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Da Privacidade à Proteção de Dados Pessoais: Elementos da Formação da Lei Geral de Proteção de Dados

Da Privacidade à Proteção de Dados Pessoais: Elementos da Formação da Lei Geral de Proteção de Dados

Capítulo 2. Privacidade e Informação

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2.1. – Informação e dados pessoais

Might not the machine – or the system to which it gives rise – overwhelm man, standardizing him, pigeonholing him, labelling his every characteristic, and robbing him of that essential element of originality and unpredictability which is his nature?

Frank Carmody

1.Conceito

O discurso sobre a privacidade cada vez mais gira em torno de questões relacionadas a dados pessoais e, portanto, sobre a informação. O papel da informação como ponto de referência de um grande número de situações jurídicas é flagrante; a sua visibilidade e importância para a sociedade pós-industrial é igualmente patente 1 . Afirmar a relevância da informação como um dado próprio do nosso tempo é, porém, uma meia verdade, já que é igualmente inconcebível abstrair a sua importância em períodos anteriores 2 .

Em relação à utilização dos termos “dado” e “informação”, é necessário notar preliminarmente que o conteúdo de ambos se sobrepõe em várias circunstâncias, o que justifica uma certa promiscuidade na sua utilização. Ambos os termos servem a representar um fato, um determinado aspecto de uma realidade. Não obstante, cada um deles possui suas peculiaridades a serem levadas em conta.

Assim, o “dado” apresenta conotação um pouco mais primitiva e fragmentada, como se observa em um autor que o entende como uma informação em estado potencial, antes de ser transmitida 3 . O dado, assim, estaria associado a uma espécie de “pré-informação”, anterior à interpretação e a um processo de elaboração. A informação, por sua vez, alude a algo além da representação contida no dado, chegando ao limiar da cognição. Mesmo sem aludir ao seu significado, na informação, já se pressupõe a depuração de seu conteúdo – daí que a informação carrega em si também um sentido instrumental, no sentido da redução de um estado de incerteza.

A doutrina e mesmo a lei, não raro, tratam estes dois termos indistintamente 4 .

Deve-se lembrar, ainda, que o termo “informação”, em certos contextos, está muito fortemente associado a determinadas ordens de valor. Neste sentido, mencione-se a “liberdade de informação” como fundamento de uma imprensa livre, bem como seu correspectivo “direito à informação” 5 , que possuem conteúdo bastante específico, assim como ocorre no caso do dever de informação pré-contratual do Código de Defesa do Consumidor, entre outras menções ao conceito.

De fato, o que hoje destaca a informação de seu significado histórico é a maior desenvoltura na sua manipulação, desde a sua coleta e tratamento até a sua comunicação. E o vetor que faz esta diferença é justamente o tecnológico: ao incrementar a capacidade de armazenamento e comunicação, cresce também a variedade de formas pelas quais a informação pode ser apropriada ou utilizada. E, à medida que expande a sua utilidade, mais ela se torna elemento fundamental para um crescente número de relações, como também aumentam as suas possibilidades de influir em nosso cotidiano 6 . Conforme notou Stefano Rodotà, ainda em 1973, “(...) a novidade fundamental introduzida pelos computadores é a transformação de informação dispersa em informação organizada” 7 .

Para o Direito, esta crescente importância se traduz no fato de que uma considerável parcela das liberdades individuais hoje são concretamente exercidas em estruturas ou plataformas nas quais a comunicação e a informação possuem papel relevante. De fato, um retrato bastante representativo de elementos fundamentais da estrutura social pode ser traçado a partir da informação, compreendendo, por exemplo, desde a problemática da propriedade dos meios de comunicação 8 , a liberdade de informação, de expressão e de imprensa, a caracterização da informação como um bem jurídico, o direito à informação, até a propriedade intelectual como ferramenta de incentivo (ou de embaraço) à livre circulação de informações, entre outros.

Qualquer um destes enfoques, isoladamente considerado, pode ser acusado de unilateral, dado que o problema da informação é integrado e complexo. Desconsiderar os focos de tensão entre os interesses conflitantes, vários deles constitucionalmente legitimados, implica em um risco considerável. Daí que o problema da informação deva ser abordado unitariamente 9 , ante o perigo de se formarem lacunas e sobreposições insanáveis entre as várias formas da sua utilização.

