Busca sem resultado
Tributação da Nuvem: Conceitos Tecnológicos, Desafios Internos e Internacionais

Tributação da Nuvem: Conceitos Tecnológicos, Desafios Internos e Internacionais

6. A Qualificação dos Rendimentos da Computação em Nuvem: O Entendimento da Ocde e o Posicionamento Brasileiro

Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Daniel de Paiva Gomes e Eduardo de Paiva Gomes

Estabelecidos os pressupostos quanto aos elementos de conexão para a tributação de operações internacionais, bem como delineado o conceito de estabelecimento permanente, cumpre, agora, qualificar juridicamente os rendimentos objeto da computação em nuvem, considerando-se a disciplina geral dos tratados internacionais firmados para evitar a dupla tributação da renda e do capital.

Tomando-se por premissa a orientação da CM-OCDE, tais rendimentos podem ser qualificados sob a rubrica dos artigos 7º (lucro de empresas), 12 (royalties) ou 13 (ganhos de capital), a depender do teor dos direitos franqueados ao consumidor-usuário.

Por isso, o presente capítulo analisará, inicialmente, o modo como a competência tributária é repartida entre Estado-residência e Estado-fonte, à luz dos artigos 7º, 12 e 13 da CM-OCDE, com o intuito de identificar os pontos de coincidência e divergência existentes entre a CM-OCDE e a política de tratados internacionais brasileira.

Em operações transnacionais, tanto o país de residência do provedor da nuvem quanto o país do mercado consumidor dessas funcionalidades (Estado-fonte) têm interesse em tributar os rendimentos advindos de tais operações, o que, inevitavelmente, levaria à bitributação da renda. É nesse contexto que é relevante a aplicabilidade dos artigos 7º, 12 e 13.

A análise desses dispositivos de forma comparada conduzirá à seguinte conclusão: a depender do dispositivo convencional aplicado, será alterado o modo como a competência tributária é repartida entre Estado-residência e Estado-fonte 1 .

Daí surge a relevância da correta qualificação dos rendimentos de computação em nuvem. É dizer, a qualificação dos rendimentos impacta o modo como a competência tributária é repartida entre Estado-fonte e Estado-residência.

Por isso, uma vez analisadas as regras de repartição de competência – objeto do próximo item – voltaremos os olhos para os comentários da CM-OCDE relativos à qualificação de rendimentos de software. Após a identificação de todas as possibilidades de qualificação dos rendimentos à luz da CM-OCDE, estudaremos o posicionamento da Receita Federal do Brasil (RFB), a fim de verificar eventuais divergências entre as instituições. Sendo esse o caso, teremos de identificar quais métodos de solução de conflitos de qualificação estão à disposição do intérprete para evitar a bitributação, além de apresentar, ao final, a qualificação que nos parece correta para os rendimentos oriundos de operações de computação em nuvem.

6.1.O racional dos artigos 7º, 12 e 13 da CM-OCDE e os desvios dos tratados assinados pelo Brasil: repartição da competência tributária entre fonte e residência

Partindo-se da premissa desenvolvida no item anterior, segundo a qual a qualificação dos rendimentos de computação em nuvem determina o modo como a competência tributária será repartida entre Estado-residência e Estado-fonte, faz-se fundamental analisar a redação dos artigos 7º, 12 e 13 da CM-OCDE, a fim de comparar o conteúdo de tais dispositivos face aos tratados assinados pelo Brasil. Esse será o objeto do presente item.

O artigo 7º da CM-OCDE estabelece regras para a tributação dos lucros de empresas 2 . Nesse sentido, estabelece que os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis neste Estado (Estado-residência do provedor de computação em nuvem), salvo se a empresa exercer sua atividade em outro Estado Contratante (Estado-fonte) por meio de um estabelecimento permanente que esteja situado neste último 3 - 4 . Nessa hipótese, os lucros da empresa serão tributáveis pelo Estado-fonte, na medida em que forem atribuíveis ao estabelecimento permanente que restou caracterizado 5 .

