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Tributação na Omc - Ed. 2023

Tributação na Omc - Ed. 2023

4.1.1.1.. Artigo I (Tratamento da Nação Mais Favorecida – Nmf)

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Sumário:

“A estrutura de qualquer obrigação de não discriminação, incluindo o tratamento nacional e o tratamento da nação mais favorecida, consiste em dois elementos principais que são de natureza comparativa. O primeiro elemento de ‘tratamento menos favorável’ requer uma comparação entre os tratamentos concedidos aos objetos em questão (que são, no caso do comércio, importados, versus bens e serviços nacionais), a fim de avaliar se um é tratado menos favoravelmente do que o outro. O segundo elemento de “similaridade” exige uma comparação entre os objetos do tratamento.” (TL)

Nicolas Diebold 1

O alcance das regras substantivas contidas no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e no Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), que têm repercussões em aspectos fiscais dos Estados-membros da OMC, será apreciado neste capítulo. O Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASCM) será analisado, particularmente, no tocante à questão dos subsídios enquanto incentivos fiscais que podem permitir às empresas reduzir sua carga tributária e obter vantagem competitiva desleal no ambiente dos Acordos da OMC. Ao estabelecer o alcance das obrigações substantivas da OMC em questões fiscais, é possível delimitar e orientar eventuais autoridades tributárias (sujeitos ativos) e prescrever reformas tributárias internas que se coadunem com aquilo que foi pactuado nos acordos da OMC. Essa delimitação do conteúdo fiscal das normas da OMC será importante também para aqueles que ficam sujeitos às reformulações ou mudanças de regras tributárias, pois poderão apreciar a sua consonância com os acordos da OMC.

Os acordos da OMC desempenham um papel relevante, enquanto delimitam a regulação da utilização de medidas fiscais, especialmente quando as medidas repercutem sobre o movimento internacional de bens, serviços, capitais, pessoas e tecnologia. A ampliação do escopo da OMC em matéria de comércio e investimento exacerbou o potencial de conflito entre os acordos e as normas jurídicas fiscais, nacionais e internacionais. Desse modo, a despeito da soberania fiscal dos Estados-membros da OMC para estruturarem as suas normas da maneira que julgarem mais conveniente, a verdade é que essa liberdade dos membros para decidirem suas próprias políticas fiscais internas está delimitada pelos acordos da OMC. Portanto, não surpreende que as disputas relativas à tributação estejam a tornar-se mais frequentes na OMC, evidenciando, em alguns casos, inconsistência entre as medidas fiscais dos Estados-membros e os acordos da OMC 2 .

Para esta parte, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) será um ponto de partida útil para iniciar a discussão dos textos jurídicos. Para efeito de interpretação de normas jurídicas de direito internacional, as disposições pertinentes da Convenção de Viena são os arts. 31 e 32. As regras de interpretação costumeiras sobre o Direito dos Tratados requerem que, na determinação do significado de certo termo de um tratado, esse sentido deva ser definido no contexto do seu objeto e propósito. Só se a abordagem do art. 31 deixar o sentido ambíguo ou obscuro é que se justifica recorrer aos travaux préparatoires do tratado em questão 3 .

Neste momento, cabe ressaltar que o desígnio da interpretação é determinar a intenção dos redatores e, para isso, serão usados todos os meios disponíveis para encontrar (ou lograr aproximar) as verdadeiras intenções dos negociadores de um tratado. Essa abordagem coloca grande ênfase no próprio texto como ponto de partida para a interpretação, método referido no texto 4 . Para aplicar essa regra geral, é necessário ter em conta a história da OMC e entender que a interpretação textual é o primeiro passo para garantir a aplicação fiel das regras acordadas nas negociações, mesmo que essas regras estejam incompletas ou não se mostrem otimamente eficientes 5 .

O decano e mais citado dos acordos, o GATT, restringe aos membros a imposição de tarifas (impostos de importação) e quotas (sobre a quantidade de mercadorias importadas). Como se verificará em mais detalhe na sequência, o art. I define a cláusula do tratamento geral da nação mais favorecida (NMF), prescrevendo que as concessões feitas bilateralmente devam ser estendidas a todas as outras nações do GATT. O art. III trata de normatizar a cláusula do tratamento nacional em matéria de tributação interna e regulamentação, que diz: “Os produtos do território de qualquer Parte Contratante, importados por outra Parte Contratante, não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie, superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares .” Para essas obrigações, há inúmeras exceções, prescritas nos artigos XVII (empresas comerciais estatais), XVIII (assistência governamental ao desenvolvimento econômico), XX (geral), XXI (segurança) e XXIV (acordos regionais e de livre-comércio). Adicionalmente, como se esclarece no art. XVIII, uma parte contratante cuja economia só possa suportar baixos padrões de vida e esteja em estágio inicial de desenvolvimento será livre de se desviar temporariamente das disposições dos demais artigos do GATT.

Além do GATT, outros acordos multilaterais da OMC incluem o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASCM), o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) e o Acordo sobre os Aspectos das Medidas de Investimento Relacionadas com o Comércio (TRIMs), que também serão apreciados. Esses acordos contêm, geralmente, uma cláusula básica de nação mais favorecida, mas o GATS, por exemplo, prevê no art. XIV uma exceção geral para questões tributárias relativas à imposição e à cobrança efetiva e equitativa de impostos diretos, bem como para as CDTs (double tax treaties). Por sua vez, o ASCM da OMC proíbe certos tipos de incentivos, fiscais ou outros, relativos às indústrias de exportação.

As regras da OMC refletem três princípios fundamentais, nomeadamente, a não discriminação , a previsibilidade e a transparência , que se encontram nos principais artigos do GATT e seus acordos subsidiários associados, mas se estendem também ao acordo de GATS e TRIPS 6 .

