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Inteligência Artificial e Direito: Ética, Regulação e Responsabilidade

Inteligência Artificial e Direito: Ética, Regulação e Responsabilidade

Inteligência Artificial no Mercado de Capitais

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Autor:

Angelo Gamba Prata de Carvalho

I. Introdução

Se antes a imagem que se tinha dos salões de bolsas de valores era a de espaços barulhentos e lotados, o quadro mudou por completo. A operação dos mercados de capitais, para além da paulatina desintermediação, adquire complexidade cada vez maior ao delegar às máquinas o ônus de identificar condições de oferta e demanda e, consequentemente, de obter do mercado os preços dos ativos que nele circulam, com capacidade literalmente sobre-humana para colher oportunidades de lucro e eficiência em pequenas variações de preço ao longo do dia. A fronteira final dos investimentos, assim, também se encontra na inteligência artificial.

O high-frequency trading¸ prática amplamente difundida entre grandes agentes econômicos – tais como grandes bancos e fundos de investimento – revolucionou a forma de pensar no mercado de capitais na atualidade, sendo já prática institucionalizada em bolsas de valores de todo o mundo. Tanto é assim que hoje já se compete – inclusive no Brasil – por locais privilegiados próximos ao servidores da bolsa, já que a velocidade passa a ser o elemento de eficiência mais importante na competição entre esses agentes.

Em que pesem as potenciais eficiências e mesmo ganhos de liquidez oriundos do emprego de sistemas de inteligência artificial para a operação de mercados, é preciso que as entidades reguladoras e fiscalizadoras do mercado estejam atentas para potenciais ilícitos oriundos dessas práticas, notadamente em virtude dos profundos riscos sistêmicos decorrentes de disfunções nesses sistemas, já que falhas encadeadas dessas máquinas podem levar aos conhecidos flash crashes, crises de liquidez e volatilidade capazes de prejudicar com um todo a capacidade do mercado de indicar os preços de seus ativos.

Nesse sentido, é fundamental que se aprofunde a reflexão a respeito dos meios técnicos capazes de implementar estratégias velozes de negociação no mercado de capitais, tendo em vista especialmente os impactos concorrenciais, comerciais e mesmo sociais que eventuais disfunções sistêmicas podem causar sobre os indivíduos. Além disso, a identificação de ilícitos do mercado de capitais motivados por sistemas de inteligência artificial deve constar da ordem do dia dos reguladores. Basta notar as recentes decisões da BSM, órgão de autorregulação da bolsa de valores brasileira, e da CVM, que já se debruçaram sobre a conduta de spoofing, amplamente referida pela doutrina como o mais comum ilícito do gênero.

O presente trabalho, dessa maneira, pretende, num primeiro momento, traçar um panorama a respeito da relação entre inteligência artificial e atividade econômica, com vistas a desmistificar posicionamentos cinematográficos ou mesmo demasiadamente dogmáticos acerca da inteligência artificial. Em seguida, o trabalho buscará identificar as principais relações entre inteligência artificial e mercado de capitais, nomeadamente por intermédio do high-frequency trading e do co-location, questões já abordadas – ainda que de maneira escassa – pela CVM e pela bolsa de valores brasileira. Por fim, pretende-se tratar das estratégias e distorções provocadas pela inteligência artificial nos mercados de capitais, enumerando ilícitos e buscando delinear as responsabilidades na eventualidade da ocorrência de danos a investidores.

II. A inteligência artificial e o papel dos algoritmos nas operações econômicas

Em artigo clássico, Alan Turing 1 procurou descobrir se, de fato, poderiam as máquinas pensar por conta própria. Na ocasião da elaboração do conhecido “teste de Turing”, entendeu seu criador que, em um primeiro momento, seria necessário entender o que significam as noções de “máquina” e de “pensamento”. Dessa questão fundamental, naturalmente, surgem muitas outras, especialmente aquelas que procuram aproximar a racionalidade atribuída às máquinas à racionalidade humana ou, ainda, se se trataria a racionalidade artificial de um raciocínio absolutamente distinto.

Cabe, ainda – especialmente para as finalidades deste trabalho – buscar compreender em que medida algoritmos e estruturas de dados, linhas de comando escritas por seres humanos, seriam capazes de tomar decisões autônomas e, talvez, não imputáveis a indivíduos. A possibilidade de responsabilização de seres humanos por escolhas elaboradas exclusivamente no âmago de sistemas informacionais, nesse sentido, é bastante cara ao direito, seja no estudo da práticas colusivas levadas a cabo por intermédio de máquinas, seja na análise de condutas de mercado estratégicas maximizadas pelo potencial da inteligência artificial. Dessa maneira, com vistas a obter a lente de análise mais adequada, pode-se verificar em que medida a inteligência artificial pode se aproximar da racionalidade dos agentes econômicos inseridos em situações de mercado e devendo observância aos princípios estruturantes da ordem econômica e financeira constitucionais.

Segundo Ada Lovelace 2 , pioneira da programação de computadores, máquinas seriam incapazes de criar coisas novas. Para Lovelace 3 , a “máquina analítica” não teria a pretensão de criar, mas tão somente de fazer qualquer coisa que os seres humanos sejam capazes de determinar que faça. De fato, pode ser pueril pensar que em algum momento uma máquina terá o poder de refletir e emitir juízos de valor sobre fatos e coisas, porém tal conclusão ainda deixa questões em aberto. No entanto, se não se trata de racionalidade comparável à humana, qual racionalidade se busca nas máquinas, sobretudo quando se pretende responsabilizar alguém por algum ato?

O estudo da inteligência artificial deve superar preconcepções irreais e quiçá cinematográficas de que determinado programa de computador será suficientemente potente para replicar a cognição humana. Nesse sentido, é importante que o conceito de inteligência artificial seja construído de maneira a refletir os níveis de autonomia que se imprime a certo sistema computacional. É nesse sentido que estudiosos como Searle 4 distinguem a inteligência artificial fraca (weak AI) da inteligência artificial forte (strong AI): enquanto a primeira diz respeito a programas de computador que constituem ferramentas poderosas, permitindo, por exemplo, a checagem precisa e rigorosa de hipóteses científicas; a segunda consiste não propriamente em ferramenta ou instrumento, mas em um sistema capaz de compreender e de emular estados cognitivos humanos, de …

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jusbrasil.com.br
24 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/inteligencia-artificial-no-mercado-de-capitais-inteligencia-artificial-e-direito-etica-regulacao-e-responsabilidade/1196969673