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Lei de Acesso à Informação - Lei 12.527/2011

Lei de Acesso à Informação - Lei 12.527/2011

A Lei de Acesso à Informação e Sua Saga

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A LEI DE ACESSO A INFORMACAO E SUA SAGA

A Lei de Acesso a Informacao e seu tratamento regulamentar deveriam representar uma revolução para o Brasil. Surgida como uma lanterna em uma sociedade cujas práticas administrativas nunca foram totalmente republicanas e transparentes, a concretização infraconstitucional do acesso à informação sofre bloqueios em sua realização cotidiana.

Embora a Constituição de 1988 tenha a pretensão de inaugurar uma ordem jurídica que rompe com o Direito e com as práticas sociais anteriores, com valores democráticos e republicanos balizando a atuação dos atores políticos, sua entrada em vigor não transforma, por si só, a mentalidade e a realidade brasileiras. Como apontam Clèmerson Merlin Clève e Júlia Ávila Franzoni, “o Estado brasileiro está trocando sua casca. […] as instituições brasileiras experimentam um processo de revolução silenciosa que guardam aspectos de avanço, renovação e continuidade”. 1

O patrimonialismo foi a marca da Administração Pública desde a época colonial. Como analisa Raymundo Faoro, o Estado antecedeu a sociedade brasileira, e acabou por ser formado e sustentado por uma estrutura político-social patrimonialista. 2 A configuração dos cargos públicos durante o Brasil Colônia, caracterizados por seu uso privado, pela multiplicidade de funções, pelo predomínio da fidelidade pessoal, pela ausência de especialização profissional, por sua associação com o enobrecimento e a sua patrimonialidade, 3 deixou marcas na mentalidade brasileira.

Práticas ainda existentes na Administração Pública parecem revelar a permanência desta visão. A criação de cargos públicos de livre nomeação e exoneração, o uso indiscriminado da publicidade institucional, a ausência de critérios objetivos rígidos para a ocupação de cargos em confiança e a insustentável existência de atos administrativos não publicados mostram como ainda há muito o que desenvolver para uma administração republicana.

Os hiatos autoritários robusteceram essa cultura de opacidade. Decretos secretos, diários secretos, informações secretas tornaram-se cotidianos e a ausência de transparência acabou por incorporar-se, causando um déficit severo no controle dos agentes públicos. A accountability horizontal (realizada entre órgãos de soberania ou instituições) e a accountability vertical (levada a cabo pela cidadania) foram aniquiladas nos quase 25 anos de opacidade da ditadura militar.

Outro prejuízo causado por uma cultura administrativa personalista e turva foi o desprestígio da noção de interesse público. A má utilização do termo para justificar qualquer ação do Poder Público, sem motivação para sustentá-la, acabou causando uma forte reação ao seu reconhecimento, principalmente na forma do princípio da supremacia do interesse público. 4

A Constituição de 1988 pretendeu ser um divisor de águas. Seu avanço, em termos normativos, é notável em relação ao controle da Administração Pública. Os dispositivos constitucionais não foram capazes, no entanto, de modificar a mentalidade de administradores. A República, proclamada em 1889 mas longe de se instalar nas práticas políticas, é constitucionalizada completamente; contudo, o ideal republicano sofre ainda hoje para incorporar-se no espaço público.

A noção mais ambiciosa de República, que ultrapassa de largo a oposição à Monarquia, impõe uma exigência em relação ao conteúdo da ação dos poderes públicos: a identidade com o interesse público. A finalidade pública, conteúdo da atuação administrativa em sentido lato, estabelecida por lei e fora do alcance dos agentes públicos, 5 deve estar em consonância com os valores e princípios constitucionais.

Como consequência direta, os atos do Poder Público devem ser públicos, para que seja possível verificar sua adequação às exigências constitucionais e legais. Como gestores do interesse público e, portanto, de interesses potencialmente distintos de suas preferências particulares, os agentes públicos devem agir de maneira transparente, com publicidade e explicitação dos motivos de sua ação. Apenas desta maneira é possível constatar a correspondência de sua atuação com o interesse público e, por conseguinte, sua legalidade e juridicidade.

O princípio democrático exige, de igual forma, o poder em público. 6 Democraticamente – ao menos em nível normativo – determina-se a finalidade pública que deve guiar a atuação do Estado. Além disso, a transparência e a publicidade do exercício do poder são indispensáveis para a vigilância constante do respeito às decisões tomadas na arena democrática, para evitar que estas sejam substituídas por interesses pessoais ou particulares dos ocupantes dos cargos e funções públicas.