Como observação geral, o GATT e outros acordos da OMC indicam uma forte preferência por normatizar os tributos em detrimento de outras formas de barreiras comerciais. Geralmente, os tributos são mais transparentes do que as restrições quantitativas, de sorte que, uma vez eliminadas ou convertidas em impostos, a subsequente liberalização do comércio torna-se mais fácil, por meio de sucessivas negociações para reduzir as barreiras quantitativas.

4.1. Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT)

“O GATT é um contrato altamente incompleto. Em particular, deixa a determinação do que é admissível e não admissível de medidas internas às entidades adjudicantes... O GATT é um contrato inerentemente econômico, e sua interpretação adequada não pode ser abordada sem uma visão (teoria) das forças econômicas, e do ambiente regulatório geral que procura influenciar.” (TL)

Henrik Horn & Petros C. Mavroidis 7

Esta parte trata das regras contidas no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), que podem ter alguma ressonância tributária. O GATT, que só diz respeito ao comércio de mercadorias, prescreve três princípios fundamentais, (i) a não discriminação , (ii) a previsibilidade e (iii) a transparência . As regras resultantes desses princípios refletem-se principalmente nos artigos I (tratamento geral da nação mais favorecida), II (listas de concessões), III (tratamento nacional no tocante à tributação e regulamentação internas) e X (publicação e aplicação dos regulamentos relativos ao comércio). Esses artigos são, indiscutivelmente, os mais relevantes para a definição das políticas tributárias e fiscais e, por isso, mereceram uma análise mais pormenorizada.

No que diz respeito à previsibilidade, em conformidade com o disposto no art. II (lista de concessões), um membro da OMC é obrigado a não aumentar os impostos fronteiriços, na forma de tarifas, acima das alíquotas especificadas nas negociações do GATT e incorporadas no seu cronograma de concessões. As tarifas acordadas são conhecidas como alíquotas vinculadas. O objetivo é proporcionar maior segurança comercial pelo estabelecimento de um limite máximo de tarifas que não possam ser violadas. Por outro lado, não existe no GATT tal obrigação de vincular os impostos à exportação, embora alguns membros recentes, como a China, o Cazaquistão e o Vietnam, tenham concordado, nos protocolos de adesão, em restringir a sua utilização desses impostos 8 .

A pedra angular do GATT, bem como de outros acordos da OMC, é o princípio da não discriminação , que tem dois aspectos, nomeadamente: o tratamento da nação mais favorecida (NMF) e o tratamento nacional (TN) 9 . Diante de tais aspectos, as concessões oferecidas aos bens de um país devem ser concedidas a bens similares de todos os países, incluindo aquelas ofertadas a países que não são membros da OMC.

Assim, a cláusula da NMF, que engloba discriminação de facto , bem como a discriminação de jure , assegura a neutralidade da importação e da exportação no que diz respeito a bens, dessa maneira reduzindo o potencial de desvio comercial 10 . Desse modo, os impostos de exportação, tal como os impostos de importação, devem respeitar o princípio NMF, bem como o requisito geral de transparência incorporado no art. X do GATT 11 .

4.1.1. Provisões no GATT relativas à tributação

Passamos agora a apreciar individualmente os artigos do GATT, enunciando a sua influência e relação com a tributação. A análise seguirá a ordem numérica dos artigos 12 .

4.1.1.1. Artigo I (tratamento da nação mais favorecida – NMF)

A cláusula da NMF, incorporada no art. I:1 (tratamento de nação mais favorecida) do GATT, estipula que os membros não devem discriminar as mercadorias dos parceiros comerciais:

Qualquer vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedido por uma parte contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produto similar , originário do território de cada uma das outras partes contratantes ou ao mesmo destinado. (Destaque nosso.)

Na segunda parte do art. I:1 do GATT, está prescrito:

[Este dispositivo] se refere aos direitos aduaneiros e a quaisquer encargos que recaiam sobre a importação ou a exportação ou com elas se relacionem , ou que recaiam sobre as transferências internacionais de fundos para pagamento de importações e exportações; diz respeito também ao método de arrecadação desses direitos e encargos e ao conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidas em conexão com a importação e exportação, bem como a todos os assuntos incluídos nos §§ 2 e 4 do art. III . (Destaque nosso.)

4.1.1.1.1. Objetivo e repercussões tributárias

O objetivo da cláusula da NMF é impedir a discriminação entre produtos similares originados em diferentes países ou destinados a eles. Em termos concretos, ela quer que se assegure um tratamento equânime a todos os membros. Essencialmente, requer que cada membro da GATT/WTO forneça incondicionalmente todas as vantagens que concede aos produtos de qualquer país a qualquer produto similar de todos os outros membros. Essa obrigação aplica-se não só às regras e costumes associados às importações e às exportações, mas também a quaisquer impostos, encargos, leis e regulamentos internos de distribuição, venda e utilização de um produto 13 .

Com o tratamento NMF, depreende-se que não é permitida a aplicação discriminatória, entre os Estados-membros, de um coeficiente tarifário reduzido que constitua vantagem ou isenção de imposto que configure privilégio, nem de impostos sobre a transferência de pagamentos, impostos de exportação, impostos especiais de consumo, impostos sobre vendas e impostos sobre o valor acrescentado. De resto, constituiria violação do tratamento NMF se diferentes métodos de cobrança de impostos configurarem tratamento menos favorável dos produtos estrangeiros. Isso se aplica independentemente do fato de a lei fiscal per se não tratar aqueles produtos de forma menos favorável nos Estados-membros 14 .

4.1.1.1.2. Significado de “vantagem, favor, imunidade ou privilégio” (1ª parte do art. I:1)

As palavras do art. I:1 não se referem a algumas vantagens concedidas “em relação a” assuntos que se enquadram no âmbito definido do artigo, mas a “qualquer vantagem” 15 . Para ser “vantagem, favor, privilégio ou imunidade” 16 , as medidas adotadas podem referir-se a benefícios fiscais e direitos aduaneiros e, mesmo, a reduções fiscais concedidas 17 .

