Capítulo XVII

Capítulo XVII DO JOGO E DA APOSTA Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito. § 1º Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé. § 2º O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos. § 3º Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares. V. arts. 166, II, 360 a 367, 816, 818 a 839 e 882, CC; Dec.-lei 9.215/1946 (Proíbe a prática ou exploração de jogos de azar). Sumário: I. Dívidas de jogo; II. Dívidas de jogo contraídas no exterior. I. Dívidas de jogo. As dívidas de jogo constituem exemplo clássico de impossibilidade jurídica para fins de ação de cobrança, justamente pela proibição estampada pelo art. 814 quanto aos jogos proibidos. A dualidade da relação obrigacional revela que, muito embora possa existir o elemento dívida, em relação à aposta não paga, não existe responsabilidade quanto ao pagamento. Dessa forma, inexiste pretensão a ser exercitada em ação judicial. Por esse mesmo motivo, a dívida que é paga espontaneamente não pode ser recobrada por ação de repetição de indébito. Trata-se de obrigação natural. A nulidade de eventual relação obrigacional que tenha sido constituída para dar pagamento a uma dívida de jogo é nula, mas não pode ser oposto o defeito ao terceiro de boa-fé: “O cheque é ordem de pagamento à vista, envolto pelos princípios da autonomia e literalidade. Assim, o portador do título não está incumbido de fazer prova sobre sua origem. Entretanto, a jurisprudência mais atual já autoriza a investigação da causa debendi quando, em circunstâncias excepcionais, se suspeitar de vícios na assunção da dívida. Por força do art. 814 do CC, as dívidas originárias de jogo ou aposta não podem ser exigidas, devendo ser declarado nulo o cheque emitido para garantir pagamento de aposta” (TJGO, ApCiv XXXXX, 3ª Câm. Cív., rel. Des. Walter Carlos Lemes, DJe 31.07.2012). As apostas legalmente previstas, como loterias, permitem o direito de cobrança, assim como os prêmios que são oferecidos nos termos do § 3º do art. 814. Outro exemplo: “A aposta em corrida de cavalos é atividade expressamente regulamentada pela Lei 7.291/1984 e pelo Dec. 96.993/1988, não incidindo, pois, as vedações contidas no Código Civil a esse tipo de jogo” (STJ, REsp XXXXX/SP , 3ª T., j. 09.03.2010, rel. Min. Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão Min. Massami Uyeda, DJ 03.08.2010). II. Dívidas de jogo contraídas no exterior. De acordo com o art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.” O art. 17 da LINDB, por sua vez, dispõe que “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.” Discute-se, assim, sobre se saber se a dívida de jogo considerada legal em outro país poderia ser cobrada no Brasil, ou se afrontaria o disposto no art. 17 da LINDB. A respeito, assim decidiu o STJ: “Ordem pública é um conceito mutável, atrelado à moral e a ordem jurídica vigente em dado momento histórico. Não se trata de uma noção estanque, mas de um critério que deve ser revisto conforme a evolução da sociedade. Na hipótese, não há vedação para a cobrança de dívida de jogo, pois existe equivalência entre a lei estrangeira e o direito brasileiro, já que ambos permitem determinados jogos de azar, supervisionados pelo Estado, sendo quanto a esses, admitida a cobrança. O Código Civil atual veda expressamente o enriquecimento sem causa. Assim, a matéria relativa à ofensa da ordem pública deve ser revisitada sob as luzes dos princípios que regem as obrigações na ordem contemporânea, isto é, a boa-fé e a vedação do enriquecimento sem causa. Aquele que visita país estrangeiro, usufrui de sua hospitalidade e contrai livremente obrigações lícitas, não pode retornar a seu país de origem buscando a impunidade civil. A lesão à boa-fé de terceiro é patente, bem como o enriquecimento sem causa, motivos esses capazes de contrariar a ordem pública e os bons costumes. A vedação contida no artigo 50 da Lei de Contravencoes Penais diz respeito à exploração de jogos não legalizados, o que não é o caso dos autos, em que o jogo é permitido pela legislação estrangeira” (STJ, REsp XXXXX/SP , rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T, j. 13.06.2017). Art. 815. Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta, no ato de apostar ou jogar. V. arts. 579, 586 e 816, CC. Empréstimo para jogo. “A concessão de empréstimo ao jogador pelo Jockey Club é uma prática claramente abusiva, que toma a fraqueza do apostador como oportunidade de lucro, sendo vedada nos termos do art. 39, IV, do CDC. O próprio art. 1.478 do CC/1916 (art. 815 do CC) revela muito sobre a questão, ao estipular que ‘não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta, no ato de apostar ou jogar’. Maria Helena Diniz, ao tratar do tema, reconhece que ‘este mútuo constitui incremento ao vício, podendo até representar a exploração de um estado de superexcitação em que se encontra o jogador’, destacando que a proibição também deve alcançar o empréstimo feito logo antes do jogo (Curso de Direito Civil Brasileiro. vol. III. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 536). Não se trata, por fim, de premiar a má-fé do jogador, que toma o empréstimo e se recusa ao pagamento, mas simplesmente de reconhecer que o Jockey Club não pode conceder empréstimos e, se quiser obter a tutela jurisdicional, deve também demonstrar a lisura de sua conduta. Valendo-me da expressão consagrada no direito anglo-saxão, lembro que quem vem ao Tribunal, deve vir com mãos limpas” (STJ, REsp XXXXX/SP , 2008/XXXXX-0, 3ª T., j. 09.03.2010, rel. Min. Nancy Andrighi). Art. 816. As disposições dos arts. 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste. Art. 817. O sorteio para dirimir questões ou dividir coisas comuns considera-se sistema de partilha ou processo de transação, conforme o caso. V. arts. 840 e 858, CC.

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Capítulo XVII. Do Jogo e da Aposta

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