Busca sem resultado
Defesa do Executado

Defesa do Executado

1.5 Oposição aos atos executivos

Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

1.5 – Oposição aos atos executivos

1.5.1- Atos executivos – Tipicidade e atipicidade

Não tem sabor de novidade afirmar que o processo deve ser efetivo, que o direito de acesso à justiça não se encerra na obtenção da sentença de mérito, mas vai além, no sentido da realização prática do direito reconhecido na sentença. A preocupação dos processualistas com a efetividade do processo não é recente 1 e tampouco regional. José Rogério Cruz e Tucci, ao tratar da duração razoável do processo, noticia que a preocupação da ciência processual com a efetividade e com a duração do processo é universal, tanto em países da common law como em países da civil law. 2

Grande parte dessa sensação de inefetividade do processo advém das dificuldades de operar alterações concretas no mundo físico, justamente a matriz da função executiva. De fato, Comoglio aponta a “crônica e grave ineficiência dos meios executivos” como um dos principais obstáculos à efetividade do processo, 3 afinal, pouco importa à parte vencedora que seja reconhecido o direito à prestação se não se superar a mera declaração do direito.

A inspiração liberal clássica, que limitava sobremaneira os poderes do juiz e a possibilidade de ingerência do Estado sobre as vontades do indivíduo, contribuiu para o insucesso da execução. Como não se admitia a adoção de meios de execução indireta que atuassem sobre a vontade do executado para constrangê-lo ao adimplemento, tampouco se pensava em execução específica, pois, de acordo com o art. 1.142 do Código Napoleônico, toda obrigação seria resolvida em perdas e danos. A atividade executiva, dessa maneira, foi moldada para a expropriação, com suas conhecidas dificuldades. 4

Assim, falava-se em princípio da tipicidade dos atos executivos porque ao juiz somente era permitido agir segundo e conforme os estritos limites estabelecidos em lei, sem qualquer possibilidade criativa na adoção do meio que julgasse mais eficiente para a satisfação do credor. A previsão legal detalhada dos meios e atos executivos, inspirada no modelo liberal, servia como forma de tutela do executado. Apesar de se sujeitar aos atos de força do Estado, em contrapartida, o executado saberia, de antemão, quais seriam e como se desenvolveriam esses atos, em nítida limitação da atuação do Poder Judiciário para salvaguarda do patrimônio e da liberdade do executado.

Curiosamente, como relata Taruffo, foi o Código Napoleônico a inspiração para a superação desse dogma. A jurisprudência francesa, alargando o conceito de perdas e danos, passou a impor multa pelo atraso no cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, usando o disposto no art. 1.142 do Código como artifício para forçar o devedor ao adimplemento da obrigação. Nasciam as astreintes, típica forma de execução indireta, depois largamente utilizadas em outros sistemas jurídicos. 5

Outrossim, o surgimento de novos direitos e a percepção da natureza instrumental do processo conduziram a evolução das técnicas executivas à aproximação com as necessidades do direito material. Já não basta a previsão estanque de um método executivo único, aplicável, invariavelmente, em qualquer caso. Há a necessidade de adequação entre o direito que se pretende atuar e a forma de agir do Estado para concretizar esse direito. A atividade executiva deve adequar-se e adaptar-se às situações carentes de tutela, ou seja, se o bem jurídico pretendido é a entrega de um bem, então, ordinariamente, a busca e apreensão será mais adequada; se se pretende receber uma quantia, a penhora e a alienação de bens poderão dar resposta que satisfaça o credor etc. 6

Essa percepção pode conduzir a dois caminhos. A lei poderá moldar o procedimento de acordo com as necessidades ordinariamente razoáveis para a tutela de determinados direitos, ou, por outro lado, poderá ser utilizada uma fórmula aberta, com a atipicidade dos meios executivos, autorizando que o juiz, diante do caso concreto, molde a atividade executiva conforme determinem as peculiaridades da causa.

Exemplo da primeira opção é o modelo alemão, como expõe Taruffo, que parte de rígida tipologia dos meios executivos, conforme a obrigação exequenda. 7 Prevê-se a expropriação de bens para a execução por quantia, a busca e apreensão para a obrigação de entrega, a atuação por terceiro para obrigações de fazer fungíveis e execução indireta para as demais.

A modulação legal rígida, logicamente, pode trazer dificuldades práticas, pois é impossível antever todas as peculiaridades das situações concretas e conceber um modelo ideal que resposta satisfatória e uniforme para todos. A rigidez do sistema inibe (senão retira totalmente) o poder de adaptação das técnicas executivas às necessidades específicas que emergem das situações concretas e torna difícil a aplicação de técnicas eficientes para situações que não estejam previstas na legislação.