O termo “vantagem” no art. I:1 do GATT 1994 foi amplamente interpretado pela jurisprudência 18 . Vantagens, na acepção do art. I:1, são aquelas deliberações que criam “oportunidades competitivas mais favoráveis” ou que afetam a relação comercial entre produtos de diferentes origens 19 . Em geral, não há muita dificuldade em determinar o significado de “vantagem, favor, privilégio ou imunidade”. Nos casos que envolvam a cláusula da nação mais favorecida, sempre foi claro que estava sendo concedida uma vantagem. Uma série de vantagens foram encontradas nos casos do ORL. A mais óbvia é a tarifa mais favorável, mas os casos envolveram também o tratamento mais favorável em investigações de direitos compensatórios e esquemas de atribuição de quotas. Uma disputa não se constitui, salvo se um membro da OMC sinta que lhe foi negada alguma vantagem dada a outro país 20 .

Portanto, à luz do artigo, qualquer vantagem concedida a um Estado deve ser concedida a todas as demais organizações da OMC imediatamente, sem demora e incondicionalmente, ou seja, sem serem necessários adicionais requisitos. Portanto, não é permitido conceder vantagens só de forma consecutiva a diferentes membros da OMC 21 .

4.1.1.1.3. Significado de “em relação” (1ª parte do art. I:1)

A expressão “em relação” é um termo geral que poderia incluir qualquer regra, mesmo que remotamente relacionada com a importação ou a exportação de produtos. As disposições de não discriminação aplicam-se a todas as importações de produtos semelhantes, independentemente da forma pela qual o membro categorize ou subdivida as importações por razões administrativas ou outras 22 . Muitas vezes, é feita a distinção no tratamento NMF entre o direito de evitar posição desvantajosa (o chamado “efeito negativo da nação mais favorecida”) e o direito de receber vantagem concedida a um país terceiro (“efeito positivo”).

4.1.1.1.4. Significado de “incondicionalmente” (1ª parte do art. I:1)

Certamente, o termo “incondicionalmente” no art. I:1 tem um significado mais amplo do que simplesmente o de não exigir compensação. Entretanto, não se vê razão para não se dar a esse termo o seu significado ordinário no âmbito do art. I:1, ou seja, “não limitado por ou sujeito a quaisquer condições ”. Cumpre ter em mente que o objetivo do art. I:1 é assegurar o tratamento incondicional da NMF. Nesse contexto, a obrigação de conceder “incondicionalmente” aos países terceiros que são membros da OMC uma vantagem que tenha sido concedida a qualquer outro país significa que a extensão dessa vantagem não pode ser sujeita a condições no que diz respeito à situação ou conduta desses países 23 . Isso significa que a vantagem concedida ao produto de qualquer país deva ser concedida ao produto similar de todos os membros da OMC, sem discriminação quanto à origem 24 .

4.1.1.1.5. Significado de “produtos similares” – like products – produit similaire (1ª parte do art. I:1)

Quanto à questão do “produto similar”, nota-se que o termo não está definido no GATT 25 . Os painéis já reconheceram que o termo tem significados diferentes em disposições diferentes de GATT, dependendo do contexto e do objeto e da finalidade dessas disposições 26 .

Claramente, o cerne do art. I é a expressão “produto similar”. O sentido comum de “similar” é o mesmo, ou semelhante, ao definir se determinado bem é um “produto similar”; entretanto, os itens não precisam de ser idênticos para serem “similares” 27 . É aplicável outra acepção do conceito de “produto similar” se dois produtos compartilharem características similares, tais como características físicas, uso final ou classificação tarifária comum. Além disso, a ideia de “produto similar” deve ser aplicada objetivamente aos produtos em questão, com base em suas características, e não subjetivamente, levando em conta o propósito subjacente à medida regulatória em questão 28 .

A abordagem do relatório do Working Group dos ajustes fiscais de fronteira para a análise da “similitude” foi seguida e desenvolvida por vários painéis e pelo Orec; quanto à abordagem para determinar se os produtos são “similares” ou semelhantes, quatro são os critérios que fornecem o quadro para se analisar a “similitude” de produtos específicos caso a caso: (i) as propriedades, a natureza e a qualidade dos produtos; (ii) os usos finais dos produtos; (iii) os gostos e os hábitos dos consumidores – mais amplamente denominados percepções e comportamentos dos consumidores – relativamente aos produtos; e (iv) a classificação tarifária do produto 29 .

4.1.1.1.6. Significado de “quaisquer encargos” (2ª parte do art. I:1)

A palavra particularmente relevante para questões fiscais nesse artigo é “encargos”. No primeiro caso, no âmbito ainda do GATT, surgiu a questão de saber se “quaisquer encargos” deve abranger o imposto consular 30 . A resposta foi sim: “quaisquer encargos” inclui qualquer vantagem, favor ou privilégio em relação aos impostos internos.

A palavra “encargos” pode, igualmente, ser interpretada como a responsabilidade financeira. Todos os tipos de encargos que estão ligados aos produtos devem ser incluídos nessa definição. Esses encargos incluem, razoavelmente, multas, taxas, tarifas e, mais importante, impostos.

4.1.1.1.7. Significado de “com elas se relacionem” (2ª parte do art. I:1)

Abrange não só as leis e os regulamentos que regem diretamente as condições de venda ou compra, mas também quaisquer leis ou regulamentos que possam modificar negativamente as condições de concorrência entre produtos domésticos e importados 31 .

