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Curso de Direito Penal - Parte Geral

Curso de Direito Penal - Parte Geral

Título III. Perspectiva Histórica do Direito Penal

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Capítulo I – Os Tempos Primitivos

1.A história da pena é a história da humanidade

O direito comparado revela que o ponto de partida da história da pena coincide com o ponto de partida da história da humanidade. Em todos os tempos, em todas as raças ainda as mais rudes ou degeneradas, encontramos a pena como o malum passionis quod infligitur propter malum actionis, como uma invasão na esfera do poder e da vontade do indivíduo que ofendeu e porque ofendeu as esferas de poder e da vontade de outrem. É possível, pois, reconhecer a existência da pena como um fato histórico primitivo e não haverá erro se considerarmos justamente no Direito Penal a primeira e a mais antiga camada da história de evolução do Direito e identificarmos o injusto como a alavanca tanto do Direito como da Moral (Liszt, Tratado, t. I, p. 5).

2.Origens místicas e religiosas

As pesquisas antropológicas, especialmente no campo da Etnologia (estudo da cultura dos povos naturais), revelam que o homem primitivo não regulava a sua conduta pelos princípios da causalidade e da consciência em torno de sua essência e circunstância. A retribuição e a magia, por um lado, e a psicologia coletiva, por outro, configuram a cosmovisão da alma primitiva (Jimenez de Asúa, Tratado, t. I, p. 241). A visão mágica e contraditória do homem e do mundo era alimentada pelos totens e tabus que estavam presentes nas mais diversas formas da pena retributiva. Os totens podem assumir as mais diversas formas de animais, vegetais ou qualquer objeto considerado como ancestral ou símbolo de uma coletividade (clã, tribo), sendo protetor dela e objeto de tabus e deveres particulares.

Nas sociedades primitivas, o tabu era a proibição aos profanos de se relacionarem com pessoas, objetos ou lugares determinados, ou dele se aproximarem, em virtude do caráter sagrado dessas pessoas, objetos e lugares e cuja violação acarretava ao culpado ou a seu grupo o castigo da divindade.

3.A perda da paz e a vingança de sangue

Nas sociedades de estrutura familiar que precederam a fundação do Estado (comunidades que têm o sangue como base) existiram duas espécies de penas: a) a punição do membro da tribo que na intimidade se fez culpado para com ela ou os seus membros individualmente considerados; b) a punição do estranho que invadiu o círculo de poder e da vontade do grupo ou de algum dos seus integrantes. No primeiro caso, a pena se caracteriza pela perda da paz sob variadas formas, sendo o condenado exposto às forças hostis da natureza e dos animais. No segundo, aparece ela como reação contra o estrangeiro e a sua raça, como vingança de sangue, exercida de tribo contra tribo até a destruição de uma das partes envolvidas ou até que a luta cessasse pelo esgotamento das forças de ambas. Em um e outro caso a pena revela traços acentuadamente religiosos (caráter sacro) e como a paz está sob a proteção dos deuses, a vingança tem o seu fundamento no preceito divino (Liszt, Tratado I, p. 6).

4.Um direito penal do terror e do martírio

Em obra de vários volumes, editada em Lisboa (1856) e dedicada ao Imperador Dom Pedro II, o jurisconsulto português Silva Ferrão faz um retrospecto do Direito Penal dos “ultimos quatorze seculos das nações modernas”, para concluir: “A historia do Direito penal é uma historia de crimes moraes, de tyrannias, de horrores, de tormentos, e de sangue, que fazem estremecer a humanidade, que hoje contempla os factos, e que não póde, na presença delles, deixar de recuar tremendo. Parece impossivel, que houvessem legisladores, juizes, executores da alta justiça, a representar activamente nas repetidas scenas de supplicios os mais variados, todos corporaes, todos afflictivos, a respeito dos quaes a imaginação do homem procurasse com esmero a preferencia e a invenção de martyrios os mais dolorosos contra seres da mesma especie, contra irmãos, contra filhos. Os homens, peóres que as féras, a pretexto de punir os maleficios, commeteram crimes mais reprehensiveis, que os que pretenderam reprimir. Deram o exemplo de crueldade, da violação dos direitos individuaes, e dos de propriedade” (Theoria do Direito Penal, vol. 1, p. XXX-XXXI).