Daí porque é possível afirmar que a “tributação compete, em princípio, ao país de residência do prestador de serviços, a não ser que este disponha, no país da fonte de pagamento, de um ‘estabelecimento permanente’” 6 . Esse racional de repartição de competência também é adotado pelos tratados assinados pelo Brasil 7 .

Aplicando-se tal dispositivo à computação em nuvem, sendo o rendimento qualificado como lucro de empresas, apenas ao Estado-residência do provedor de computação em nuvem será outorgada competência para tributar os rendimentos pagos pelo consumidor-usuário. Se restar caracterizado um estabelecimento permanente do referido provedor no Estado-fonte, todavia, este país poderá tributar os rendimentos atribuíveis ao referido estabelecimento permanente.

O artigo 12 da CM-OCDE, por sua vez, é dedicado à tributação dos royalties. Em relação a esse dispositivo, dois pontos devem ser analisados: (i) o modo como é repartida a competência tributária entre Estado-residência e Estado-fonte; e (ii) o conceito de royalties, para fins da convenção modelo 8 .

Em relação ao item (i), o dispositivo ora analisado estabelece que os royalties provenientes de um Estado Contratante (Estado-fonte – lugar em que se encontra localizado o devedor dos royalties) e de propriedade de um residente do outro Estado Contratante (Estado-residência) serão tributáveis apenas nesse outro Estado (Estado-residência) 9 .

Tomando o exemplo de um provedor de computação em nuvem não residente no Brasil, chega-se à conclusão de que, pela literalidade do artigo 12 da CM-OCDE 10 , somente o Estado de residência ostentará competência para tributar os royalties recebidos pelo provedor de computação em nuvem, carecendo de competência o Brasil, enquanto Estado-fonte, para tributar tais rendimentos.

Via de regra, portanto, é de competência exclusiva 11 do Estado de residência do provedor de computação em nuvem a tributação dos royalties recebidos por esse 12 . O artigo 12 não será aplicado, entretanto, se o beneficiário efetivo dos royalties, residente em um Estado Contratante (Estado-residência), exercer sua atividade em outro Estado Contratante (Estado-fonte do qual provêm os royalties) por meio de um estabelecimento permanente 13 nele situado e o bem ou direito que deu origem aos royalties estiver vinculado ao referido estabelecimento permanente. Nesse caso, será aplicável o artigo 7º da CM-OCDE, consoante previsto no artigo 12 (3).

Em última instância, se o bem ou direito que deu origem aos royalties estiver vinculado a um estabelecimento permanente do provedor de computação em nuvem estrangeiro situado no Estado-fonte, o “royalty em causa segue o regime do art. 7º, ou seja, passa a ser considerado lucro do estabelecimento estável e tributado em conformidade” 14 .

Em se tratando de um provedor de computação em nuvem residente no exterior, a tributação pelo Estado-fonte, de acordo com a redação da CM-OCDE, somente ocorrerá se a propriedade intelectual referente ao software e da qual provêm os royalties estiver vinculada a um estabelecimento permanente do provedor não residente localizado na jurisdição do mercado consumidor (Estado-fonte). A ocorrência de uma situação nesses moldes, todavia, é pouco provável.

Pragmaticamente, portanto, os regimes do artigo 7º e do artigo 12, com a redação proposta pela CM-OCDE, são bastante similares, na medida em que ambos outorgam a competência tributária de forma exclusiva ao Estado-residência para tributar, respectivamente, o lucro das empresas e os royalties por elas percebidos, excepcionando tal regra apenas no caso de existir um estabelecimento permanente do provedor de computação em nuvem estrangeiro no Estado-fonte e em relação ao qual estejam vinculado o lucro ou os royalties.

Ocorre que, diferentemente da CM-OCDE, o artigo 12 (royalties) dos tratados para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal assinados pelo Brasil possui um desvio redacional, se comparado com a redação proposta pela OCDE para o mesmo dispositivo 15 , permitindo a tributação dos royalties também pelo Estado-fonte 16 .