Esta abordagem unitária não se harmoniza naturalmente com uma concepção mais tradicional da informação para o direito, justamente pelo motivo deste não considerar, tradicionalmente, o problema da informação de forma direta, porém, a partir de suas manifestações específicas: a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, as patentes industriais etc. A informação, em si considerada, costuma – ou costumava – permanecer como uma categoria alheia à análise jurídica.

Assim sendo, não surpreende que as primeiras abordagens jurídicas sobre a informação tivessem natureza mais fenomenológica do que funcional. Neste sentido, o reconhecimento da informação como fenômeno relevante juridicamente em geral era uma decorrência dela ser comunicada ou, ao menos, de sua natureza de ser comunicável; neste seu aspecto, ela é vislumbrada como um elo entre um emitente e um destinatário. Pierre Catala ilustra este aspecto ao especular sobre um hipotético artigo primeiro de uma lei sobre o “Direito da informação”, no qual se leria que “toda mensagem comunicável a alguém por um meio qualquer constitui uma informação” 10 .

Este enfoque coincide de certa forma com concepções como a de Norbert Wiener, que adota um conceito semelhante de informação, ampliando este aspecto relacional. Para ele, a informação é “o termo que designa o conteúdo daquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele, e que faz com que o nosso ajustamento seja nele percebido. O processo de receber e utilizar informações é o processo de nosso ajuste às contingências do meio ambiente e do nosso efetivo viver neste ambiente” 11 .

A informação, nestas menções, independe do suporte ou meio do qual se serve para ser comunicada e, portanto, para ser relevante; não necessita de um suporte material e é, de acordo com o mesmo Catala, “um produto autônomo e anterior a todos os serviços dos quais pode ser o objeto” 12 .

2. Classificação

Pierre Catala, ao traçar um esboço de uma teoria jurídica da informação, classificou-a em quatro modalidades: (i) as informações relativas às pessoas e seus patrimônios; (ii) as opiniões subjetivas das pessoas; (iii) as obras do espírito; e, finalmente, (iv) as informações que, fora das modalidades anteriores, referem-se a “descrições de fenômenos, coisas, eventos” 13 . A nós interessa, precisamente, a primeira delas.

Pode ocorrer que determinada informação possua um vínculo objetivo com uma pessoa, revelando algo sobre ela. Este vínculo implica que a informação se refere às características ou ações desta pessoa, que podem ser atribuídas a ela em conformidade à lei, como no caso do nome civil ou do domicílio, ou, então, às informações provenientes de seus atos, como os dados referentes ao seu consumo, informações provenientes de suas manifestações, como as opiniões que manifesta, e tantas outras. É importante estabelecer este vínculo, pois ele afasta outras categorias de informações que, embora também façam referência a uma pessoa, não seriam consideradas propriamente informações pessoais, no sentido pretendido: as opiniões alheias sobre esta pessoa, por exemplo, a princípio, não possuem este vínculo objetivo; também a produção intelectual de uma pessoa, em si considerada, não é per se informação pessoal (embora o fato de sua autoria o seja). Novamente, é Pierre Catala que identifica uma informação pessoal quando o objeto da informação é a própria pessoa:

“Mesmo que a pessoa em questão não seja a ‘autora' da informação, no sentido de sua concepção, ela é a titular legítima dos seus elementos. Seu vínculo com o indivíduo é por demais estreito para que pudesse ser de outra forma. Quando o objeto dos dados é um sujeito de direito, a informação é um atributo da personalidade" 14 .

O Conselho da Europa, na Convenção 108, de 1981, ofereceu uma definição que condiz com esta ordem conceitual. Na Convenção, informação pessoal é “qualquer informação relativa a um indivíduo identificado ou identificável15 . É explícito, portanto, o mecanismo pelo qual é possível caracterizar uma determinada informação como pessoal: o fato de estar vinculada a uma pessoa, revelando ou podendo revelar algum aspecto objetivo desta.