5.A evolução das penas primitivas

A ideia da pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através da evolução política da comunidade (clã, grupo, cidade, Estado) e o reconhecimento da autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de punir em nome dos súditos. É a pena de caráter público, embora impregnada pela vingança, que penetra nos costumes sociais e alcança a proporcionalidade através do talião e da composição. A expulsão da comunidade é substituída pela morte, mutilação, banimento temporário ou a perda de bens. Em favor do perturbador da paz e seus parentes guarda-se a paz jurídica em troca de uma prestação mais valiosa à coletividade. A vindita, que acendia a luta entre as famílias é abolida; a reconciliação, tendo por base o preço do resgate que deve ser pago à família ofendida, é a princípio facultativa e depois se torna obrigatória (Liszt, Tratado, vol. I, p. 8).

Conforme autorizada doutrina, a privação e a restrição da liberdade não existiam nas práticas antigas como expressões autônomas de sanção, embora o encerro e outras modalidades de isolamento fossem impostas por diversas razões. A prisão se aplicava no interesse de assegurar a execução das penas corporais, especialmente a de morte, além de servir para a colheita de prova mediante tortura.

6.O talião

A pena de talião (do latim talis = tal, tal qual) consistia em impor ao delinquente um sofrimento igual ao que produzira com sua ação. Assim consta na Bíblia: “Pagará a vida com a vida; mão com mão, pé por pé, olho por olho, queimadura por queimadura” (Êxodo, XXI, versículos 23 a 25). Aquela antiga modalidade de sanção penal caracterizou uma moderação relativamente ao exercício da vingança como reação à ofensa e consta no Código de Hamurabi, na legislação mosaica e na Lei das XII Tábuas.

Grandes legisladores adotaram essa espécie de sanção: os decênviros de Roma, i.e., os dez magistrados que foram, na República romana, incumbidos de codificar as leis; Moisés, na Palestina; Pitágoras, na Grécia, e Solon, em Atenas. Partidários do talião foram também Bentham, Filangieri e Kant.

7.A composição

A composição caracteriza, historicamente, um abrandamento das penas violentas que se dirigiam contra o corpo do condenado (morte, mutilação etc.) e a expressão de utilidade social que deve ser inerente a todas as sanções criminais. Consistia a compositio em um meio de conciliação entre o ofensor e o ofendido ou seus familiares, pela prestação pecuniária como forma de reparar o dano (dinheiro da paz). Com aquela forma de pagamento, colocava-se fim à vingança coletiva entre as tribos e através dela o condenado à perda da paz recupera o direito de convivência comunitária. Na composição podem se distinguir: a) o pagamento em favor da tribo que ordenou a expulsão; b) o pagamento em favor da tribo ofendida para não exercer ou para cessar a vingança; c) o pagamento em favor da vítima ou seus familiares.

A Lei das XII Tábuas nos apresenta um exemplo da transição da composição voluntária para a composição legal: composição voluntária para o furto em flagrante (furtum manifestum) e composição legal para o furto fora da situação de flagrância (furtum nec manifestum) (Bruno, Direito Penal, t. 1, p. 81).

8.A pena pública

A pena pública constitui o último estágio no desenvolvimento da história das sanções criminais. Os escritores consideram alguns marcos bem característicos dessa evolução: a) o crime representa um atentado contra os deuses e a pena é a resposta para aplacar a ira da divindade ofendida; b) o crime é uma violenta agressão de uma tribo contra outra; c) o crime é a transgressão da ordem jurídica estabelecida pelo poder do Estado e a pena é a reação contra essa vontade antagônica.

A História registra que somente através de um demorado processo de evolução o Estado consegue acabar com as guerras entre as famílias e para tanto contribuiu o sistema de composição como força apaziguadora. Porém, o Estado que limita o poder individual ou familiar de castigar e que restringe a vingança para regular as composições, em determinado período de seu desenvolvimento, acaba substituindo-as por um novo sistema repressivo. Surge então a pena de natureza aflitiva e com caráter de expiação visando à exemplaridade. É o tempo em que o poder público assume a titularidade exclusiva da reação contra o delito e passa a exercer o chamado ius puniendi, o direito subjetivo de punir, com as mais variadas formas de sanção.