4.1.1.1.8. “Bem como a todos os assuntos incluídos nos §§ 2 e 4 do art. III.” (2ª parte do art. I:1)

A referência cruzada ao art. III, que trata, nomeadamente, da oferta de tratamento nacional em matéria de impostos internos, demonstra que as questões fiscais não são excluídas da cláusula NMF, e transmite claramente essa informação ao intérprete. Aquela referência cruzada estabeleceu uma ligação entre a cláusula da NMF e os impostos internos. Acrescente-se que, ao abrigo do art. III, além da referência aos impostos internos, existe também a referência ao “regulamento interno”. Os regulamentos internos que afetam os produtos importados, embora a sua aplicação se afigure muito ampla, parecem razoavelmente incluir impostos sobre os produtos. Isso torna claro que todos os impostos que podem afetar a exportação e importação de mercadorias, independentemente do seu tipo, estão sujeitos a esse artigo 32 .

Outra questão referente à tributação em relação à cláusula acima mencionada é a de que, quando os governos nacionais individuais oferecem tax holidays ou programas de favorecimento fiscal que afetam a importação e a exportação de qualquer produto, eles devem, em tese, oferecer o mesmo “privilégio” a todos os membros da OMC que importem ou exportem mercadorias similares para o mesmo país 33 .

Por ser relevante, acrescente-se que, de acordo com o art. I, é perfeitamente possível entender que a aplicação da cláusula seja extensível a qualquer imposto, direto ou indireto, que afete as importações e as exportações. O GATT aplica-se apenas ao contexto dos produtos “similares” e, por conseguinte, a aplicação do GATT às medidas fiscais de rendimentos limita-se às importações ou às exportações de produtos semelhantes. Para além disso, o GATT não contém limitações ou recortes específicos para as medidas de imposto sobre o rendimento 34 .

No que diz respeito à obrigação da nação mais favorecida do art. I do GATT, fica acordado, na maioria das vezes, que a discriminação baseada na origem entre os membros da OMC geralmente não é apropriada (salvo, naturalmente, a aplicabilidade das exceções a países em desenvolvimento ou a áreas de livre-comércio e uniões aduaneiras), e o art. I parece ter sido aplicado rigorosamente, conforme mostra a jurisprudência do OMC.

4.1.1.2. Artigo II – Listas de concessões

O art. II:1 enuncia:

1. (a) Cada Parte Contratante concederá às outras Partes Contratantes, em matéria comercial, tratamento não menos favorável do que o previsto na parte apropriada da lista correspondente, anexa ao presente Acordo.

(b) Os produtos das Partes Contratantes, ao entrarem no território de outra Parte Contratante, ficarão isentos dos direitos aduaneiros ordinários que ultrapassarem os direitos fixados na Parte I da lista das concessões feitas por esta Parte Contratante, observados os termos, condições ou requisitos constantes da mesma lista. Esses produtos também ficarão isentos dos direitos ou encargos de qualquer tipo, exigidos por ocasião da importação ou que com a mesma se relacionem, e que ultrapassem os direitos ou encargos em vigor na data do presente Acordo ou os que, como consequência direta e obrigatória da legislação vigente no país importador, na referida data, tenham de ser aplicados a partir de então.

(c) Os produtos enumerados na Parte II da lista relativa a qualquer das Partes Contratantes, originários de território que, em virtude do Artigo I, goze do direito de tratamento preferencial no tocante à importação, ao serem importados, estarão isentos no território correspondente a essa lista, da parte que exceder dos direitos aduaneiros ordinários fixados na Parte II dessa Lista, observados os termos, as condições ou requisitos constantes da mesma. Esses produtos também ficarão isentos dos direitos ou encargos de qualquer tipo, exigidos por ocasião da importação ou que com a mesma se relacionem, e que ultrapassem os direitos ou encargos em vigor na data do presente Acordo ou os que, como consequência direta e obrigatória da legislação vigente na referida data, no país importador, tenham de ser aplicados a partir de então. Nenhuma disposição do presente artigo impedirá que qualquer Parte Contratante mantenha exigências existentes na data do presente Acordo, quanto às condições de entrada dos produtos sujeitos às taxas dos direitos preferenciais.

O art. II do GATT regula as tarifas aplicadas à importação. O artigo II:1 (a) exige que os Estados-membros concedam aos bens importados tratamento não menos favorável do que o previsto em sua tabela tarifária. O art. II:1 (b) acrescenta que as importações serão isentas de todos os outros direitos ou encargos de qualquer tipo: impostos sobre a importação ou conexos (a “impostos de importação”) 35 .

O art. II:1 (b) rege os “direitos aduaneiros ordinários” (DAO ou ordinary customs duties – OCD) aplicados na importação, e outros deveres ou encargos aplicados à importação de produtos ou com ela conexos 36 . A diferença entre um “imposto – encargo interno” e uma “tarifa de importação” é crucial 37 . O imposto cobrado dentro de um País-membro no momento da venda de bens, e não no momento da importação, afeta a venda interna de mercadorias em vez da sua importação; por conseguinte, o imposto era interno, ao abrigo do art. III, e não um encargo de importação nos termos do art. II 38 .

Os significados ordinários do art. II:1 (b) e do art. II:2 tornam claro que qualquer imposto ou encargo conexo com a importação e que não seja “direito aduaneiro ordinário”, nem imposto ou direito, conforme listado no art. II:2 (imposto interno, direitos antidumping , direitos compensatórios, taxas ou encargos proporcionais ao custo dos serviços prestados) seriam elegíveis para uma medida como “outras obrigações ou encargos”, nos termos do art. II:1 (b) 39 .

O art. II:2 do GATT enuncia o seguinte:

2. Nenhuma disposição do presente artigo impedirá que, em qualquer ocasião, uma Parte Contratante aplique, no tocante à importação de qualquer produto:

(a) um encargo equivalente a um imposto interno exigido, em conformidade com o disposto no parágrafo 2 do Artigo III, sobre um produto nacional similar ou uma mercadoria com a qual o produto importado tenha sido fabricado ou produzido no todo ou em parte;

(b) direitos destinados a contrabalançar ou a compensar o dumping , quando aplicados em conformidade com o disposto no Artigo VI;

(c) taxas ou outros encargos que guardem proporção com os custos dos serviços prestados.

