113. Seguridade Social e a OIT

Autor: MARCO AURÉLIO SERAU JUNIOR Professor da UFPR. Doutor em Direito pela USP. A OIT – Organização Internacional do Trabalho, ainda que seu nome possa indicar uma perspectiva diversa, não se dedica tão somente ao âmbito do trabalho, em sentido estrito. Historicamente, também se dedica a outros temas que são próximos ou vinculados ao mundo do trabalho, mas constituem outras ciências. Ocupa lugar especial nesse campo de preocupações externas ao mundo do trabalho a agenda da OIT em relação à Previdência e Seguridade Social. Desde a Constituição da OIT, a partir do Tratado de Versailles, já podia encontrar certa preocupação com o tema da proteção social, a ver este trecho da Parte XIII, que coloca como suas missões “A prevenção do desemprego, (...) a proteção do trabalhador contra a doença, acidentes de trabalho, a proteção das crianças, dos jovens e das mulheres, garantia para a velhice e acidentes”. Porém, não havia explicitamente um sistema de garantia de renda, que aparecerá apenas anos mais tarde. A Carta do Atlântico (1942) influenciou a elaboração da Declaração de Filadélfia e as Recomendações 67 e 69 (1944), elaboradas na 26ª Conferência Internacional do Trabalho realizada pela OIT, sendo que estes documentos pela primeira vez acolhem e fomentam com maior ênfase a expansão internacional de políticas sistemáticas e integradas de Seguridade Social, conceito novo que não abrangia apenas os trabalhadores, mas segmentos mais amplos da população, através da inclusão de políticas preventivas e restauradoras, como cuidados médicos, e pela realização de serviços de proteção para mães e crianças (COSTA, 2017, 88-89). É inegável, aqui, a influência do Relatório Beveridge (1943), bem como da perspectiva de direitos humanos que passava a proliferar em virtude da Segunda Guerra Mundial (SERAU JR., 2019). Nos dias de hoje, a principal norma da OIT referente à Seguridade Social consiste na Convenção 102 (1952), conhecida como norma mínima de Seguridade Social, a qual é complementada pelas Convenções 118, que estabelece a igualdade de tratamento entre estrangeiros e nacionais, e 157, que trata da manutenção de direitos adquiridos ou em curso de aquisição, bem como pela Recomendação 167, referente ao estabelecimento de um sistema internacional para manutenção de direitos de Seguridade Social (COSTA, 2017, p. 198). A partir de uma perspectiva de universalidade, típica de direitos humanos, especialmente consagrada na Recomendação 67, almeja-se a proteção social de todos os trabalhadores, sejam eles empregados, autônomos ou trabalhadores rurais, bem como seus dependentes através de um sistema contributivo de seguro social, atrelado a um sistema não contributivo de assistência social, destinado aos inválidos, pessoas idosas, e viúvos, dentre outros. O modelo da OIT assegura um patamar mínimo de cobertura e traz um roteiro para sua implementação e ampliação progressiva (COSTA, 2017, p. 151). Em relação às contingências sociais cobertas, verifica-se que competiu à OIT a produção normativa e técnica, visto que a Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 25, I) limitou-se a mencionar, de modo mais genérico, os eventos doença, invalidez, viuvez, velhice e, em geral, “outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle” – o PIDESC, por sua vez, não faz menção expressa às contingências sociais protegidas. Nestes termos, os sistemas de seguridade social devem se adequar aos nove ramos de contingências consagrados na Convenção 102: doença; invalidez/deficiência, idade avançada e morte do provedor do lar; maternidade; manutenção familiar; desemprego; acidente de trabalho; pobreza e exclusão social. A Convenção 102, assim como as demais Convenções da OIT, assume caráter vinculante para os seus Estados Membros, obrigando-os a adequar seus ordenamentos jurídicos de sorte a incorporarem os padrões normativos internacionais. E, de fato, a maior parte dos países europeus e latino-americanos adotam o sistema de seguridade social preconizado na Convenção 102. Outrossim, mesmo alguns países que não a ratificaram acabam por adotarem-na como modelo ou influência (COSTA, 2017, p. 140-141). Atualmente, a OIT possui algumas preocupações específicas, que decorrem da nova morfologia do mundo do trabalho, a qual é derivada da reestruturação do modelo econômico capitalista observada nas últimas décadas em virtude de fatores como a globalização econômica, 3ª Revolução Industrial (cibernética, robótica, novos meios de comunicação, IoT – Internet das coisas, Indústria 4.0, trabalho através de plataformas digitais), desemprego estrutural, informalidade e uberização das relações de trabalho, etc. A superação do modelo econômico fordista implicou inúmeras consequências relevantes para o Direito do Trabalho e, no mesmo passo, também para o Direito Previdenciário, até então estruturado a partir do modelo produtivo fordista: economia pautada pelo setor industrial; cenário pleno emprego ou emprego duradouro; contribuições previdenciárias incidentes a partir da massa salarial; correlação da figura do segurado previdenciário com a do empregado trabalhista, dentre outras (OIT, 2019, p. 37). À questão estrutural da profunda alteração na morfologia do mundo do trabalho deve ser agregado o tema das migrações, que vêm adquirindo foro de centralidade nas discussões atuais sobre política externa e direitos humanos, e causa enorme impacto nas questões previdenciárias (SERAU JR., 2019, p. 226-231). Uma das agendas contemporâneas adotadas pela OIT em matéria de Seguridade Social, a partir da Recomendação 202 (2012), reside no fomento à implementação do PPS – Piso de Proteção Social (COSTA, 2017, p. 303-324), programa que encontra respaldo na Declaração da OIT sobre justiça social para uma globalização justa (2008), na Declaração de princípios e direitos fundamentais na relação de trabalho da OIT (1998) e também na própria agenda do trabalho decente (2008). O PPS consiste em um conjunto de transferências básicas ou direitos de acesso a bens e serviços essenciais, configurando uma proteção social adequada para todos, incluindo: acesso a cuidados de saúde, segurança de renda para os idosos e pessoas com deficiência, abono de família e segurança de renda no caso de desemprego ou para trabalhadores pobres (COSTA, 2017, p. 312). O PPS deve se adequar ao “ciclo de vida”, proporcionando uma rede de segurança básica de rendimentos nas fases de nascimento, infância, idade ativa e na velhice, sendo que na idade ativa, quando verificada a incapacidade de obtenção de rendimentos, o PPS deve abranger os casos de doença, desemprego, maternidade e invalidez (COSTA 2017, p. 320). O PPS demanda estratégias nacionais eficazes para estender a Seguridade Social em conformidade com as prioridades nacionais, mas sempre a partir de uma cobertura universal da população com níveis mínimos de proteção (dimensão horizontal), assegurando-se progressivamente o alcance de níveis mais elevados de proteção guiados pelas normas mais avançadas da OIT – dimensão vertical (COSTA, 2017, p. 313). ............................................................................................................................................. BEVERIDGE, Sir William. O plano Beveridge: relatório sobre o seguro social e serviços afins. Tradução de Almir de Andrade. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943. COSTA, José Guilherme Ferraz da Costa. Seguridade Social Internacional. Curitiba: Juruá, 2017. OIT – Organização Internacional do Trabalho (Comissão Mundial para o Futuro do Trabalho). Trabalhar para um futuro mais promissor. Genébra: OIT, 2019. SERAU JR., Marco Aurélio. Seguridade Social, 3ª ed., rev., ampl. e atual., Curitiba: Juruá, 2019. .............................................................................................................................................

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