado ao orçamento público. No vertente caso, não se está pleiteando nada excessivo e supérfluo. O que se pretende é assegurar um mínimo existencial em favor da adolescente, capaz de garantir um patamar digno de sobrevivência. Em razão de ser solidária a responsabilidade entre os entes federativos, nenhum deles poderá invocar qualquer óbice com objetivo de se abster de fornecer os medicamentos necessários à adolescente interessada. No que tange a argumentação do apelante de que a Ação Civil Pública está fundada em norma de caráter meramente programático, é bom salientar que não merece guarida. Qualificar um dado direito como norma programática não significa lhe destituir de qualquer consequência jurídica. O direito constitucionalmente assegurado à saúde é revestido de força normativa e, acertadamente, gera consequências práticas. O jurista Patrick Menezes (A exigibilidade dos Direitos Sociais. UFPA. Pág. 50) lembra que, dessa forma, os Direitos sociais não estavam presentes na Constituição como um simples apelo ao legislador, ficando a cargo deste concretizar ou não os referidos Direitos. Na verdade, cria-se uma vinculação, na qual o caráter programático dessas normas constitucionais exala efeitos jurídicos, mais precisamente os de concretização. A própria Constituição Federal de 1988, no art. , XXXV, inclina pela judicialização da demanda referentes a todos os Direitos, dentre os quais estão os Direitos sociais, quando prevê que ¿a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça¿. Assim sendo, é cristalino o Direito do indivíduo em exigir judicialmente do Estado ações públicas voltadas

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