Do mundo do dever-ser para o mundo do ser, entretanto, há um bom caminho. E, por vezes, uma estratégia para aproximar as dimensões é gerar mais normas. Que, de igual forma, em alguns casos, ficam reféns de uma realidade refratária às suas determinações. A luta deve ser, então, pela alteração das práticas políticas e sociais, para que elas se ajustem às prescrições normativas.

Este é o caso da Lei de Acesso a Informacao. Sua baixa efetividade não deve ser usada como crítica às suas disposições. Seu escopo é concretizar a Constituição e, em seu âmago, os princípios republicano e democrático; é modificar a lógica de funcionamento do Estado e das instituições que exercem funções públicas. E, em nome das escolhas constituintes fundamentais, deve ser cumprida em toda a sua extensão.

1. O fundamento constitucional do direito de acesso à informação e sua concretização

O direito de acesso à informação é constitutivo de uma República Democrática, pois é indispensável para o exercício pleno dos direitos fundamentais. Os princípios estruturantes de um Estado de Direito, pensado a partir de exigências democráticas cada vez mais ambiciosas, pressupõem a atuação firme de cidadãos aptos a garantir a atuação dos poderes públicos nos limites da juridicidade e inspirados pelo interesse público. Para tanto, exigem-se transparência e publicidade do Estado e uma virtude cívica dos cidadãos.

A transparência passa a ser “uma condição de possibilidade do Estado plural, republicano e aberto às exigências de controle racional das decisões”, e “é a qualificação da participação cidadã e da concepção emancipada do destinatário das promessas constitucionais (agora sujeito) que permite traçar as bases do projeto republicano, democrático e igualitário” 7 da Constituição. Transparência, para Wallace Paiva Martins Junior, é um conceito amplo que engloba a publicidade, a motivação e a participação popular, e o Estado Democrático de Direito exige o reconhecimento da “existência de um direito subjetivo público ao conhecimento da atuação administrativa em todos os seus níveis, evidenciando a opção política fundamental de ruptura da tradição do sigilo e de construção de um conceito de Administração Pública aberta”. 8

Segundo Wilson Steinmetz, o direito fundamental de acesso à informação “contribui para a livre formação de ideias, opiniões, avaliações, convicções e crenças da pessoa sobre assuntos ou questões de interesse público, relativos ao Estado e à sociedade civil, e de interesse individual ou de grupo”, “para o livre, consciente e responsável desenvolvimento da personalidade” e “para a preservação e desenvolvimento do pluralismo político” e do regime democrático. 9

Marcela de Fátima Menezes Máximo, Raquel Lima de Abreu Aoki e William Ken Aoki ressaltam a importância de “diferenciar o direito a informação como um direito coletivo e individual a pluralidade de ideias e opiniões; do direito a informação pública como um direito tanto coletivo quanto individual de ter acesso a documentos e informações de ordem pública e sob o poder do Estado, e delinear a edificação política e jurídica do direito de acesso a informação pública”. 10 A Lei de Acesso a Informacao trata apenas desse segundo aspecto. O direito à informação plural ainda não encontrou desenvolvimento legislativo.

A seu turno, Ricardo Marcondes Martins distingue o direito de acesso à informação de um direito à informação, não contemplado pela Lei nº 12.527/2011. Para o autor, não há direito ao fornecimento de dados de que a Administração não disponha, pois não se confundem “o direito à informação, direito à liberdade e, pois, direito de defesa, com o direito ao acesso à informação, direito a ação estatal positiva”. 11

Uma leitura mais ampla da opinião de Marcondes Martins não parece adequar-se à Constituição e à legislação, principalmente a partir da noção de transparência ativa e da exigência da divulgação de dados a serem produzidos pelos agentes públicos. A exigência de uma gestão transparente da informação impõe à Administração Pública uma atuação no sentido de formalizar e disponibilizar a informação.

A Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe que “toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha” (artigo 13.1). 12 Pode-se encontrar fundamento para a defesa do direito de acesso à informação já nos artigos 14 e 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: “Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração” e “A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração”; ou, ainda, em seu artigo 19: “Todo ser humano tem direito a liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” 13

A Constituição de 1988, inaugurando um novo ordenamento jurídico baseado em valores democráticos, prevê o acesso a informações em diversos dispositivos. No artigo 5º, entre os direitos fundamentais, três incisos fazem referência ao acesso a informações. O inciso XIV dispõe, em sua primeira parte, que “é assegurado a todos o acesso à informação”. Um dos substratos da Lei de Acesso a Informacao é o inciso XXXIII, que estabelece que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Em relação a esse inciso, André Ramos Tavares aponta o dever de transparência do Estado e a publicização de dados e informações pelo Estado independentemente de solicitação, 14 o que atualmente se denomina transparência ativa.

Ainda há a previsão de habeas data, no inciso LXXII, “para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, …

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18 de Maio de 2024
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