Isso porque, os tratados brasileiros “reconhecem sempre ao país da fonte um direito – ainda que limitado – de tributação” 17 , tal como se sucedeu, por exemplo, no tratado assinado entre Brasil e Espanha 18 .

Ao reconhecer o direito do Estado-fonte de tributar os rendimentos, os tratados brasileiros tiveram de definir qual o conceito de fonte dos royalties. Em regra, a fonte dos royalties será o local em que o devedor tiver sua residência. É possível, entretanto, que mesmo se o devedor for residente em um terceiro país, seja reconhecida a fonte dos royalties no Brasil caso tais rendimentos estejam vinculados a um estabelecimento permanente do devedor 19 aqui localizado. Em síntese, para definir a fonte dos royalties os tratados utilizam, “como elementos de conexão alternativos, a residência e o estabelecimento permanente” do devedor dos royalties 20 .

Trazendo esse racional para a computação em nuvem, no caso dos tratados assinados brasileiros, portanto, se o devedor dos royalties, que é consumidor da tecnologia de computação em nuvem, for residente no Brasil, os royalties serão considerados como tendo fonte situada no Brasil, de modo que sua remessa ao provedor de computação em nuvem não residente será submetida à tributação na fonte, sob a rubrica do artigo 12.

Por sua vez, se o devedor dos royalties devidos ao provedor de computação em nuvem não for residente no Brasil, mesmo assim tais royalties poderão ser tributados no Brasil, sob a rubrica do artigo 12, se houver um estabelecimento permanente do devedor (consumidor da computação em nuvem) aqui situado em relação ao qual haja sido contraída a obrigação de pagar os royalties e caiba a esse estabelecimento permanente o pagamento desses.

Por fim, devemos registrar que, tal como determinado pela CM-OCDE e explanado anteriormente, os tratados brasileiros também determinam a não aplicação do artigo 12 nos casos em que o provedor de computação em nuvem não residente possui um estabelecimento permanente (do recebedor dos royalties) 21 situado no Brasil e em relação ao qual esteja efetivamente vinculado o direito ou bem que deu origem aos royalties. Nesse caso, será aplicado o disposto no artigo 7º e o Brasil tributará os lucros atribuíveis ao estabelecimento permanente.

Por fim, no caso do artigo 13 da CM-OCDE 22 , que trata dos ganhos de capital, a competência tributária é outorgada de forma exclusiva ao Estado da residência do alienante, consoante se verifica do parágrafo 5º do referido dispositivo.

Há exceções a essa regra e que, por conseguinte, outorgam competência tributária também ao Estado-fonte, a saber: (i) os ganhos de capital decorrentes da alienação de bens imobiliários, que podem ser tributados no Estado em que estão localizados tais imóveis; (ii) os ganhos de capital advindos da venda de bens móveis que tenham sido integrados ao patrimônio de um estabelecimento permanente 23 , incluindo-se aqui aqueles de alienação do próprio estabelecimento, os quais podem ser tributados no Estado em que situado o estabelecimento permanente; (iii) os ganhos de capital oriundos da alienação de ações cujo valor decorra, direta ou indiretamente, em mais de 50%, de bens imóveis que estejam localizados em outro Estado; (iv) os ganhos de capital decorrentes da venda de navios, aeronaves e outros bens similares, os quais somente podem ser tributados (competência tributária exclusiva) no país em que localizada a direção efetiva da empresa 24 .

Nos casos anteriormente referidos e em que tanto ao Estado-fonte (local de domicílio do consumidor-usuário) quanto ao Estado-residência é outorgada competência para tributar os rendimentos, este último deverá, alternativamente, isentar os rendimentos já tributados no Estado-fonte ou conceder crédito pelo imposto pago no exterior, a depender do quanto previsto no artigo 23 do tratado analisado no caso concreto, dispositivo esse que disciplina os métodos para eliminar a dupla tributação.

Ao trazermos a dicção do artigo 13 da CM-OCDE para o âmbito da computação em nuvem, concluímos que será aplicado o artigo 13 (2), referente ao ganho de capital decorrente da alienação de bens móveis, categoria dentro da qual se encontram inseridos os bens incorpóreos 25 .

