Sumário:
Fernando Dias Menezes de Almeida
1. Relativização da dicotomia “direito público-direito privado”
9. O tema da responsabilidade civil do Estado muitas vezes suscita na doutrina abordagens que partem da distinção entre concepções privatísticas e publicísticas, bem como apartações entre tratamento dado pelo direito civil e tratamento dado pelo direito administrativo.
Sem pretender contestar a possibilidade dessa espécie de abordagem, aliás, predominante, sugere-se neste trabalho um ponto de vista diferente.
Ou seja, admite-se que a opção teórica pelo uso da dicotomia “público-privado”, ou bem da ramificação do direito, consiste em um dos modos possíveis de abordagem científica da matéria.
Contudo, pelas razões a seguir expostas, com todo respeito ao pensamento distinto, entende-se não ser o caminho mais apropriado.
10. Desse modo, necessário fixar desde o início dois pressupostos teóricos fundamentais a presidirem os desenvolvimentos argumentativos subsequentes.
Em primeiro lugar, o afastamento da distinção “direito público-direito privado”, senão para efeito da consideração de certas características inerentes às relações jurídicas.
Em segundo lugar, a relativização do sentido científico da segmentação do direito em “ramos”.
11. Desenvolvam-se, pois, primeiramente, algumas considerações sobre a distinção “público-privado”. 1
A invocação da dicotomia “público-privado” remonta aos primórdios históricos do direito ocidental. Segundo Reynaldo Porchat, “a divisão do direito em público e privado provém de uma distinção fundamental, que existira em todos os tempos”. 2
Tomando em termos relativos essa afirmação, pode-se compreender que, na tradição das civilizações ocidentais, de base greco-romana, é inerente à visão da sociedade quanto à sua própria organização jurídica a percepção, de um lado, da existência de espaços e de assuntos que dizem respeito à interação de todos com vistas à coexistência em sociedade e, de outro, de espaços e de assuntos relativos à vida individual de cada qual ou a relações entre indivíduos que, isoladamente, não guardem relação imediata com o todo social.
Lembre-se, a propósito, a célebre distinção de Ulpiano, contida no Digesto (1.1.1.2), tal como citada e comentada por Reynaldo Porchat: 3
“Hujus studii duæ sunt positiones, publicum et privatum. Publicum jus est quod ad statum rei Romanæ spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem: sunt enim quædam publice utilia, quædam privatim ”.
Segundo esse jurisconsulto, são, portanto, duas as posições em que deve colocar-se o estudo do direito: uma concernente ao direito público, outra ao privado. Direito público é aquele que se refere ao estado dos negócios romanos, isto é, do governo da república. Direito privado é o que trata dos interesses dos particulares. E o …