Portanto, permite-se a aplicação de um encargo equivalente a um imposto interno, de forma coerente com o disposto no art. II:2, relativamente ao produto nacional similar ou em relação à mercadoria a partir da qual o produto importado foi fabricado ou produzido no todo ou em parte. O texto do art. II:2 (a) parece adotar a perspectiva externa, no sentido de que parece tomar a carga fronteiriça como dado e o imposto interno como algo a ser ajustado a ele. Essa perspectiva é compreensível na disposição que faz parte do art. II, intitulada Lista de Concessões 40 .

O art. II:2 esclarece textualmente que nada no art. II, incluindo o art. II:1 (b), impedirá um membro de impor à importação de qualquer produto: (i) um encargo equivalente a imposto interno, instituído de forma coerente com o art. III:2 41 , em relação a produto doméstico similar, (ii) um direito antidumping ou compensatório aplicado de forma coerente com as taxas ou outros encargos do art. VI ou (iii) proporcionais ao custo dos serviços prestados 42 . O art. II:2 deixa claro que um imposto interno e outros deveres e encargos são mutuamente exclusivos; por conseguinte, se uma medida configurar imposto interno não pode ser outros deveres e encargos e, se a medida configurar outros deveres não pode ser imposto interno 43 .

O art. II:1 (b) e o art. II:2 (a) distinguem entre direito aduaneiro ordinário (DAO), sujeito a limite vinculado, e imposto interno, que está sujeito, não a qualquer limite vinculado, mas aos requisitos do art. III, com a consequência de que os dois são mutuamente exclusivos. A imposição de DAOs para proteção é permitida, a menos que excedam as limitações pautais, enquanto todos os outros deveres ou encargos de qualquer tipo, impostos sobre a importação ou conexos, são, em princípio, proibidos em relação a itens vinculados (art. II:1 (b)). Todavia, são proibidos os impostos internos que discriminam os produtos importados, independentemente de os elementos em causa serem limitados (art. III:2) 44 .

Logo, o art. II:2 (a), lido em conjunto com o caput do art. II:2, refere-se à cobrança imposta à importação de um produto e é equivalente a imposto interno. Esse artigo refere-se a duas acusações distintas: (1) um encargo externo, ou fronteiriço, aplicado sobre a importação de um produto (estrangeiro); e (2) um imposto, interno ou encargo, imputado ao produto doméstico 45 .

O fato de o texto do art. II:2 (a) considerar um imposto interno instituído de forma coerente com o art. III:2 não significa que os negociadores do GATT 1947 entendiam que, se uma parte contratante subsequentemente aplicava um imposto em inconsonância com o art. III:2, o ajuste de fronteira equivalente a esse imposto interno estaria sujeito ao disposto no art. II:1.

No Painel do India – Additional Import Duties 46 destacou-se que seria incorreto dizer que só se o ajuste fiscal de fronteira for equivalente ao imposto interno e o imposto interno incidir de acordo com o art. III:2, é que se pode concluir, nas palavras do chapeau do art. II:2, que nada no art. II impediria a imposição de tal taxa.

O art. III:2 requer a comparação entre carga tributária suportada por produtos importados, por um lado, e produtos domésticos, por outro. O texto do art. II:2 (a) refere-se ao imposto interno instituído em relação ao produto doméstico semelhante; portanto, na situação contemplada no art. II:2 (a), é lógico comparar o imposto interno sobre o produto doméstico e o ajuste fiscal de fronteira na importação desse mesmo produto 47 .

Em suma, o art. II serve, principalmente, para estabelecer as alíquotas máximas de imposto que podem ser cobradas em conexão com a importação de um produto no país. Entretanto, o parágrafo 2 exclui explicitamente qualquer encargo que seja equivalente a um imposto interno, desde que o encargo seja aplicado de forma consistente com o art. III. Isso é verdade mesmo nas situações em que o imposto seja cobrado como ajuste fiscal de fronteira aquando da importação.

4.1.1.3. Artigo III (tratamento nacional – TN)

A cláusula do TN está incorporada no art. III (tratamento nacional no tocante à tributação e regulamentação internas) do GATT. Em especial, o art. III:1 declara que:

As Partes Contratantes reconhecem que os impostos e outros tributos internos , assim como leis, regulamentos e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou utilização de produtos no mercado interno e as regulamentações sobre medidas quantitativas internas que exijam a mistura, a transformação ou utilização de produtos, em quantidade e proporções especificadas, não devem ser aplicados a produtos importados ou nacionais, de modo a proteger a produção nacional . (Destaque nosso.)

Em seguida, o art. III:2 exige que:

Os produtos do território de qualquer Parte Contratante, importados por outra Parte Contratante, não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos similares aos nacionais . Além disso nenhuma Parte Contratante aplicará, de outro modo, impostos ou outros encargos internos a produtos nacionais ou importados, contrariamente aos princípios estabelecidos no parágrafo 1. (Destaque nosso.)

Além disso, o art. III:4 declara que:

Os produtos provenientes do território de uma Parte Contratante que entrem no território de outra Parte Contratante não usufruirão de tratamento menos favorável do que o concedido a produtos similares de origem nacional, no que diz respeito às leis, regulamentos e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição e utilização no mercado interno. Os dispositivos deste parágrafo não impedirão a aplicação de tarifas de transporte internas diferenciais, desde que se baseiem exclusivamente na operação econômica dos meios de transporte, e não na nacionalidade do produto. (Destaque nosso.)

O art. III obriga os membros da OMC a conceder tratamento não menos favorável do que aquele concedido aos produtos nacionais em relação a “leis, regulamentos e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou utilização”. Mais especificamente, proíbe a um membro o uso de impostos internos e outros encargos internos, bem como quaisquer outras leis, regulamentos e requisitos, “de modo a proteger a produção nacional”; e proíbe a imposição direta ou indireta de “impostos internos ou outros encargos internos, de qualquer tipo, que excedam aqueles aplicados, direta ou indiretamente, a produtos domésticos similares”.