Assim, chegamos à seguinte situação: a tributação do ganho de capital do software de um provedor de computação em nuvem 26 , bem incorpóreo equiparado a um bem móvel, será realizada exclusivamente pelo Estado de residência do provedor de computação em nuvem, salvo se esse possuir um estabelecimento permanente no Estado-fonte e a propriedade intelectual alienada que deu origem ao ganho de capital estiver vinculada ao referido estabelecimento permanente, caso em que o ganho de capital também poderá ser tributado pelo Estado-fonte, aplicando-se o artigo 23 para eliminar a dupla tributação de tais rendimentos.

Os tratados assinados pelo Brasil adotaram a solução proposta pela CM-OCDE em relação ganhos de capital referentes aos bens imóveis, bem como em relação aos ganhos de capital de bens móveis vinculados a um estabelecimento permanente e aos ganhos de capital relativos a navios e aeronaves, divergindo da convenção modelo em relação aos ganhos de capital relativos à alienação de outros bens 27 .

Para os fins do presente trabalho, nos importa apenas o ganho de capital referente a bens móveis vinculados a um estabelecimento permanente do provedor de computação em nuvem localizado na jurisdição do mercado consumidor (Estado-fonte), haja vista que dentro desse conceito de bens móveis estão inseridos os bens incorpóreos, as licenças e os intangíveis.

Para sintetizar o modo como a CM-OCDE e os tratados assinados pelo ­Brasil repartem a competência tributária relativamente ao lucro das empresas (artigo 7º), aos royalties (artigo 12) e aos ganhos de capital (artigo 13), confira-se a tabela a seguir.

Artigo 7º

Artigo 12

Artigo 13

CM-OCDE

Tributação dos lucros exclusiva pelo Estado de residência do provedor de computação em nuvem, salvo se existir um estabelecimento permanente no mercado consumidor, caso em que o Estado-fonte poderá tributar os lucros atribuíveis a esse estabelecimento permanente.

Tributação dos royalties exclusiva pelo Estado de residência do provedor de computação em nuvem que recebe os royalties, salvo se existir um estabelecimento permanente deste no Estado-fonte, caso em que será aplicado o artigo 7º.

Tributação do ganho de capital decorrente da venda de intangíveis de propriedade do provedor de computação em nuvem será realizada exclusivamente pelo Estado de residência. Se o intangível vendido estiver vinculado a um estabelecimento permanente do provedor de computação em nuvem localizado no Estado-fonte, este poderá tributar os ganhos de capital.

Padrão dos tratados assinados pelo Brasil

Segue o modelo da OCDE em relação aos lucros das empresas.

Diverge do modelo da

OCDE. Se o consumidor-usuário for residente ou possuir um estabelecimento permanenteno Brasil, a tributação será realizada tanto pelo Brasil (Estado-fonte) quanto pelo Estado de residência do provedor de computação em nuvem. Por outro lado, se o provedor de computação em nuvem recebedor dos royalties possui um estabelecimento permanente no Brasil, aplicar-se-á o artigo 7º do tratado.

Segue o modelo da OCDE em relação aos ganhos de capital de bens móveis que estejam vinculados a um estabelecimento permanente no Estado-fonte. Por outro lado, diverge do modelo OCDE em relação ao ganho de capital decorrente da alienação de outros bens.

Uma vez demonstrado como será repartida a competência tributária entre Estado-fonte e Estado-residência, passaremos à análise dos motivos que justificam a qualificação dos rendimentos auferidos pelos provedores sob a rubrica dos artigos 7º, 12 e 13, de acordo com a CM-OCDE.

6.2.A qualificação dos rendimentos de computação em nuvem à luz da CM-OCDE e a importância do teor dos direitos transmitidos ao consumidor-usuário

Consoante 28 demonstrado em capítulo anterior, os tratados bilaterais para evitar a bitributação são “manuais de repartição de competência tributária”, uma vez que a divisão do “bolo tributário”, entre Estado-fonte e Estado-residência, será realizada de acordo com a qualificação do rendimento 29 .

