Busca sem resultado
Processo Penal - Ed. 2023

Processo Penal - Ed. 2023

Capítulo 12. Do Processo

Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Sumário:

12.1. Natureza do processo

Processo é conceito que transcende ao Direito Processual. Trata-se de instrumento para o legítimo exercício do poder estatal. Há processo estatal não jurisdicional (administrativo e legislativo) e processo não estatal (por exemplo, processo disciplinar em clubes esportivos). 1

É possível resumir, brevemente, as principais teorias. 2 Com sabor meramente histórico, é possível lembrar as teorias do processo como contrato , típicas do direito romano, em que as partes se submetiam voluntariamente ao processo (litiscontestatio). Em tal momento, no qual inexistia uma jurisdição estatal, muito menos o Estado tinha poderes para impor autoritariamente suas decisões, sem tal negócio jurídico, as partes não estavam obrigadas a acatar a decisão. 3

De grande significado foi a mudança da concepção de processo a partir da obra de Bülow, A teoria das exceções processuais e os pressupostos processuais , publicada em Giessen, no ano de 1868, 4 que passou a conceber o processo como relação jurídica processual . Por certo, Bülow não criou a teoria da relação jurídica processual, 5 mas foi o primeiro a estudá-la de forma sistemática. Segundo tal concepção, o processo é uma relação jurídica entre juiz, autor e réu, que não se confunde com a relação de direito material trazida a juízo. Divergiu a doutrina sobre os vínculos de tal relação jurídica: seria uma relação angular, entre autor e juiz, de um lado, e juiz e réu, de outro, ou se a relação seria triangular, envolvendo vínculos também entre autor e réu? Trata-se de uma relação jurídica de direito público, 6 caracterizada por sua unidade, complexidade e dinamismo. 7

A relação jurídica processual é entendida como o conjunto de posições jurídicas ativas (direitos, poderes e faculdades) e passivas (obrigações, deveres, sujeições e ônus) que as partes possuem no processo. Trata-se de uma relação de direito público, progressiva e unitária. Do ponto de vista da conceituação do processo, a concepção de Bülow despreza o conceito de procedimento (aspecto externo), que até então era o único destacado pelos praxistas , passando a ver o processo apenas pelo seu aspecto interno, isto é, a relação jurídica processual. O processo é uma “relação de direito público , que se desenvolve de modo progressivo entre o tribunal e as partes ”, sendo, “se não falsa, bastante estreita” a concepção que destacava “aquele aspecto da noção de processo que salta à vista da maioria: sua marcha ou avanço gradual, o procedimento ”. 8

O transporte da teoria do processo como relação jurídica processual, do processo civil, para o qual foi originalmente formulada, para o processo penal, teve o grande mérito de destacar que o acusado não é só um objeto do processo, como outrora no procedimento inquisitório, mas um verdadeiro sujeito de direitos assegurados pela lei. 9 Assim, a teoria da relação processual não é, segundo Tornaghi, “apenas uma construção científica, mas, realmente, uma garantia contra os abusos do Poder Judiciário”. 10

Como não podia deixar de ser, a concepção do processo como relação jurídica processual não deixou de receber críticas.

A mais relevante delas foi formulada por Goldschmidt, que concebeu o processo como situação jurídica . 11 Em apertada síntese, o processo era visto como uma série de situações jurídicas, de vantagens e desvantagens.

Os laços jurídicos que se formam entre as partes são “expectativas de uma sentença favorável e perspectivas de uma sentença desfavorável”. 12 A expectativa de uma sentença favorável depende, geralmente , da prática de um ato anterior da parte interessada. Por outro lado, as perspectivas de uma sentença desfavorável dependem, sempre , da omissão de um ato processual da parte interessada. A parte que se encontra em situação de proporcionar uma vantagem processual, pela prática de um ato, tem a possibilidade ou ocasião ou oportunidade processual. Ao contrário, quando a parte tem que praticar um ato para prevenir uma desvantagem processual – em última análise, uma sentença desfavorável –, lhe incumbe uma carga . 13

Explica Goldschmidt que

“(...) se entende por direitos processuais as expectativas , possibilidades e liberações de uma carga processual. (...) As chamadas expectativas são esperanças de obter futuras vantagens processuais, sem necessidade de ato algum próprio, e se apresentam raras vezes no desenvolvimento normal do processo (...) A maior parte dos direitos processuais são possibilidades. Se entende por possibilidades a situação que permite obter uma vantagem processual pela execução de um ato processual (...) Se entende por “liberação de uma carga processual ” a situação em que se encontra uma parte que lhe permite abster-se de realizar algum ato processual sem temor de que lhe sobrevenha o prejuízo que costuma ser inerente a tal conduta”. 14