Capítulo II – Os Sistemas Antigos

Seção I. O Direito Penal do Antigo Oriente

9.Noções gerais

É impossível, nos limites assinalados para o presente Curso, promover uma investigação de maior profundidade a respeito das práticas punitivas do antigo Oriente, como de resto a tarefa seria inexequível também quanto às matrizes da outra fatia do universo: o antigo Ocidente. Tal empreendimento seria adequado a um projeto de levantamento sistemático da legislação, da doutrina e da jurisprudência dos mais variados períodos da História. No entanto, algumas peculiaridades podem ser destacadas no exame sumário dos costumes jurídico-penais daqueles povos. É justamente esse critério seletivo que poderá fornecer aos estudiosos uma visão de perspectiva que permitirá identificar os avanços e os retrocessos da justiça criminal.

Os sistemas penais do antigo Oriente foram marcados pelo caráter religioso das primeiras reações punitivas. Com grande frequência o castigo consistia no sacrifício cruento do infrator para aplacar a cólera da divindade ofendida. As disposições penais estavam inseridas nos livros sagrados porque na concepção daqueles povos a lei tinha origem divina. Conforme Jiminez de Asúa, o autoritarismo teocrático-político é uma característica daqueles períodos arcaicos, nos quais os reis e os imperadores assumiam caráter divino (Tratado, t. I, p. 267). Do frequente apoio religioso à sanção penal afasta-se, porém, a mais antiga legislação que chegou a ser conhecida pelo ocidente: o Código de Hamurabi, designação que leva o nome do rei da Babilônia, durante o período de 2285 a 2242 antes de Cristo. Nesse, a lex talionis e a morte eram as penas principais, com grande utilização das sanções corporais como a perda ou a mutilação de membro, sentido ou função que se relacionassem com a prática do crime como a amputação das mãos no caso de furto ou de agressão ao pai. O caráter público do Direito Penal era a base ideológica daquele Código que se afastava, assim, do matiz religioso que impregnava outros sistemas punitivos daqueles tempos.

10.China

Todo o antiquíssimo sistema penal chinês está impregnado do caráter sagrado e místico. A primitiva legislação é identificada pelo Livro das Cinco Penas que consistiam na amputação do nariz, amputação das orelhas, na obturação dos orifícios do corpo, na perfuração dos olhos e na morte. A vingança e o talião apareciam como vertentes básicas de toda uma ideologia de terror e de martírios. A pena capital era executada através da forca, decapitação, o esquartejamento 1 e enterro com vida. As cerimônias eram públicas visando ao escarmento e à purificação. Para as infrações menos graves aplicavam-se as mutilações e as penas infamantes.

Uma das práticas de caráter exemplar e intimidatória daqueles tempos, em se tratando de crimes horrendos, foi determinada pelo Imperador Wu-Wang e que consistia na exposição pública da cabeça dos delinquentes executados. Segundo os historiadores, o modelo adotado teve por inspiração a crueldade de duas categorias de pássaros: nio e kien. Os primeiros devoravam a mãe e os últimos o pai. Dias após o nascimento tratava a mãe de procurar os alimentos para os filhotes; mas, quando tinham asas para voar, eles matavam a própria mãe que já estava débil e cega, decapitando-a e colocando a cabeça sobre um ramo de árvore. “Agora” – diziam os antigos chineses – “devolvia-se às mães o que elas haviam feito, em seu tempo, às suas”. O Imperador Wu-Wang dizia que sendo bárbaro o delito cometido, os seus autores eram também merecedores da mesma sorte, i.e., as suas cabeças cortadas eram expostas como o eram as cabeças dos pássaros que matavam as suas mães (Jiménez de Asúa, Tratado, t. 1, p. 268).

11.Pérsia

Na Pérsia (atualmente Irã) é possível estabelecer uma divisão histórica entre uma época remota e outra que se estende até o advento do Islamismo. No primeiro período, a justiça criminal estava impregnada pela vingança e se regulava pelo talião. No segundo, passou-se a considerar que todo o crime ofendia a majestade do soberano e como as penas eram aplicadas em seu nome, com caráter vindicativo, tornavam-se muito cruéis e bem mais graves que os modelos daquele tempo.

Entre as modalidades da pena capital se destacavam a lapidação, 2 a crucificação, o esquartejamento, a decapitação e o scaffismo. 3 Também se aplicava a pena de mutilação.

12.Assíria

O maior volume de informações a respeito das práticas assírias vem da Bíblia. Era uma legislação cruel, que prodigalizava a pena de morte pela crucificação, pela entrega do condenado às feras e pela forca. O interesse na exemplaridade fazia com que a execução dos filhos fosse assistida pelos pais. Uma das …

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25 de Maio de 2024
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