A regra geral apresentada no art. III é que os impostos e os regulamentos internos devem tratar as importações não menos favoravelmente do que os produtos domésticos. Se for constatada uma medida regulamentar interna que discrimine as importações em violação do art. III, o governo regulador pode procurar justificar a discriminação, provando ser necessária para a realização de alguma finalidade regulamentar legítima, prescrita no art. XX, que trata das exceções.

Dos dispositivos, três requisitos devem ser preenchidos para se estabelecer uma violação do art. III:4: (i) os produtos importados e domésticos em causa são “produtos similares”; (ii) a medida controvertida é “lei, regulamentação ou requisito que afete a sua venda interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou utilização”; e (iii) aos produtos importados é concedido tratamento “menos favorável” do que o concedido a produtos domésticos semelhantes 48 .

Muito relevante para a interpretação dos efeitos da cláusula TN é também a verificação do que dispõe o Anexo I do GATT, que versa sobre “Notas e Disposições Adicionais”. Especificamente no ad. art. III, prescreve no caput :

Qualquer imposto ou outros tributos internos, bem como qualquer lei, regulamento ou prescrição mencionados no § 1º que se apliquem não só ao produto importado como também ao produto nacional similar e que sejam cobrados ou exigidos no caso do produto importado no momento e no local da importação, serão não obstante considerados como taxa interna ou um outro tributo interno ou como uma lei, regulamentação ou exigências regidas no § 1º e estão consequentemente sujeitas às disposições do art. III.

E o ad. art. III ao parágrafo 2 no Anexo I do GATT complementa que:

Uma taxa que satisfaça as prescrições da primeira frase do parágrafo 2 somente deve ser considerada incompatível com as prescrições da segunda frase nos casos em que haja concorrência entre, de um lado, o produto taxado e, de outro, um produto diretamente competidor ou que possa ser substituto direto e não seja taxado igualmente . (Destaque nosso.)

Um imposto em conformidade com os requisitos do primeiro período do parágrafo 2 (art. III:2) só deve ser considerado incompatível com as disposições do segundo período nos casos em que haja concorrência entre, por um lado, o produto tributado e, por outro, um produto diretamente competitivo ou substituível que não foi igualmente tributado (Anexo I, Ad art. III, Parágrafo 2) 49 .

4.1.1.3.1. Objetivo e repercussões tributárias

Para efeitos fiscais, o art. III tem estado no centro de muitas disputas tributárias desde o início do GATT. Ele exige que cada membro conceda tratamento nacional a outros membros, o que significa que os membros devem tratar produtos estrangeiros tal como tratam seus produtos nacionais ou locais. O principal propósito do artigo é garantir que não sejam aplicadas medidas, na forma de lei tributária ou de ação administrativa (incluindo questões fiscais), que visem proteger a produção doméstica 50 . Almeja-se garantir a igualdade de condições competitivas entre importados e produtos domésticos, impedindo que os membros utilizem, por exemplo, poderes fiscais e regulamentares para fins de proporcionar proteção à produção doméstica.

Porque o GATT é um acordo comercial que pretende cobrir o comércio de produtos, é inegável que os impostos indiretos sejam cobertos pelos efeitos da cláusula de NT 51 . Isso inclui, entre outras coisas, impostos sobre vendas, consumo, volume de negócios, valor da franquia, transferências e inventário, bem como equipamentos. Por exemplo, impostos especiais de consumo ou impostos sobre vendas têm impacto direto no preço do produto, e levariam à discriminação se um Estado aplicasse imposto mais alto aos produtos importados. Adicionalmente, isenção de impostos, remissões ou praticamente qualquer vantagem tributária e facilidades de crédito para a compra de produtos nacionais representariam potencialmente discriminação contra produtos importados. O art. III do GATT também visa evitar essas situações discriminadoras em termos tributários 52 .

4.1.1.3.2. Artigo III:1 do GATT

Nenhum membro aplicará, de outra forma, impostos ou outros tributos internos a produtos importados ou nacionais de forma contrária aos princípios estabelecidos no art. III:1. As exceções são certos impostos especificamente autorizados ao abrigo de um acordo comercial em vigor em 10 de abril de 1947 (art. III:3).

O significado de “de modo a proteger” (so as to afford protection ou “SATAP”) é elaborado no contexto do objetivo amplo e fundamental do art. III, que consiste em evitar o protecionismo na aplicação de medidas fiscais e regulatórias internas. Seu propósito é assegurar que as medidas internas não sejam aplicadas aos produtos importados ou domésticos, de modo a permitir proteção à produção doméstica 53 .

No art. III:1, a tentativa de evitar a tributação “de modo a proteger” não é questão de intenção. As medidas de tributação protetiva devem ser demonstradas. Adverte-se que os legisladores e os reguladores muitas vezes possuem, pelo que fazem e pensam, o significado relativo dessas razões para estabelecer intenções legislativas ou regulamentares. Se a medida for aplicada a produtos importados ou domésticos de modo a permitir a proteção à produção doméstica, então, não importa que não tenha havido qualquer desejo de se envolver em protecionismo na mente dos legisladores ou reguladores que impuseram a medida; é irrelevante que o protecionismo tenha sido pretendido, se a medida fiscal em causa for um objetivo; no entanto, a disposição do art. III:1, “aplicada a produtos importados ou domésticos de modo a permitir a proteção da produção doméstica”, é questão de como a medida em pauta é aplicada 54 .

A linguagem do art. III:1 leva a inferir que, se a diferença fiscal em tratamento não estiver a ser aplicada de modo a proporcionar proteção à produção interna, os produtos entre os quais a distinção é feita não devem ser considerados “similares” para efeitos do art. III 55 .