Todavia, expectativas , possibilidades e dispensas de uma carga processual não são direitos propriamente ditos, mas chances . 15

Por outro lado, a necessidade de uma atuação para prevenir uma desvantagem representa uma carga processual, que corresponde ao conceito material de dever ou obrigação, embora se trate de um imperativo do próprio interesse, e não de interesses alheios. 16

Todas essas categorias processuais representam situações jurídicas , isto é, “estado de uma pessoa com respeito ao seu direito do ponto de vista da sentença judicial que se espera conforme as leis”. 17

A posição do processo como situação jurídica representou, segundo seus adeptos, a incorporação da “epistemologia da incerteza”, na medida em que “a incerteza é constitutiva do processo e nunca se pode prever, com segurança, a sentença final”. 18

A teoria do processo como situação jurídica processual não alcançou a projeção que teve a teoria da relação jurídica processual, tendo esta última se tornado predominante.

Mais modernamente, na conciliação entre as posições extremas, que concebiam o processo somente como procedimento, ou posteriormente, apenas e tão somente como relação jurídica processual, o processo passou a ser visto como a soma desses dois aspectos. 19 Fala-se, então, em processo como procedimento mais relação jurídica processual . Como explica Dinamarco:

“(...) como método de trabalho, o processo tem o desenho de uma série de atos interligados e coordenados ao objetivo de produzir a tutela jurisdicional justa, a serem realizados no exercício de poderes ou faculdades ou em cumprimento a deveres ou ônus. Os atos interligados, em seu conjunto são o procedimento . O conjunto de situações jurídicas ativas e passivas que autorizam ou exigem a realização dos atos é a relação jurídica processual (poderes, faculdades, deveres e ônus). O processo, no modelo traçado pela Constituição e pela lei, é uma entidade complexa , integrada por esses dois elementos associados – procedimento e relação jurídica processual” . 20

Ou seja, o processo é uma sequência de atos interligados teleologicamente visando um ato final (procedimento – aspecto externo, sensível, formal) e também um conjunto de posições jurídicas ativas e passivas dos sujeitos processuais (relação jurídica processual – aspecto interno). O processo é a síntese da relação jurídica processual progressiva e da série de atos do procedimento, funcionam conjugadamente: a partir de uma posição jurídica, pratica-se um ato processual; dessa prática surge uma nova posição jurídica (geralmente da outra parte), que levará à prática de novo ato; surge então nova posição jurídica que permitirá a prática de um ato posterior, e assim sucessivamente até o ato final.

Nesse funcionamento integrado entre procedimento e relação processual, é o procedimento, por meio da preestabelecida sequência legal de atos, que dá unidade ao processo e determina o seu caminhar até o ato final, no ato derradeiro da sentença. 21 A relação processual somente representa um conjunto de posições jurídicas, mas não lhe determina a sequência, somente tendo em vista as posições jurídicas, que com elas se unificariam e caminhariam até o fato final do julgamento.

Na doutrina pátria goza também de grande prestígio a concepção de processo formulada por Elio Fazzalari, que conceitua processo como procedimento em contraditório . 22 Fazzalari nega a colocação da relação jurídica processual no conceito de processo, que não passa de um “velho e inadequado cliché pandectista”. 23 Considera essencial ao processo a participação dos interessados no provimento final, embora essa participação seja um elemento necessário, mas não suficiente do conceito de processo. 24 Essa participação se dá por meio do contraditório .

Para distinguir o processo do procedimento, não basta considerar que, no processo, há participação dos sujeitos que nele atuam. Isto é, não basta um procedimento plurissubjetivo, enquanto esquema de atividade em sequência e exercidos pelos sujeitos. 25 No processo, os poderes, deveres e as faculdades pelas quais se exerce a participação, são distribuídos pela norma, entre os participantes, de maneira a atuar uma efetiva correspondência e equivalência ente as várias posições. A esta estrutura corresponde o desenvolvimento dialético do processo: a simetria de posições subjetivas, a sua substancial paridade traduz-se, para todos os participantes, na possibilidade de interlocução não episódica e, sobretudo, de exercer um conjunto de controles, de reação e de escolha, bem como na necessidade de submeter-se …

Uma nova experiência de pesquisa jurídica em Doutrina. Toda informação que você precisa em um só lugar, a um clique.

Com o Pesquisa Jurídica Avançada, você acessa o acervo de Doutrina da Revista dos Tribunais e busca rapidamente o conteúdo que precisa dentro de cada obra.

  • Acesse até 03 capítulos gratuitamente.
  • Busca otimizada dentro de cada título.
Ilustração de computador e livro
jusbrasil.com.br
3 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/121-natureza-do-processo-capitulo-12-do-processo-processo-penal-ed-2023/1929470095