Prefácio

Em seu ensaio filosófico “L’homme revolté”, Albert Camus lança uma distinção bastante objetiva e estruturada em bases históricas entre “revolta” e “revolução”. Na interpretação que propõe, enquanto a revolta objetiva simplesmente muda a vida, a revolução é enxergada como uma forma de transformar o mundo: a revolta mata pessoas e aquela, por sua vez, destrói pessoas e princípios. E conclui: “Toutes les révolutions modernes ont abouti à un renforcement de l’État”. A obra foi escrita em 1951 e, sob aquele contexto, procura mostrar como as revoluções fortalecem o Estado, embora reconheça mais adiante que os movimentos de inspiração fascista do século XX não ostentam valor suficiente para serem qualificados como revolução. Camus analisa a revolta sob vários matizes, transcendendo o desatento olhar reducionista que porventura pretenda circunscrever o processo de transformação social àquele instrumentalizado pelo uso das armas. De fato, num textinho profundo e, portanto, também profundo textinho (por mais paradoxal do que isso possa parecer), resultante da adaptação de um discurso proferido no TEDx Euston, intitulado “We shoud all be feminists”, Chimamanda Ngozi Adichie apresenta um interessante raciocínio para defender a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, portanto, também, a equidade de gênero: na história das civilizações, a força se notabilizou por muito tempo como paradigma para protagonismo do poder. Atualmente, porém, a força, assim como as armas por meio das quais era potencializado o seu uso, foi substituída pelas ideias, um ativo social muito mais poderoso e propulsor do conceito que marca o estágio contemporâneo da sociedade global: a inovação. Se a revolução, segundo Camus, busca a mudança da realidade, a inovação garante esse mesmo objetivo, porém conceitualmente preserva a percepção da agregação de valor num processo de transformação do mundo essencialmente centrado no ser humano. Sem armas, promove rupturas silenciosas que modificam por completo os modelos sociais, econômicos e políticos vigentes, assim como as interações humanas mais genuínas. A inovação revela o poder transformador das ideias e seu impacto como acelerador da capacidade de adaptação da humanidade aos constantes desafios que lhe são impostos. Curiosamente, por algum tempo o conceito de inovação era reduzido a uma prática ou mesmo finalidade da iniciativa privada. Porém, seu caráter “revolucionário” veio confirmar a máxima de Camus: não apenas a inovação penetrou no Estado, como também se percebe seu potencial fortalecedor da legitimidade estatal perante os cidadãos. Essa permeabilidade do Estado à inovação conseguiu chegar a rincões de conservadorismo outrora tidos por absolutamente inatingíveis, como os serviços jurídicos prestados pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público, pela Advocacia Pública e por outras instituições jurídicas. A presente obra trata essencialmente do denso movimento de inovação que empolga e ganha dimensões antes inimagináveis nos serviços jurídicos prestados pelo Estado brasileiro, a ponto de “revolucionar” a respectiva estética e, consequentemente, o fundamento ético que os orienta. Demonstra como o design pode ser utilizado como recurso metodológico à concepção de serviços públicos centrados no ser humano, de forma a viabilizar uma atuação estatal mais empática e inclusiva. Os textos que compõem este livro abordam temáticas relevantes sobre Legal Design e uma de suas vertentes, o direito visual (Visual Law), todos demonstrando ser possível e mesmo desejável uma ruptura de paradigma quanto ao modelo predominante nos serviços jurídicos tradicionais, nos quais se restringe a participação ativa dos cidadãos sob o argumento do respectivo caráter técnico, assim como nos quais ainda é muito densa a camada burocrática que dificulta o estabelecimento de uma relação de maior sensibilidade entre os atores públicos e os destinatários dos serviços. O Estado se fortalece nesse movimento sem volta. Todavia, é importante compreender o fenômeno e seus fundamentos, a fim de que não se banalize uma oportunidade tão singular de democratização dos serviços jurídicos, com enorme impacto sobre como a sociedade assimila e expressa o sentimento de justiça. Por isso, é preciso estimular a leitura de textos de reconhecida qualidade teórica. Empatia, inclusão e sensibilidade são capacidades que se esperam não apenas do jurista do futuro, sequer tampouco do presente, mas também daquele do passado próximo. Afinal, as transformações têm sido tão rápidas e tão constantes que um dia a mais é muito para os que têm fome e sede de justiça. Eu tenho me esforçado para fazer parte desta história. Este livro me estimula a persistir nessa jornada. Marco Bruno Miranda Clementino Juiz Federal e Professor Associado da UFRN.

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