Art. 4º

Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Fontes. O dispositivo inaugura a indicação de outras fontes normativas que não propriamente a lei. Fontes são figuras de expressão das quais promanam o direito 41 . A lei se posta como fonte formal e imediata; por sua vez, a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito são compreendidos como fontes formais e mediatas (ou secundárias). Jurisprudência e doutrina são fontes não formais. No pós-positivismo se fala em direito reflexivo e pluralidade de fontes para indicar a abundância de normas, bem como a expansão de atores legislativos para além do Poder Público 42 . Antinomia e lacuna. No art. 2º da LINDB verifica-se o regramento parcial do relacionamento entre normas que disponham sobre o mesmo conteúdo, abrindo espaço para a ideia de “sobrecarregamento” normativo (antinomia); já o art. 4º trata justamente do contrário, ou seja, a ausência de norma específica (lacuna) na regulação de determinada situação que mereça proteção jurídica. Por consequência, enquanto na antinomia se tem excesso normativo, na lacuna se verifica a insuficiência normativa. Direito como sistema aberto e incompleto. A concepção do direito como ordenamento fechado e dotado de plenitude acaba por afirmar a inexistência de lacunas no direito, isso porque há o dogma de que tudo o que não está proibido está permitido 43 . Por esse raciocínio, situações não reguladas como proibidas ou obrigatórias estariam autorizadas e, logo, a lacuna estaria reduzida à simples aparência. Entretanto, tal regra implícita é antinômica com o próprio ordenamento, que determina a integração das lacunas (art. 4º da LINDB) ou veda a negativa da jurisdição pela sentença non liquet (art. 140 do CPC). Ainda é comum argumentos de que, enquanto o direito é pleno, eventualmente as leis podem ser omissas 44 . Assiste razão àqueles que concretizam o direito como sistema incompleto, móvel 45 e unitário dotado de abertura para a intensa comunicabilidade com as questões sociais 46 , passível de lacunas pela ausência de norma específica para o caso concreto ou pela inadequação das normas aos demais elementos do direito (fato e valor) 47 . Integração. O exercício metajurídico de suprir a lacuna de determinada norma pode ser compreendido como integração, posto que o preenchimento a tornaria íntegra ou integral 48 . Também a integração se aproxima da aplicação do caso concreto (premissa menor) à disposição legal adequada (premissa maior) 49 , retirando-a da pura abstração enquanto texto normativo. Observa-se, claramente, que o art. 4º da LINDB fixou ao aplicador da lei o dever de superar eventuais lacunas, colmatando-as, integrando-as pelos meios indicados no próprio dispositivo: analogia, costume e princípios gerais do direito. Enquanto a analogia é processo lógico e intelectivo de aplicação do direito, costumes e princípios gerais do direito têm caracteres mais propensos à norma jurídica (fontes), podendo ser indicados como expressão do direito 50 . A doutrina ainda indica outros modelos de preenchimento de lacuna, como no caso da equidade e da jurisprudência. Analogia. Analogia é estratégia metodológica de aproximação de objetos diferentes pelas semelhanças. É processo lógico que permite ao aplicador assimilar a determinada hipótese fática, não regulada pelo ordenamento, norma jurídica direcionada a outro fato, no entanto, parecido (e análogo) com aquele não previsto. É importante situar que a semelhança entre os fatos é reveladora do princípio da igualdade, o que permite buscar idêntico tratamento jurídico entre o fatispécie não recepcionado e aquele positivado pelo sistema. A analogia pode ser legal ou jurídica. Na primeira, o processo lógico apenas contemplará lei semelhante ao caso não regulado. Na segunda, todo o plexo normativo é chamado a colmatar a lacuna 51 . Costume. Costume expressa-se como direito por condutas reiteradas e desejadas num determinado espaço-tempo, representando verdadeira formação jurídica pela atuação social. São elementos dos costumes: repetição homogênea de determinada conduta (natureza objetiva); consciência da obrigatoriedade (natureza subjetiva); sanção pelo incumprimento (natureza jurídica) 52 . A doutrina tipifica os costumes em três espécies. Quando a norma jurídica conclama o costume como pressuposto ou complemento da própria incidência, tem-se costume secundum legem (v.g. , art. 615 do CCB). Praeter legem são os costumes responsáveis pela colmatação de lacunas, sendo a hipótese de que trata o presente dispositivo em comento. Contra legem são os costumes antagônicos à lei vigente ou contra os princípios normativos, não aceitos, pois, pelo sistema jurídico. Com apoio na doutrina estrangeira, na ideia de que a práxis faz o uso e o uso faz a norma 53 , é possível concluir que usos e costumes são figuras discrepantes, pois, enquanto os primeiros referem-se à prática reiterada de determinada conduta social, os segundos representam regra decorrente do frequente exercício dos usos 54 . Princípios gerais do direito. Princípios gerais do direito representam o espírito diretor do sistema jurídico, cuja manifestação geralmente decorre de construção histórica e cultural (direito universal, direito natural, direito romano, escolástica agostiniana e tomista etc.), agregando máximas de substrato ético 55 , sempre úteis à decidibilidade do caso concreto 56 . No cotejo entre o Corpus Iuris Civilis do Direito Romano e o atual direito privado é possível perceber a influência por eles exercida: viver honestamente (alinhado hoje à boa-fé); dar a cada um o que é seu (ajustado ao princípio da justiça ou equilíbrio); não lesar ninguém (base da responsabilidade civil e direito de danos). Não se confundem os princípios gerais do direito com os chamados princípios normativos (ou princípios gerais no direito), que são positivados, detêm força normativa, gozam de extrema densidade axiológica e de baixa densidade descritiva, atuam em dimensão de peso e, mesmo que colidentes com outros princípios de idêntica envergadura, têm resolução pela ponderação, razoabilidade e racionalidade 57 . RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil . 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 37. TEUBNER, Gunther. Droit et réflexivité : l’auto-reference endroit et dans l’organisation. Bélgica: Bruylant/L.G.D.J, 1996. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito . Trad. João Baptista Machado. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 81. VELOSO, Zeno. Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil : artigos 1º a 6º. Belém: Unama, 2006, p. 46. MARTINS-COSTA, Judith. O novo Código Civil brasileiro: em busca da ética da situação. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro . 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