Outro caminho é a atipicidade dos métodos executivos, como ocorre com a injunction da common law, moldada de acordo com as necessidades individualizadas de cada caso, segundo as exigências do direito material em litígio, e com a marcante característica de liberdade criativa, às vezes dissociada do objeto da prestação. Por exemplo, em causas empresariais, é bastante comum que a injunction tenha caráter patrimonial, mas nada impede que sejam adotadas outras técnicas restritivas de direitos, como a proibição de realização de atos, a administração por terceiro imparcial, a apresentação periódica em juízo etc. 8

A grande vantagem desse sistema é a sua adaptabilidade e a liberdade criativa que se ao juiz que, diante das vicissitudes e particularidades de uma situação concreta, elegerá o método executivo potencialmente mais eficaz para a satisfação do exequente.

Pode-se afirmar que, modernamente, no modelo constitucional do processo civil brasileiro, em que se busca dar maior efetividade ao processo, a tipicidade deu lugar à atipicidade dos meios executivos, de modo que o magistrado poderá, conforme as peculiaridades do caso, implementar técnicas ou métodos executivos que não estejam expressamente previstos em lei, sempre pautado, frise-se, pelo devido processo legal e pela ponderação equilibrada dos valores em conflito.

Por isso os atos executivos hoje não se encerram naqueles que atuam diretamente sobre o patrimônio do devedor, independentemente de sua vontade. Atua-se executivamente quando são realizados atos de sub-rogação (desapossamento, transformação e expropriação) e atos de coerção, estes mediante a imposição de multas ou restrição de direitos. 9

É bem verdade que, especialmente no campo da execução de títulos extra-judiciais, o CPC/2015 preestabelece o método executivo concebido como ideal, adotando um sistema misto 10 de coerção e sub-rogação quando, por exemplo, determina que o executado deverá entregar a coisa sob pena de multa periódica, seguida de busca e apreensão (arts. 806 e seguintes); ou quando estabelece a multa periódica, aliada à possibilidade de realização do ato por terceiro, às custas do executado (arts. 816 e seguintes). Essa circunstância, todavia, não afasta a possibilidade de adoção de outras medidas executivas, em razão do método aberto previsto para o cumprimento de sentença e aplicável para as execuções de títulos extrajudiciais (art. 771, parágrafo único). 11

Com efeito, limitar a possibilidade de atuação do juiz na execução fundada em título extrajudicial, ao passo que se concede um amplo leque de possibilidades no cumprimento de sentença (ou mesmo no curso da demanda cognitiva, nos casos de antecipação de tutela), é esvaziar todo o sistema do processo autônomo de execução, obrigando o credor munido de título extrajudicial a optar pelo caminho da demanda cognitiva seguida de sua fase de cumprimento, como se o título extrajudicial nada fosse além de mero documento. Em outras palavras, é dizer que a eficácia do título extrajudicial é inferior àquela conferida pelo título judicial, sem qualquer amparo legal que suporte a afirmativa.

Assim, v.g., se a busca e apreensão é infrutífera, porque o bem está em local desconhecido, o juiz pode lançar mão de outras técnicas que constranjam o executado à entrega voluntária do bem, além da multa periódica, que pode ser completamente inócua em alguns casos; se a manutenção da conduta é interessante ao executado e a multa não é suficiente para dissuadi-lo de sua prática, a restrição de outros direitos pode ser um método adequado. Enfim, a possibilidade de moldagem das atividades executivas, conforme as particularidades da casuística, é importante ferramenta para superar as dificuldades práticas, e a atuação colaborativa das partes (especialmente entre juiz e exequente) é fundamental para se encontrar o método que torne a atividade executiva mais eficaz, com o menor sacrifício do executado, mas também com o menor sacrifício do exequente.

A atipicidade dos atos executivos representa um grande incremento dos poderes do juiz na condução da execução civil, o que, por via reflexa, conduz à necessidade de reconhecimento de um maior rigor no controle desses atos pelas partes, tema que ocupará o tópico subsequente.