A dinâmica de repartição da competência tributária em operações transnacionais, portanto, é intimamente relacionada à correta qualificação dos rendimentos pagos ao provedor de computação em nuvem. Somente após a qualificação do rendimento e sua subsunção ao tratado será possível identificar qual Estado pode tributar referido rendimento e em que medida tal tributação ocorrerá.

No que tange à disponibilização de acesso a utilidades virtuais (SaaS e PaaS), em geral, a remuneração de um provedor de computação em nuvem é fixada de acordo com o uso dos aplicativos (como a quantidade de armazenamento disponibilizado, o tempo de utilização, os dados consumidos etc.) ou pela subscrição do usuário ao acesso ilimitado às funções disponibilizadas pelo provedor de computação em nuvem, hipótese em que o preço varia de acordo com o período contratado (v.g., mensalidade, semestralidade, anuidade).

A doutrina estrangeira reconhece que há dúvidas se, com base nas normas atualmente existentes, os rendimentos auferidos devem ser classificados como aluguel, royalties ou prestação de serviços.

Para Mazur, caso se entenda que seriam aplicáveis à computação em nuvem as normas norte-americanas atinentes aos softwares, a operação não poderia ser classificada como prestação de serviços, mas, sim, como: (i) disponibilização ao uso de aplicativo, sem a transferência de direitos autorais (copyrighted article); ou (ii) como transferência do uso dos direitos autorais patrimoniais (copyright). Na primeira hipótese, ter-se-ia a qualificação do rendimento como aluguel; na segunda, o rendimento deveria ser tratado como royalty 30 .

O tratamento da computação em nuvem com base na legislação de software estadunidense não seria o mais adequado, consoante asseverado por Mazur, na medida em que a computação em nuvem não preencheria os requisitos de tal legislação, principalmente quando se verifica que: (i) o software acessado permanece na nuvem; (ii) o usuário não tem seu controle; e (iii) os riscos pelo uso do aplicativo recaem sobre o provedor, o qual, inclusive, pode negar acesso caso o usuário não realize os pagamentos devidos pelo uso.

Ao afastar as normas de regulação de software, Mazur conclui que os rendimentos advindos da computação em nuvem (especialmente no que se refere ao Saas – Software as a Service) deveriam ser qualificados como renda pela prestação de serviço. Caso o negócio jurídico envolva algum dos aspectos do direito de propriedade, todavia, a transação poderia ser caracterizada como uma venda, locação ou licença de uso, a depender do arranjo contratual adotado entre as partes.

Com base nas principais características da computação em nuvem, Mazur afirma que a renda relativa ao SaaS seria mais acertadamente qualificada como decorrente de prestação de serviço, haja vista não resultar na transferência de qualquer direito de propriedade 31 .

Veja que, para fins de qualificação do rendimento, Mazur leva em consideração os seguintes aspectos da operação: (i) a ocorrência da transmissão, ao consumidor-usuário, de alguma das facetas do direito de propriedade; (ii) a identificação do sujeito que suporta os riscos pela utilização dos aplicativos; e (iii) a identificação do sujeito que detém o poder de controle e disposição sobre o aplicativo.

Com base nas premissas firmadas por Mazur, devemos concluir que, de fato, em uma relação normal de locação, o locatário assume o risco de guardar e conservar a coisa, responsabilizando-se em caso de dano e devendo ressarcir os prejuízos incorridos pelo locador. Na computação em nuvem, diferentemente, é o provedor de computação em nuvem que assume os riscos pela manutenção dos aplicativos e que, por conseguinte, tem o dever de garantir o acesso do usuário à utilidade virtual que lhe é disponibilizada.

Vê-se que, para Mazur, é o teor dos direitos transmitidos que norteia a qualificação jurídica dos rendimentos advindos dos diversos modelos de negócio que podem ser contratados no âmbito da computação em nuvem. Esse também parece ser o racional adotado pela OCDE. Mais adiante, esses conceitos serão detalhados do ponto de vista do direito interno, por ocasião da construção do conteúdo dos contratos de cada camada.

