Prefácio

É com grande honra que tenho a oportunidade de prefaciar o excelente livro “ESG, Interesse Social e Responsabilidade dos Administradores de Companhia”, que resulta da tese de doutorado de Carlos Martins Neto, defendida na prestigiada UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Graças ao gentil convite do Professor Maurício Moreira Menezes, eu pude atuar como coorientadora da pesquisa. Como já se pode observar pelo título, a obra tem como ponto de partida aquela que é uma das discussões mais importantes do Direito Societário – o interesse social –, pois se trata de parâmetro fundamental para compreendermos a extensão dos direitos e poderes dos acionistas e administradores, bem como de critério para diferenciarmos os exercícios regulares dos exercícios abusivos de poder. Embora a discussão sobre interesse social seja antiga e nem sempre frutífera, pelo menos do ponto de vista dos resultados práticos, não há dúvidas de que tem sido revisitada desde que a pauta ESG adentrou pelo mundo corporativo. A partir daí, floresceram vários dos questionamentos que orientaram a tese: A ideia de interesse social deve passar por uma ressignificação a partir da pauta ESG? O que é realmente a pauta ESG? Como assegurar que ela seja efetivamente um instrumento de melhoria da qualidade de governança e não mera questão de marketing ou disfarce? Para responder a perguntas com esse nível de complexidade, Carlos precisou mergulhar nas discussões sobre ESG, a partir das quais foi possível apresentar inclusive uma definição para o próprio conceito. Nesse sentido, a sua conclusão é a de que a pauta ESG diz respeito a ações de responsabilidade social corporativa, ou seja, que ultrapassem mero cumprimento de um dever. Trata-se de definição extremamente apropriada, pois não se pode confundir ESG com cumprimento de regulação obrigatória. Mais do que apropriada, uma definição como a proposta por Carlos é fundamental para que possamos avaliar e mensurar as ações ESG, assegurando a eficácia de ações regulatórias, como é o caso da iniciativa da Comissão de Valores Mobiliários, que passou a exigir, a partir de 2023, que os emissores de valores mobiliários registrados como “categoria A” mencionem, nos respectivos formulários de referência, se utilizam indicadores e métricas ESG para avaliação de desempenho, bem como informem fatores de risco socioambientais e se tais informações foram auditadas. Entretanto, como bem adverte o autor, é complicado dar concretude a tais obrigações sem que se defina o que pode ou deve ser considerado ESG. Para além das necessárias discussões conceituais, a obra de Carlos nos oferece um diagnóstico cuidadoso e robusto das discussões mais estruturais sobre ESG, às quais se acrescenta a dimensão prática, uma vez que o autor não se furtou a analisar como o tema tem sido tratado nas companhias listadas no Novo Mercado da B3. Nesse sentido, a pesquisa empírica por ele realizada mostra o hiato entre o discurso e a prática, já que poucas companhias apresentam tais compromissos em seus estatutos e, mesmo quando os apresentam em documentos internos, nem sempre estes são de fácil identificação. Isso mostra o quanto ainda há espaço para avançarmos em transparência e accountability. A partir de toda essa rica pavimentação teórica, Carlos chega àquele que, para mim, é o cerne do trabalho: a discussão sobre se e como a pauta ESG pode ou deve ressignificar o interesse social e como isso repercute na responsabilidade dos administradores de companhias. Com efeito, a partir do momento em que metas ESG são voluntariamente adotadas pelas companhias, as controvérsias sobre o interesse social deixam de estar confinadas ao debate teórico entre contratualismo e institucionalismo. Afinal, os compromissos voluntariamente assumidos geram legítimas expectativas para acionistas, investidores e consumidores e ganham, portanto, uma inquestionável dimensão prática. Por essa razão, Carlos nos oferece quatro importantes eixos a partir dos quais se pode esperar consequências concretas da incorporação das metas ESG: (i) novas balizas para a aplicação da business judgment rule ; (ii) parâmetros de responsabilização dos administradores por negligência em relação aos riscos ESG; (iii) parâmetros de responsabilização pelo não cumprimento de medidas ESG divulgadas publicamente pela companhia; e (iv) responsabilidade decorrente do não cumprimento de medidas ESG vinculada a valores mobiliários emitidos pela companhia. Como se pode observar pela breve descrição, o livro que eu ora prefacio é obra atual e importante para todos aqueles que se interessam sobre Direito Societário e pela governança empresarial. Além de conciliar a sofisticada abordagem teórica com as repercussões práticas do assunto, Carlos ainda nos apresenta um texto claro, fluido, objetivo e gostoso de ler. Muito mais do que um diagnóstico sobre a pauta ESG no contexto brasileiro, o que já seria extremamente útil, o autor nos oferece propostas viáveis e consistentes para o tratamento do assunto a partir de um texto provocativo e que efetivamente nos impele à reflexão. É por todas essas razões que eu não tenho dúvidas de que os leitores terão uma experiência de leitura extremamente enriquecedora com a obra de Carlos. Mesmo para aqueles mais céticos em relação às discussões sobre interesse social ou ESG, deixo a provocação: leiam o livro e vejam se suas convicções sobre o assunto serão mesmo mantidas! Brasília, 15 de maio de 2023. Ana Frazão Professora Associada de Direito Civil, Comercial e Econômico da Universidade de Brasília

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