3.1 Considerações gerais

3.1 Considerações gerais A Lei 13.058/2014, de 23.12.2014, não veio para inovar, mas para consolidar e dar efetividade à Lei 11.698/2008. Ainda que no campo normativo esta lei já tivesse rompido com o paradigma da guarda unilateral à mãe, avançando para um sistema dual de guardas centrado no interesse dos filhos e norteado para o reequilíbrio dos papéis parentais após a dissolução da sociedade conjugal, no plano empírico sua baixa aplicação pelos juízes e tribunais não permitiu que o desiderato normativo fosse alcançado. Tornou-se, portanto, uma lei com baixa eficácia social. Diversas foram as causas de sua baixa aplicação, desde a não compreensão do instituto até as numerosas exceções criadas para deixar de aplicar a guarda, todas estribadas na dicção do parágrafo segundo do art. 1.584 do CC, que assim dispunha: “§ 2.º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”. A expressão “sempre que possível” deu azo para que os aplicadores contornassem a regra e dessem continuidade ao paradigma da guarda materna, revelando assim resiliências de um Direito de Família marcado pelo modelo tradicional. As pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) evidenciaram de forma cristalina a tímida aplicação da guarda compartilhada no Brasil, ainda que esta contasse com grande apoio doutrinário. Segundo as estatística do Registro Civil lançadas anualmente pelo IBGE, no ano de 2007, portanto, anteriormente à vigência da Lei 11.698/2008, em 89,91% dos processos de dissolução da sociedade conjugal (separação e divórcio) a guarda dos filhos ficou com a mãe, ao passo que apenas 3,33% foram fixadas de forma compartilhada 1 . No ano de 2008, primeiro ano de vigência da lei, estes números pouco se alteraram: 89,34% das guardas foram fixadas de forma unilateral à mãe e 4,02% de forma compartilhada entre os genitores 2 . Os dados se alteraram de forma pouco expressiva nos anos de 2009 (88,06% e 4,69%, respectivamente) 3 , 2010 (88,05% e 5,36%) 4 , 2011 (88,23% e 4,76%) 5 , 2012 (86,55% e 5,6%) 6 , 2013 (86,26% e 5,88%) 7 e mesmo em 2014 (85,1% e 7,5%) 8 . Foram essas as razões que levaram o Congresso Nacional a aprovar a Lei 13.058/2004, cujo objetivo foi justamente o de garantir a aplicação da guarda compartilhada. A lei teve origem no PL 1009/2011, de autoria do Deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), cuja justificativa se apresenta sobretudo voltada a excepcionalidade com que os julgadores aplicam a guarda compartilhada, que embora deveria ser a regra, tornou-se medida excepcionalmente aplicável aos casos em que houvesse uma relação harmônica entre os genitores da criança ou do adolescente. Extrai-se da justificação, salutar à compreensão do projeto: “Ocorre que alguns magistrados e membros do ministério público, têm interpretado a expressão ‘sempre que possível’ existente no inciso em pauta, como ‘sempre que os genitores se relacionem bem’. Ora nobres parlamentares, caso os genitores, efetivamente se relacionassem bem, não haveria motivo para o final da vida em comum, e ainda, para uma situação de acordo, não haveria qualquer necessidade da criação de lei, vez que o Código Civil em vigor a época da elaboração da lei já permitia tal acordo. Portanto, ao seguir tal pensamento, totalmente equivocado, teria o Congresso Nacional apenas e tão somente desperdiçado o tempo e dinheiro público com a elaboração de tal dispositivo legal, o que sabemos, não ser verdade. (...) a suposição de que a existência de acordo, ou bom relacionamento, entre os genitores seja condição para estabelecer da guarda compartilhada, permite que qualquer genitor beligerante, inclusive um eventual alienador parental, propositalmente provoque e mantenha uma situação de litígio para com o outro, apenas com o objetivo de impedir a aplicação da guarda compartilhada, favorecendo assim, não o melhor interesse da criança mas, os seus próprios, tornando inócua a lei promulgada”. Aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto seguiu para o Senado Federal como PLC 117/2013, obtendo parecer favorável da Comissão de Constituição de Justiça e da Comissão de Direitos Humanos daquela casa legislativa. O parecer apresentado pela Comissão de Direitos Humanos, de relatoria da Senadora Angela Portela, bem revela a finalidade do projeto: “o mérito central desse projeto é o de restituir a intenção do legislador quanto à efetividade do instituto da guarda compartilhada. Anda muito bem o autor ao interpretar a guarda compartilhada como solução para os casos de conflito entre os ex-cônjuges, não se devendo evitar seu uso quando da existência de discórdia. Ao contrário, trata-se de coagir à sua aplicação, e a solução encontrada para isso é eficaz. O coração do projeto está, portanto, na redação que propõe para o § 2º do art. 1.584 do Código Civil, de modo a deixar clara para os juízes a obrigação de decretar a guarda compartilhada, desde que, como bem diz o projeto, ambos os pais possam exercer o poder familiar e desejem exercitar a guarda”. Assim que aprovada, a nova legislação foi alvo de elogios e críticas. À guisa de exemplo, o juiz e doutrinador Pablo Stolze Gagliano, em entrevista ao Conjur de 23.12.2014, afirmou que o projeto lhe trouxe algumas preocupações, sobretudo em razão da obrigatoriedade do modelo. Segundo o magistrado, a lei não poderia simplesmente impor o modelo da guarda compartilhada, chegando a ponderar sobre a constitucionalidade da lei face o princípio da proteção integral da criança e do adolescente 9 . De outro lado, a juíza Ângela Gimenez teceu grandes elogios a alteração legislativa, afirmando que sua aplicação de forma “automática” prestigia o poder familiar dos genitores e dissipa anterior posicionamento pelo qual o modelo compartilhado pressupunha um bom relacionamento entre os genitores 10 . Para além de estabelecer a obrigatoriedade da guarda compartilhada, inclusive para as situações em que não houver acordo entre os genitores, a nova lei trata também de questões nevrálgicas como a divisão do tempo de cada genitor em companhia dos filhos, a cidade de moradia quando não houver identidade entre os pais, o direito à prestação de contas objetiva e subjetiva de questões atinentes ao filho comum, o dever dos estabelecimentos públicos e privados de prestarem informações sobre as crianças e adolescentes a ambos os genitores, independentemente do modelo de guarda adotado, dentre outras alterações que serão analisadas de forma individualizada. IBGE. Estatística do Registro Civil. Rio de Janeiro, v. 34, 2007. Idem, v. 35, 2008. Idem, v. 36, 2009. Idem, v. 37, 2010. Idem, v. 38, 2011. Idem, v. 39, 2012. Idem, v. 40, 2013. IBGE. Estatística do Registro Civil. Rio de Janeiro, v. 41, 2014. Entrevista disponível em: www.conjur.com.br/2014-dez-23/projeto-guarda-compartilhada-trara-aumento -demandas-judiciais Igualdade parental. Entrevista veiculada na Revista IBDFAM, 18ª ed., janeiro de 2015, p. 5-8.

Guarda Compartilhada: Um Novo Modelo de Responsabilidade Parental

Uma nova experiência de pesquisa jurídica em Doutrina. Toda informação que você precisa em um só lugar, a um clique.