No presente momento, porém, interessa a análise da qualificação jurídica 32 dos rendimentos advindos das operações de computação em nuvem à luz dos comentários 12 a 17 do artigo 12 da CM-OCDE, em sua edição de 2017 33 .

Apesar desses comentários à convenção modelo não abordarem especificamente a qualificação dos rendimentos oriundos de operações de computação em nuvem, entendemos que as premissas e as conclusões a que chegou a OCDE para qualificar os rendimentos decorrentes de operações com software também podem, guardadas as peculiaridades das discussões domésticas no Brasil com reflexos na tributação federal 34 , ser aplicadas às operações envolvendo a tributação direta da computação em nuvem.

Isso se deve ao fato de que o comentário 14.1, do artigo 12 da CM-OCDE 35 , consigna, de forma clara, que o método de transferência do software não é relevante, para fins de qualificação dos rendimentos dele advindos.

A possibilidade de aplicarmos o conteúdo dos comentários 12 a 17 do artigo 12 da CM-OCDE, que versam sobre a qualificação dos rendimentos de software, também às operações de computação em nuvem, é corroborada pela dicção do comentário 17.1, o qual estabelece que os princípios referentes à qualificação dos pagamentos relativos a um software também são aplicáveis às transações realizadas com outros tipos de produtos digitais 36 .

Assim, não importa se consumidor-usuário obtém acesso ao software por meio de CD, ou se faz o download de uma cópia do aplicativo para armazená-lo no disco rígido do seu computador. Ora, se o método de transferência do software não é relevante, também deixa de ser relevante se o consumidor-usuário obtém acesso ao software via unidade física, download ou computação em nuvem, para fins de qualificação nos tratados internacionais.

Para a OCDE, portanto, a utilidade fruída pelo consumidor-usuário, quando este utiliza de cópia do Microsoft Office que estava gravada em CD ou quando acessa o Office 365 diretamente na nuvem, é a mesma, inexistindo justificativa para tratamento diferenciado dos rendimentos advindos de cada um desses modelos de negócio. Em última instância, independentemente do meio, o consumidor-usuário obtém acesso à utilidade proporcionada pelo mesmo software.

Por tais razões, parece-nos razoável concluir que os comentários da CM-OCDE referentes à qualificação de rendimentos advindos da disponibilização de software podem servir de guia para a correta qualificação dos rendimentos oriundos de operações envolvendo a disponibilização de utilidades via computação em nuvem.

Porém, antes de prosseguirmos na análise dos comentários da CM-OCDE, é indispensável entendermos qual o conceito de software adotado pela OCDE. De acordo com comentário 12.1 do artigo 12 da CM-OCDE, o software é um programa ou uma série de programas que contém instruções para um computador.

Esse software pode ser o próprio sistema operacional ou outros aplicativos voltados ao funcionamento de outras tarefas. A OCDE reconhece a existência de softwares padronizados e feitos por encomenda, admitindo, ainda, que o software possa ser transmitido como parte integrante do hardware ou de forma independente 37 .

No entendimento da OCDE, a qualificação dos rendimentos decorrentes de operações com software varia de acordo com o teor dos direitos que são transmitidos ao consumidor-usuário para acessá-lo 38 . Portanto, a qualificação dos pagamentos recebidos com esse tipo de operação depende …

Uma nova experiência de pesquisa jurídica em Doutrina. Toda informação que você precisa em um só lugar, a um clique.

Com o Pesquisa Jurídica Avançada, você acessa o acervo de Doutrina da Revista dos Tribunais e busca rapidamente o conteúdo que precisa dentro de cada obra.

  • Acesse até 03 capítulos gratuitamente.
  • Busca otimizada dentro de cada título.
Ilustração de computador e livro
jusbrasil.com.br
26 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/6-a-qualificacao-dos-rendimentos-da-computacao-em-nuvem-o-entendimento-da-ocde-e-o-posicionamento-brasileiro-parte-ii-computacao-na-nuvem-e-as-diretrizes-internacionais/1207548554