Um dado pode também se referir a uma pessoa indeterminada. Este é o caso do dado anônimo, útil para diversas finalidades nas quais tem valor a informação referente a uma determinada coletividade ou corte específico de indivíduos, sem que as pessoas às quais se referem possam ser nominadas – por exemplo, os dados relativos ao fluxo telefônico de uma determinada concessionária de telecomunicações, sem que se possa identificar quem realizou as chamadas. A chamada “anonimização” de dados pessoais – a retirada do vínculo da informação com a pessoa a qual se refere – é um recurso que algumas leis de proteção utilizam para diminuir os riscos presentes no seu tratamento. A mitigação de riscos é também obtida com técnicas como a da pseudonimização que, embora não torne o dado anônimo, pode dificultar a identificação do titular e é um recurso bastante utilizado 16 .

A figura do banco de dados é central no desenvolvimento da matéria. Os bancos de dados consistem, basicamente, em conjuntos de informações organizadas segundo uma determinada lógica 17 . Em um primeiro momento, inclusive, várias normativas sobre proteção de dados tinham no banco de dados o próprio objeto de sua atuação, visto que procuravam se adaptar a uma determinada estrutura tecnológica que era então dominante.

Um banco de dados pode ser administrado com ou sem o recurso à informática 18 – muito embora cada vez mais a virtual totalidade destes lance mão dos recursos tecnológicos. O banco de dados informatizado, produto da tecnologia aplicada ao tratamento de informações pessoais, possui potencial antes inimaginável: é capaz de armazenar um grande volume de informações, de processá-las rapidamente, agregá-las e combiná-las dos mais diversos modos, em tempo irrisório se comparado com um tratamento manual – que muitas vezes sequer possível seria 19 –, funcionando como um elemento catalisador de um novo perfil de utilização de informação relevante a ponto de fazer com que grande parte das normas e procedimentos que foram produzidos sobre a matéria de proteção de dados logo acabasse por fazer referência direta ou até mesmo exclusiva aos bancos de dados como objeto a ser regulado. Em um momento posterior, note-se, seja pelo desenvolvimento da tecnologia, seja pela maturação da matéria, verificou-se a necessidade de abordar de forma direta os dados pessoais para a regulação da matéria, em situações nas quais estes não estejam necessariamente vinculados a um banco de dados. O conceito de banco de dados viria a perder a centralidade, o que fica mais claro quando verificamos que diversas modalidades de tratamento de dados pessoais não podem ser mais compreendidas a partir de grandes repositórios de informação, mas, sim, pelas técnicas utilizadas para sua coleta, agregação e utilização 20 .

3. Bancos de dados e os dados sensíveis

A informação pessoal pode ser agrupada em subcategorias, ligadas a determinados aspectos da vida de uma pessoa. Uma classificação deste gênero pode ser o pressuposto para a identificação das normas a serem adotadas, como acontece para as normas que se aplicam diretamente às informações referentes a movimentações bancárias de uma pessoa e que as utilizam de forma basicamente binária (isto é, considerando a informação somente privada ou não), que podem ser enquadradas no chamado sigilo bancário. Esta setorização, em si, pode ter diversas consequências, entre elas o próprio enfraquecimento da tutela da pessoa, por esta ficar dependente de contextos setoriais, e não da noção da proteção do indivíduo em si (caso típico, justamente, do sigilo bancário). Em outra dimensão, a setorização pode ser útil para a especificação da abordagem a ser dada a partir das especificidades de cada setor.

Neste último sentido, a prática do direito da informação deu origem à criação de uma categoria específica de dados, os dados sensíveis. Estes seriam determinados tipos de informação que, caso sejam conhecidas e submetidas a tratamento, podem se prestar a uma potencial utilização discriminatória 21 ou lesiva e que apresentaria maiores riscos potenciais do que outros tipos de informação. Entre estes dados, tidos como sensíveis, …

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26 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/capitulo-2-privacidade-e-informacao-da-privacidade-a-protecao-de-dados-pessoais-elementos-da-formacao-da-lei-geral-de-protecao-de-dados/1197013455