Página 595 do Diário de Justiça do Estado de Rondônia (DJRO) de 21 de Agosto de 2015

o princípio da legalidade recebeu outra roupagem no âmbito da Administração Pública, passando a ser assimilado o princípio da juridicidade. O princípio da juridicidade é o dever da administração pública atender aos comandos legais expressos e também aos princípios que norteiam o ordenamento jurídico.Neste prisma, o Município defendeu que não atuou ilicitamente. Aduziu que os documentos acostados nos autos sequer provam a suposta realização da laqueadura, sustentando que se trata de fato inexistente, eis que não existe elemento probante de que a cirurgia de laqueadura tenha sido realizada. Argumentou ainda, que os documentos médicos foram emitidos pelo Município de Cujubim, mas não pela municipalidade de Ariquemes. Assim, questionou-se a pertinência do prontuário acostados nos autos, haja vista que neste constam informações de outra intervenção cirúrgica (ortopédica), datada dos meses de agosto e setembro/2010, quando a autora Cirlene sofreu grave fratura no joelho da perna direta. Inferiu que isso vai ao desencontro da causa de pedir da presente ação porque deste processo não versa, em canto algum, acerca do equívoco quanto ao atendimento ortopédico.Neste afã, para determinar se há ou não responsabilidade do requerido pelos fatos alegados pela autora, temos como pontos controvertidos da lide, a existência do dano e o nexo de causalidade que ocasionou a ocorrência do evento danoso, o nexo causal entre a conduta dos servidores nos serviços médicos prestados à parte autora e os danos de ordem material e moral suportados pelos autores.Após examinar os autos, concluí que assiste razão ao requerido. Entendo que o mero preenchimento da autorização de laqueadura (fl. 18) não é o suficiente para comprovar a realização deste procedimento de esterilização, pois, conforme estipulado na Lei 9.263/96, não se realiza a cirurgia mediante simples requerimento da interessada. Na verdade, o preenchimento do requerimento junto à Assistência Social é apenas um dos primeiros passos que se exige pela lei, antes da realização da laqueadura.Existe um procedimento legal a ser obedecido, que é mais demorado e dependente da contemplação de formalidades, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce, havendo a necessidade de respeitar um intervalo de 60 dias, contados a partir do preenchimento da referida autorização para a realização da cirurgia.Além disto, a realização da cirurgia só se realiza se a paciente tiver condições de suportar o procedimento, sem risco à sua saúde e vida. Neste sentido, a Lei 9.263 veda a realização da laqueadura no parto, salvo em comprovada necessidade.O médico que realizou o parto foi ouvido em juízo (fl. 204/205) e disse que, embora não se recordasse especificamente do parto, inferiu do prontuário médico acostado nos autos que a autora apresentava quadro de risco “pré- eclâmpsia”. A própria autora reconheceu na exordial que sofre de hipertensão. Relevante citar parte da redação da Lei 9.263/96, in verbis:Art. Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.Parágrafo único. A prescrição a que se refere o caput só poderá ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre os seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia. Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações: I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.§ 1º É condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes.§ 2º É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.§ 3º Não será considerada a manifestação de vontade, na forma do § 1º, expressa durante ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente.§ 4º A esterilização cirúrgica como método contraceptivo somente será executada através da laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo vedada através da histerectomia e ooforectomia.§ 5º Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.§ 6º A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei.Art. 11. Toda esterilização cirúrgica será objeto de notificação compulsória à direção do Sistema Único de Saúde. (Artigo vetado e mantido pelo Congresso Nacional) Mensagem nº 928, de 19.8.1997Fica clara a ideia de que o procedimento cirúrgico de laqueadura, como forma de planejamento familiar, por prudência, exige a observância de certo lapso temporal entre o requerimento e a realização da cirurgia, sendo este período próprio à intervenção da Assistência Social para aconselhamento e orientação do casal. Logo, não basta a apresentação da “ficha de laqueadura” (f. 18) para comprovar que realmente a autora Cirlene tenha se submetido realização de cirurgia de esterilização. Na verdade, não constam dos autos nenhum documento relativo ao período de preparação que a lei determina que seja realizado antes da esterilização, muito menos prova da realização da cirurgia propriamente.De fato, assiste razão ao requerido em arguir a inexistência do fato, eis que não existe elemento probante de que a cirurgia de laqueadura tenha sido realizada.Infere-se do prontuário e demais documentos acostados nos autos que em outra data a autora recebeu tratamento ortopédico na rede pública de saúde do Município de Cujubim, não havendo sequer uma prova nos autos acerca da alegada laqueadura, procedimento este ao qual a autora não se submeteu. Isto ficou bem evidente no laudo pericial:fl. 187: “...Paciente não tem qualquer prova ou documento ou testemunha que tenha sido submetida a laqueadura. Consta apenas que foi submetida a cesareana (mesmo sem trazer documentos que comprovem a cirurgia, as provas físicas e o próprio recém nascido comprovam que houve parto cesáreo). Paciente apresenta apenas documento evidenciando desejo da laqueadura e autorização para tal procedimento. Esse documento é apresentado para que o procedimento tenha sido feito. Por não haver prova de que o procedimento foi realizado, não há como analisar se foi correto ou incorreto.(…) Em se admitindo que paciente tenha sido submetida a laqueadura, conforme consta no processo, e que o médico responsável tenha usado a técnica adequada (não existe descrição cirúrgica e portanto não há como afirmar a técnica utilizada), segundo a literatura o índice de falha da laqueadura é de até 2%, mesmo sendo realizada de forma correta Desta feita, vislumbro que a gestação da Sra. Cirlene, que gerou a menor Viviane Soares Ciqueira, nascida em 14/04/2012, não resultou da omissão tampouco da atuação do requerido (erro médico), pois restou provado nos autos que a autora sequer se submeteu à cirurgia de laqueadura no parto do filho nascido anteriormente (Sidnei Soares Ciqueira, nascido em 25/01/2010).Outrossim, o fato da cirurgia não ter se realizado, ainda que a autora tenha preenchido a “ficha de laqueadura” de fl. 18, não caracteriza omissão porque o requerido não estava obrigado a realizar a cirurgia, haja vista que a esterilização só se realiza se a parte interessada tiver atendido aos requisitos da Lei 9.263, sem que o procedimento lhe trouxesse algum risco à saúde, o que não é a hipótese.O regramento do artigo 37 § 6º da Constituição Federal, que versa sobre o dever de reparação objetivamente pela Administração Pública, presumiria o dever de indenizar desde que, havendo conduta lícita ou ilícita, ficasse demonstrado o nexo causal e o dano resultante do serviço

Figura representando 3 páginas da internet, com a principal contendo o logo do Jusbrasil

Crie uma conta para visualizar informações de diários oficiais

Criar conta

Já tem conta? Entrar