1.5.2- Controle dos atos executivos

A outra faceta do aumento dos poderes-deveres do juiz na determinação dos atos executivos que serão levados a cabo para substituir a vontade do executado ou para incentivá-lo ao cumprimento voluntário (não espontâneo) da prestação é justamente a sua forma de controle e a limitação de atos excessivos. Ainda de acordo com a redação do CPC/1973, essa necessidade de controle efetivo foi bem percebida pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu como sói acontecer que é preciso assegurar ao executado o exercício do contraditório, mormente naqueles casos nos quais a lei não cuidou de estabelecer uma forma para o exercício do direito de defesa. 12

A orientação do STJ foi incorporada pelo CPC/2015 que, em diversas oportunidades, reforçou o direito de defesa do executado, como na previsão expressa do § 11 do art. 525 ou do § 1º do art. 917, por exemplo, reconhecendo que atos executivos podem ser (e geralmente são) praticados após o prazo comum para a manifestação da defesa típica (impugnação ou embargos) e, obviamente, que esses atos não podem por essa circunstância acidental ficar alheios a qualquer controle das partes.

A primeira constatação digna de nota é que o controle desses atos executivos se no âmbito do processo ou da fase executiva, isto é, do aspecto funcional, isso significa que eventuais excessos ou incorreções na definição ou na execução dos atos executivos devem ser considerados como “crises” do procedimento executivo, sujeitas, portanto, ao controle incidental, diretamente no bojo da execução, tal qual qualquer outra questão que renderia ensejo às decisões interlocutórias no processo de conhecimento. Vê-se, na linha do quanto assentado no capítulo 1 deste trabalho, que não há como negar a existência de efetiva atividade cognitiva e, consequentemente, do contraditório, durante todo o curso da execução civil.

Talvez o fato de que tais vícios não impliquem maiores consequências para a execução civil, porque não afetam a integridade da relação jurídica executiva tampouco o direito material subjacente –, tratando-se de questões apenas relacionadas ao “como” proceder da execução, justifique que esses atos sejam controlados sem a necessidade de um processo autônomo ou de um incidente cognitivo especificamente previsto.

Mesmo o controle da penhora que poderia servir para invalidar a assertiva supra, antes, a confirma. É reminiscência histórica que o ato de penhora esteja ar- rolado como um dos fundamentos da impugnação ou dos embargos, pois o prazo para a apresentação da defesa era deflagrado apenas após a realização desses atos executivos. Hoje, a expressa previsão legal que autoriza o controle desses atos no bojo da execução atesta que se trata de questão do procedimento executivo, cuja crise deve ser debelada naquela mesma relação processual. 13

De tudo isso se extrai o primeiro aspecto relevante do aumento dos poderes-deveres executivos do juiz, aliado à desnecessidade de segurança do juízo para manejo da defesa típica: há um inegável incremento do contraditório no seio da execução. Se se permite alguma liberdade criativa ao magistrado, de se conferir, para legitimidade e até mesmo para a efetividade do ato, a oportunidade de controle pelas partes.

E aqui não qualquer razão para limitar o exercício desse poder de controle. Diferente do que se referiu no tópico 2.4.1.1 ao se defender que a defesa de fundo esbarraria na limitação da prova, sob pena de subverter a lógica executiva, no controle dos atos executivos não pode haver limitação probatória. Se o ato é praticado ou determinado após o lapso temporal previsto para o exercício da defesa típica, e se se autoriza ao executado que se insurja contra esse ato diretamente na execução, por meio de simples petição, não é razoável lhe outorgar o meio, mas privá-lo dos mecanismos indispensáveis para uma defesa eficaz.

Sempre que para demonstrar os fundamentos da defesa contra o ato executivo o executado carecer de prova testemunhal, pericial etc., há de se reconhecer que essa prova não poderá ser negada pela simples circunstância de se estar em demanda executiva. Para evitar a conturbação do processo, é razoável que a prova seja tomada em autos apartados e sem o condão de suspender a marcha executiva em sua inteireza (talvez, possa suspender a prática daquele ato), mas não poderá ser indeferida com base no superado mantra da ausência de contraditório pleno ou atividade cognitiva in executivis. 14

Outro ponto relevante que ganha nova roupagem com o CPC/2015 é a maior exigência de fundamentação da decisão judicial, sempre que o ato executivo diferir do modelo legalmente estabelecido como ideal ou quando se optar por outra solução atípica, consoante permissivo do § do art. 536, como prime…

Experimente Doutrina para uma pesquisa mais avançada

Tenha acesso ilimitado a Doutrina com o plano Pesquisa Jurídica Avançada e mais:

  • Busca por termos específicos em uma biblioteca com mais de 1200 livros.
  • Conteúdo acadêmico de autores renomados em várias especialidades do Direito.
  • Cópia ilimitada de Jurisprudência, Modelos, Peças e trechos de Doutrina nas normas ABNT.
Ilustração de computador e livro
Comparar planos
jusbrasil.com.br
17 de Junho de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/15-oposicao-aos-atos-executivos-resposta-do-executado-defesa-do-executado/1267799203