4.1.1.3.3. Artigo III:2 do GATT (não discriminação tributária)

Medidas fiscais, tais como impostos, são reguladas no art. III:2. A primeira frase daquele artigo estabelece que os produtos importados não serão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros encargos internos de qualquer natureza superiores aos aplicados, direta ou indiretamente, aos produtos nacionais similares. A segunda frase do art. III:2 alarga essa regra, declarando que, além disso, nenhuma parte contratante aplicará impostos ou outros encargos internos a produtos importados ou nacionais de maneira contrária aos princípios estabelecidos no parágrafo 1. Assim, a primeira frase diz respeito ao tratamento de produtos “similares”, enquanto a segunda frase diz respeito ao tratamento de produtos “diretamente competitivos ou substituíveis”, que é uma categoria de produtos mais ampla do que a dos produtos similares, como esclarece a Nota Interpretativa ad art. III:2 56 .

Dada a estrutura do art. III (2), parece claro que existem duas obrigações distintas – uma decorrente da primeira frase que proíbe a tributação de produtos importados que excedam o produto nacional similar, e outra decorrente da segunda frase que exige tributação semelhante de produtos diretamente competitivos ou substituíveis.

4.1.1.3.3.1. Primeira frase do art. III:2 do GATT

Para que uma medida fiscal interna esteja em conformidade com a primeira frase do art. III:2, é necessário determinar: 1º) se os produtos nacionais e importados tributados são “similares”; e 2º) se os impostos aplicados aos produtos importados são “superiores” aos aplicados aos produtos nacionais similares.

Qualquer discussão sobre a primeira frase do art. III:2 deve incorporar o controverso teste de fins (aims) e efeito (effect). Esse teste refere-se aos conceitos de fim de conceder proteção e efeito de facultar proteção. No início dos anos 1990, dois painéis do GATT desenvolveram a abordagem segundo a qual só haveria “similaridade” e, portanto, violação do art. II:2, primeira frase, se o fim e o efeito da medida tivessem sido o de proteger bens domésticos 57 .

4.1.1.3.3.2. Segunda frase do art. III:2 do GATT

Para que a medida esteja em conformidade com a segunda frase do artigo, três elementos devem ser examinados: i) se os produtos importados e nacionais são “diretamente competitivos ou substituíveis” (DCS) e se “houve concorrência”; ii) se os produtos importados e nacionais diretamente competitivos ou substituíveis não são “tributados de forma similar”; e iii) se a tributação diferente dos produtos importados diretamente competitivos ou substituíveis é aplicada de modo a permitir a “proteção da produção doméstica” (SATAP) 58 .

O TN exige que as mercadorias importadas sejam tratadas da mesma forma, ou de forma não menos favorável, que produtos “similares” (like products) ou “diretamente competidor ou que possa ser substituto direto” (directly competitive or substitutable – DCS) produzidos internamente, de modo a garantir que os impostos internos discriminatórios (bem como outros regulamentos) não sejam usados como substitutos para tarifas 59 .

Se os produtos importados e domésticos não forem “similares” para os fins estritos do art. III:2, primeira frase, então, eles não estão sujeitos às críticas dessa sentença e não há qualquer incongruência com os requisitos dela; no entanto, consoante sua natureza, e consoante as condições concorrenciais no mercado em causa, esses mesmos produtos podem muito bem estar entre a categoria mais alargada de “produto diretamente competidor ou que possa ser substituto direto” (DCS) 60 que se enquadra no domínio do art. III:2, segunda frase.

A categoria de DCS deverá determinar com base em todos os fatos relevantes, tal como com “produtos similares” no âmbito da primeira frase; o estabelecimento do leque adequado de “produtos diretamente competitivos ou substituíveis”, no âmbito da segunda frase, deve ser efetuado caso a caso 61 . O significado de DCS é elaborado no contexto específico, descrevendo o tipo particular de relação entre dois produtos, um importado e o outro doméstico; a essência dessa relação é que os produtos estão em competição 62 .

O termo “competitivo” significa “caracterizado pela concorrência”, e “substituível” significa “capaz de ser substituído”. O contexto da relação competitiva é necessariamente o mercado, uma vez que ele é o fórum onde os consumidores escolhem entre diferentes produtos, sendo um processo dinâmico e evolutivo 63 . O relacionamento DCS deve estar presente no mercado controvertido. Os produtos são competitivos ou substituíveis quando são permutáveis ou se oferecem maneiras alternativas de satisfazer necessidades ou gostos particulares 64 .

Deve-se determinar se a concorrência entre produtos importados e domésticos no país importador é suficientemente direta para que os produtos possam ser devidamente caracterizados como DCS 65 . A distorção das condições de mercado por políticas fiscais e regulatórias governamentais tem influência, uma vez que as condições de mercado podem ser desvirtuadas pelas políticas fiscais e regulamentares governamentais, que tendem a congelar as preferências dos consumidores em favor dos produtos domésticos; não concordamos que existam diferenças de preços prefixais, no presente caso, capazes de determinar que os produtos em questão não são sequer potencialmente competitivos 66 .

Os produtos importados e domésticos são DCS quando estão “em competição” no mercado; o termo “diretamente” sugere um grau de proximidade na relação competitiva entre os produtos domésticos e os importados. O grau de concorrência necessário é cumprido quando os produtos importados e domésticos são caracterizados pelo grau elevado, mas imperfeito, de substitutibilidade 67 .

Para dar o devido significado às distinções na redação do art. III:2, primeira frase, e do art. III:2, segunda frase, a expressão “que não seja taxado igualmente” (not similarly taxed) do Ad art. III para o parágrafo 2 não deve ser interpretada de modo a significar a mesma coisa que o termo “superiores” (in excess of) na primeira frase 68 . Portanto, o termo “superiores” na primeira frase significa qualquer quantia de imposto sobre produtos importados “superior” ao imposto sobre produtos similares domésticos. A expressão “que não seja taxado da mesma forma” no Ad art. III representa um padrão diferente, assim como “produtos diretamente competitivos ou substituíveis” requer um padrão diferente, em comparação com “produtos semelhantes”, para esses mesmos propósitos interpretativos 69 .

