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Direito Penal: Parte Geral

Direito Penal: Parte Geral

Capítulo 16. Exclusão da Antijuridicidade: As Causas de Justificação

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16.1. Considerações iniciais

Um dos maiores escritores brasileiros, Euclides da Cunha, autor de Os sertões, foi morto em 15 de agosto de 1909 1 , numa trágica situação envolta em uma causa de justificação. Após descobrir a traição de sua esposa Anna com um jovem cadete chamado Dilermando de Assis, em nome de uma “defesa da honra” (tema analisado infra), o escritor resolve matá-lo com emprego de arma de fogo, não vindo, no entanto, a feri-lo mortalmente, mesmo após acertar vários tiros. Em consequência, foi morto pelo cadete. Anos mais tarde, um dos filhos de Euclides da Cunha resolve vingar a morte de seu pai do mesmo modo, sendo também morto por Dilermando.

Nas três vezes em que foi julgado 2 , Dilermando foi absolvido por legítima defesa. No entanto, houve reações indignadas na sociedade da época por conta do adultério, então para alguns, justificador da ação do escritor. Tanto foi assim que em 1911 o jornal O Estado de S. Paulo noticiou que “enquanto o marido apodrece na sepultura, o amante é posto na rua pelos senhores jurados”. Nesse sentido, estudiosos, notoriamente, relatam que o cadete passou à história como o grande vilão da tragédia.

Muito embora a doutrina penal reconheça a remota origem da legítima defesa, tida como decorrente do instinto de conservação humana por São Tomás de Aquino, o interessante exemplo histórico brasileiro mostra que a dimensão jurídica jamais se desvincula da contextualização social, merecendo sua análise dogmática, dessa maneira, a maior apuração possível, coerente com a sistemática da Teoria Geral do Delito, seu topos por excelência.

Com relação ao tema das causas de justificação, contudo, em geral a doutrina deixa pendentes duas ordens de perguntas, uma de caráter externo e outra de cunho interno, consoante Molina Fernández em específico estudo sobre o temário 3 . Em termos externos, pouco se explora acerca das relações de ditas causas, atreladas à antijuridicidade, com a tipicidade e a culpabilidade. Já em sentido interno, fica a indagação relativa a um possível sistema de causas de justificação, eis que estas, em geral, são vistas pontualmente, quase que como peças soltas a serem utilizadas em casos concretos para fins de se rechaçar a antijuridicidade da conduta.

Nesse sentido, Molina Fernández analisa as relações internas das causas de justificação, para fins de constatar um possível sistema, a permitir uma aplicação correta e coerente do instituto em questão. É o que, entre outras questões, analisa-se a seguir.

16.2. Exclusão da antijuridicidade: sistemática das causas de justificação

O Direito Penal, forçoso rememorar, não está formado apenas por normas incriminadoras, mas também por normas permissivas. Essas normas autorizam, no caso concreto, em virtude de determinadas circunstâncias, a realização de uma conduta em princípio penalmente proibida. Em outras palavras, as normas permissivas, assim, têm a capacidade de excluir a antijuridicidade da conduta típica.

As causas legais de exclusão da antijuridicidade possuem denominação variada na doutrina, como causas de justificação, causas de exclusão do crime e causas de exclusão da ilicitude. Nosso Código Penal, com a modificação trazida pela Reforma de 1984 – que manteve, em linhas gerais, a disciplina da legislação anterior em torno do temário –, optou por esta última (perante o desagrado que a palavra “antijuridicidade” causava ao ministro Francisco de Assis Toledo 4 ).

A sistematização do instituto, doutrinariamente não alcançada até agora, segundo Roxin 5 , mas, diga-se verdadeiramente, no geral de pouca atenção da doutrina, tem por fundamento material a necessidade de solucionar situação de conflito entre o bem jurídico atacado pela conduta típica e outros interesses que o ordenamento jurídico considera dignos de proteção. A importância prática do tema refere-se aos efeitos produzidos (e, insta notar, que as excludentes são diuturnamente alegadas nos processos criminais, com destaque no Brasil perante o Tribunal do Júri). As causas de justificação convertem, assim, o fato típico em algo lícito, rechaçando a possibilidade de um decreto condenatório.

Nosso Código Penal, sem maiores explicações ou desenvolvimento, simplesmente acolheu expressamente as seguintes excludentes de antijuridicidade: a) estado de necessidade (art. 24); b) legítima defesa (art. 25); c) estrito cumprimento do dever legal (art. 23, III, 1ª parte) e d) exercício regular de direito (art. 23, III, 2ª parte).

Apesar da omissão legislativa, doutrina e jurisprudência majoritárias reconhecem, não obstante, a existência de causas supralegais de exclusão da antijuridicidade 6 . Isso, de fato, é uma decorrência natural do caráter fragmentário do Direito Penal, que jamais conseguiria catalogar todas as hipóteses em que determinadas condutas poderiam justificar-se perante a ordem jurídica. Nesse sentido, era o posicionamento de Mezger 7 .

De qualquer forma, de se notar que a doutrina, amplamente, desde há muito, não identifica um verdadeiro sistema, tratando cada causa de justificação com certa autonomia, com requisitos e campo de aplicação próprios. Roxin 8 traduz essa postura, ao asseverar que a natureza variada do instituto, proveniente de todo o ordenamento jurídico, dificulta uma sistematização. Duas razões contribuiriam para isso: a) a aparição das ditas causas não decorrerem de critérios comuns e b) a ausência aparente de razões práticas, eis que não seriam visíveis as vantagens de se contar com uma sistematização (a exclusão vir de uma causa ou outra teria o mesmo efeito prático).

São céticos quanto a uma sistematização a respeito, entre outros, além de Roxin, Cerezo Mir e Weber Baumann. E, mesmo que isso fosse possível, considerá-la-iam inútil, Hirsch e Jakobs, pelo excessivo grau de abstração. Todavia, há razões para se buscar uma sistematização, criando-se um sistema integral de justificação, consoante, na doutrina espanhola, Molina Fernández 9 , pois há princípios comuns e relações de especialidade entre algumas causas.

Além disso, na esteira do pensamento desse último autor 10 , outros dados sinalizam por essa busca: a) há um número muito reduzido de causas de justificação nos mais diversos códigos penais, o que contradiz a alegação de existência de um catálogo bastante amplo; b) existe grande similitude nos ordenamentos dos países, o que sugere haver um esquema básico racional que os foi convergindo; c) nota-se um padrão de hipóteses, que revela causas limitadas às cláusulas mais gerais (cujo fechamento se dá com o estado de necessidade, choice of evils no direito anglo-saxão); d) parece haver motivos para crer não haver necessidade de previsão de novas causas. A reflexão acerca de todo o exposto denota verdadeiramente a existência de um sistema de justificação.

A configuração, por parte do legislador, de um …

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jusbrasil.com.br
1 de Junho de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/capitulo-16-exclusao-da-antijuridicidade-as-causas-de-justificacao-parte-ii-teoria-geral-do-delito-direito-penal-parte-geral/1590440721