Em qualquer caso, pode haver alguma quantidade de tributação sobre produtos importados que pode muito bem ser “superior” ao imposto sobre produtos domésticos, mas pode não ser tanto ao ponto de obrigar à conclusão de que são produtos importados DCS ou que os domésticos não são “tributados da mesma forma” para efeitos do art. III:2 e ad art. III:2. Pode haver um montante de excesso de tributação que pode muito bem ser mais um fardo para os produtos importados do que em produtos domésticos DCS, mas pode, no entanto, não ser suficiente para justificar a conclusão de que esses produtos não são “tributados da mesma forma” para efeitos do art. III:2, segunda frase 70 .

A questão da tributação diferente não envolve juízos sobre a objetividade das leis ou regulamentações envolvidas. Trata-se de avaliar não os benefícios do sistema fiscal, mas tão somente a conexão, estrutura ou arquitetura da lei em causa. De fato, o que deve ser determinado é se há tributação diferente de produtos importados e domésticos diretamente competitivos ou substituíveis. 71

4.1.1.3.4. Artigo III.4 do GATT (não discriminação regulatória)

A essência do art. III:4 é que a produtos importados devem ser oferecidos “tratamentos não menos favoráveis” do que aqueles concedidos a “produtos similares” nacionais. Além disso, o art. III:4 deve ser lido à luz do art. III:1, que serve como princípio orientador de todo o art. III 72 .

Um tratamento não menos favorável proíbe os Estados-membros de modificarem as condições de competição nos mercados em detrimento de grupos importados relativamente a grupos domésticos de produtos 73 . Essas modificações podem ocorrer com regulamentos que distingam entre diferentes tipos de produtos e concedam tratamento menos favorável; normalmente, são adotados precisamente porque o mercado não faz a distinção que a entidade reguladora considera necessária. Na prática, estamos diante de regulamentos que são aplicados aos produtos concorrentes e proíbem a colocação no mercado de um deles. Portanto, muitas regulamentações, se não a maioria, são, provavelmente, incongruentes com o art. III:4.

A natureza da vantagem, incentivo fiscal concedido pelo governo, não é relevante para os fins da aplicação do art. III:4. De igual modo, a linguagem simples da disposição não exclui especificamente os requisitos para tributação de rendimentos do âmbito de aplicação do art. III. Portanto, o art. III:4 aplica-se a vantagens fiscais decorrentes de um imposto sobre o rendimento relativamente a determinados produtos 74 .

No que diz respeito à tributação por parte dos governos ou autoridades locais, que é incompatível com a letra e o espírito do art. III, o termo “medidas razoáveis” permitiria a um membro eliminar gradualmente a tributação inconsistente durante o período de transição, se alguma ação abrupta criasse sérias dificuldades administrativas e financeiras (Anexo I, Ad art. III, Parágrafo primeiro).

Ainda que se fundamentasse numa distinção textualmente infundada entre impostos diretos e indiretos para os fins do art. III:2 e interpretasse “a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie” no sentido de excluir os primeiros, a linguagem muito mais ampla adotada no art. III:4 parece, no entanto, cobrir as medidas de tributação da renda. O argumento fraco de que se deve adotar exclusivamente a interpretação histórica não resiste, no contexto do art. III:4, devido à diferença de redação. A disposição lê em partes relevantes:

Art. III:4 [produtos importados] não usufruirão tratamento menos favorável que o concedido a produtos similares de origem nacional, no que diz respeito às leis, regulamento e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição e utilização. (Destaque nosso.)

As regras de tributação sobre rendimento são, nesse contexto, entendidas como leis e regulamentos. 75 Para compreender o âmbito de aplicação do art. III:4, é necessário explicar brevemente os termos “relacionadas” e “tratamento menos favorável”.

Em primeiro lugar, no que diz respeito a “relacionadas” o Painel na Italy – Agricultural Machinery 76 descobriu que “às leis, regulamentos e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição e utilização no mercado interno” possuía um sentido abrangente. Mais tarde, o ORec reafirmou essa leitura afirmando que o termo afetado tem “amplo escopo de aplicação” 77 . De fato, de acordo com o ORec na China – Auto Parts 78 , a medida não precisa sequer de ter o objetivo de regulamentar a venda do produto em questão para atender ao requisito de afetar a sua venda. Ainda mais amplamente, o Painel do Canada – Autos, referindo-se ao Painel do GATT 1947 na Italy – Agricultural Machinery, declara que quaisquer leis ou regulamentos que possam modificar adversamente as condições de concorrência entre produtos nacionais e importados são cobertos pelo art. III:4 79 .

A disposição não cobre apenas casos de tratamento menos favorável de jure; ela aplica-se também ao tratamento de fato menos favorável. Esse pode ser o caso em que uma medida de origem neutra favorece desproporcionalmente as mercadorias domésticas em detrimento das importadas. Assim, a medida impõe aos produtos importados um encargo mais pesado do que aos domésticos 80 .

Outro caso que chegou à OMC, mas foi resolvido antes que o Painel pudesse emitir um relatório, é a Turkey – Taxation of Foreign Film Revenues 81 . Os EUA solicitaram consultas com a Turquia, que tributava as receitas geradas pela exibição de filmes estrangeiros de maneira menos favorável do que a taxação das receitas geradas pela exibição de filmes de origem doméstica. Em particular, a violação do art. III foi alegada pelos EUA, pois a Turquia estabeleceu um imposto de 25% …

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17 de Junho de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/41-acordo-geral-de-tarifas-e-comercio-gatt-4-analise-do-conteudo-fiscal-dos-acordos-da-omc-tributacao-na-omc-ed-2023/1858022158